Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Mais violenta, Baixada fica fora da vitrine da intervenção federal no RJ

Com rara presença militar, região tem assaltos, disputa de facções e milícias

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Militares das Forças Armadas fazem patrulhamento no calçadão de Copacabana, ponto turístico na zona sul do Rio
Militares das Forças Armadas fazem patrulhamento no calçadão de Copacabana, ponto turístico na zona sul do Rio - Carl De Souza - 4.abr.2018/AFP
Luiza Franco Thiago Amâncio
Rio de Janeiro

​William Drean Oliveira era a vítima. Dois ladrões tentavam roubar sua moto em frente a uma loja de material de construção em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Ao perceber a confusão e receoso pela quantidade de assaltos na região, o dono da loja saiu armado. Deu três tiros. William era um motoboy de 31 anos e morreu no local, deixando mãe, irmã, mulher e uma filha de três anos.

Antes, quando trabalhava como motorista da Uber, já haviam lhe roubado carro e celular na cidade vizinha de Nilópolis, também na Baixada, conta Raylane, sua mulher.

O Rio de Janeiro está sob intervenção federal na segurança pública desde fevereiro e tem sido comum ver tropas patrulharem a orla das praias de Ipanema e do Leblon, na zona sul da cidade.

Mas na Baixada, que tem quase o dobro da taxa de mortes violentas da capital (62 casos para cada 100 mil habitantes), Raylane nunca viu militares. “Não mudou nada”, diz ela, em relação à medida do presidente Michel Temer.

A Baixada é formada por 13 municípios, na região metropolitana do Rio, que somam 3,7 milhões de pessoas, em cidades como Belford Roxo, Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Essas sofrem com assaltos frequentes, disputa de controle de território por facções criminosas e opressão de milícias.

A região ainda não entrou no foco da intervenção federal. Houve 22 operações conjuntas entre as forças de segurança desde 16 de fevereiro, segundo o Gabinete da Intervenção Federal, mas não houve ações significativas na Baixada —somente patrulhas esporádicas em locais como a Dutra, rodovia que liga RJ a SP e corta essa área.

PLANOS

Quando a intervenção começou, os militares disseram que os objetivos eram reduzir os índices de criminalidade e reestruturar as polícias. A Baixada, com 22% da população do Estado, concentrou 34% das mortes violentas em 2017.

A Folha perguntou ao gabinete de intervenção quais são os planos dos militares para a Baixada e recebeu como resposta que a intervenção se dá em todo o estado.

Foi pedido ao Comando Militar do Leste uma relação das operações que beneficiaram a Baixada nos dois primeiros meses da intervenção, mas não houve resposta.

A intervenção tem feito inspeções em unidades das forças de segurança, como no Bope e em delegacias da Polícia Civil. Essas operações também não chegaram a nenhuma unidade na Baixada.

Ao Ministério Público Federal, que instaurou um inquérito civil no fim de março para apurar as ações federais na região, o gabinete informou que houve uma operação de Garantia de Lei e Ordem no segundo semestre do ano passado, além de patrulhas.

Segundo o procurador Julio José Araujo Junior, responsável por esse caso, as respostas do gabinete militar têm sido insuficientes. “O cenário é ruim. Mandamos ofícios, reiteramos depois. Um deles foi respondido, de maneira muito genérica, e os outros não foram respondidos. O primeiro aspecto que a gente já constata é a falta de transparência.”

AULAS E MERENDA

Nesta semana, 7.000 alunos ficaram sem aula em escolas de Belford Roxo devido a confrontos entre grupos criminosos. Segundo a Secretaria de Educação, a entrega de produtos da merenda não tem sido feita porque os caminhoneiros têm medo de circular.

A prefeitura já reivindicou medidas urgentes ao secretário estadual da Segurança Pública, general Richard Nunes.

Ao longo da última década, a violência no estado se difundiu para a Baixada e o interior, mostra estudo da Fundação Getulio Vargas.

Essas áreas concentravam 48% dos homicídios dolosos em 2006 e houve um salto para 65% dos casos em 2016. 

No período, a proporção dos assassinatos na capital baixou de 39% para 26%.

Uma das explicações apontadas por especialistas é a instalação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que teriam afugentado criminosos de morros da capital para outras áreas estado adentro.

Essas políticas de segurança historicamente priorizaram a capital. Das 38 UPPs existentes, só uma fica na Baixada.

Segundo o Ministério Público Federal, há relatos de que esse movimento estaria se repetindo: com as tropas na capital, criminosos estariam se refugiando na Baixada.

A região tem um histórico de grupos de extermínio, moradores que se uniam para eliminar bandidos que aterrorizavam as comunidades. Formavam os núcleos policiais e ex-policiais, mantidos por comerciantes incomodados com os assaltos.

Esses grupos começaram a aparecer nos anos 1950, viveram o auge nos anos 1970 e entraram em declínio na década de 1990 em diante. Segundo a Procuradoria, eles já não são mais tão fortes na região.

Esse declínio abriu espaço para as milícias, que hoje são fortes em Duque de Caxias, por exemplo, e começam a ganhar território em Seropédica, Itaguaí e Nova Iguaçu.

Soma-se a isso o tráfico de drogas, que não tinha tanta força até os anos 2000 —a clientela é pobre, e as bocas de fumo, com exceções nas cidades maiores, eram pequenas.

Segundo especialistas, as facções se fortaleceram e hoje têm armamento equivalente ao visto na capital. Os três principais grupos criminosos do estado estão na região, e as disputas por território, tão frequentes na capital, hoje também acontecem por lá.

“Eles saem na porrada e aí começa o tiroteio. Matam inocente. Não só matam bandido, matam todo mundo”, afirma Fábio Salvadoretti, delegado-assistente da delegacia de homicídios da região.

Dados da plataforma Fogo Cruzado, da Anistia Internacional, que mapeia de forma colaborativa a violência armada no Grande Rio, mostram que Belford Roxo foi o município que mais sofreu aumento de tiroteios nos primeiros 100 dias de 2018, ante o mesmo período de 2017.

Acontece por ali uma disputa de bandidos por controle de área entre os bairros Castelar e Morro da Palmeira.

O motorista da Uber Hamilton da Silva, 51, evita circular mesmo durante o dia por determinados locais, como o centro de Belford Roxo.

Ele teve o carro roubado duas vezes em um mês, e na Semana Santa perdeu o celular. Hoje, sempre liga para casa quando está chegando, para que a mulher abra o portão antes. “A Baixada não está na vitrine, né?”, resume.

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