William Drean Oliveira era a vítima. Dois ladrões tentavam roubar sua moto em frente a uma loja de material de construção em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Ao perceber a confusão e receoso pela quantidade de assaltos na região, o dono da loja saiu armado. Deu três tiros. William era um motoboy de 31 anos e morreu no local, deixando mãe, irmã, mulher e uma filha de três anos.
Antes, quando trabalhava como motorista da Uber, já haviam lhe roubado carro e celular na cidade vizinha de Nilópolis, também na Baixada, conta Raylane, sua mulher.
O Rio de Janeiro está sob intervenção federal na segurança pública desde fevereiro e tem sido comum ver tropas patrulharem a orla das praias de Ipanema e do Leblon, na zona sul da cidade.
Mas na Baixada, que tem quase o dobro da taxa de mortes violentas da capital (62 casos para cada 100 mil habitantes), Raylane nunca viu militares. “Não mudou nada”, diz ela, em relação à medida do presidente Michel Temer.
A Baixada é formada por 13 municípios, na região metropolitana do Rio, que somam 3,7 milhões de pessoas, em cidades como Belford Roxo, Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Essas sofrem com assaltos frequentes, disputa de controle de território por facções criminosas e opressão de milícias.
A região ainda não entrou no foco da intervenção federal. Houve 22 operações conjuntas entre as forças de segurança desde 16 de fevereiro, segundo o Gabinete da Intervenção Federal, mas não houve ações significativas na Baixada —somente patrulhas esporádicas em locais como a Dutra, rodovia que liga RJ a SP e corta essa área.
PLANOS
Quando a intervenção começou, os militares disseram que os objetivos eram reduzir os índices de criminalidade e reestruturar as polícias. A Baixada, com 22% da população do Estado, concentrou 34% das mortes violentas em 2017.
A Folha perguntou ao gabinete de intervenção quais são os planos dos militares para a Baixada e recebeu como resposta que a intervenção se dá em todo o estado.
Foi pedido ao Comando Militar do Leste uma relação das operações que beneficiaram a Baixada nos dois primeiros meses da intervenção, mas não houve resposta.
A intervenção tem feito inspeções em unidades das forças de segurança, como no Bope e em delegacias da Polícia Civil. Essas operações também não chegaram a nenhuma unidade na Baixada.
Ao Ministério Público Federal, que instaurou um inquérito civil no fim de março para apurar as ações federais na região, o gabinete informou que houve uma operação de Garantia de Lei e Ordem no segundo semestre do ano passado, além de patrulhas.
Segundo o procurador Julio José Araujo Junior, responsável por esse caso, as respostas do gabinete militar têm sido insuficientes. “O cenário é ruim. Mandamos ofícios, reiteramos depois. Um deles foi respondido, de maneira muito genérica, e os outros não foram respondidos. O primeiro aspecto que a gente já constata é a falta de transparência.”
AULAS E MERENDA
Nesta semana, 7.000 alunos ficaram sem aula em escolas de Belford Roxo devido a confrontos entre grupos criminosos. Segundo a Secretaria de Educação, a entrega de produtos da merenda não tem sido feita porque os caminhoneiros têm medo de circular.
A prefeitura já reivindicou medidas urgentes ao secretário estadual da Segurança Pública, general Richard Nunes.
Ao longo da última década, a violência no estado se difundiu para a Baixada e o interior, mostra estudo da Fundação Getulio Vargas.
Essas áreas concentravam 48% dos homicídios dolosos em 2006 e houve um salto para 65% dos casos em 2016.
No período, a proporção dos assassinatos na capital baixou de 39% para 26%.
Uma das explicações apontadas por especialistas é a instalação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que teriam afugentado criminosos de morros da capital para outras áreas estado adentro.
Essas políticas de segurança historicamente priorizaram a capital. Das 38 UPPs existentes, só uma fica na Baixada.
Segundo o Ministério Público Federal, há relatos de que esse movimento estaria se repetindo: com as tropas na capital, criminosos estariam se refugiando na Baixada.
A região tem um histórico de grupos de extermínio, moradores que se uniam para eliminar bandidos que aterrorizavam as comunidades. Formavam os núcleos policiais e ex-policiais, mantidos por comerciantes incomodados com os assaltos.
Esses grupos começaram a aparecer nos anos 1950, viveram o auge nos anos 1970 e entraram em declínio na década de 1990 em diante. Segundo a Procuradoria, eles já não são mais tão fortes na região.
Esse declínio abriu espaço para as milícias, que hoje são fortes em Duque de Caxias, por exemplo, e começam a ganhar território em Seropédica, Itaguaí e Nova Iguaçu.
Soma-se a isso o tráfico de drogas, que não tinha tanta força até os anos 2000 —a clientela é pobre, e as bocas de fumo, com exceções nas cidades maiores, eram pequenas.
Segundo especialistas, as facções se fortaleceram e hoje têm armamento equivalente ao visto na capital. Os três principais grupos criminosos do estado estão na região, e as disputas por território, tão frequentes na capital, hoje também acontecem por lá.
“Eles saem na porrada e aí começa o tiroteio. Matam inocente. Não só matam bandido, matam todo mundo”, afirma Fábio Salvadoretti, delegado-assistente da delegacia de homicídios da região.
Dados da plataforma Fogo Cruzado, da Anistia Internacional, que mapeia de forma colaborativa a violência armada no Grande Rio, mostram que Belford Roxo foi o município que mais sofreu aumento de tiroteios nos primeiros 100 dias de 2018, ante o mesmo período de 2017.
Acontece por ali uma disputa de bandidos por controle de área entre os bairros Castelar e Morro da Palmeira.
O motorista da Uber Hamilton da Silva, 51, evita circular mesmo durante o dia por determinados locais, como o centro de Belford Roxo.
Ele teve o carro roubado duas vezes em um mês, e na Semana Santa perdeu o celular. Hoje, sempre liga para casa quando está chegando, para que a mulher abra o portão antes. “A Baixada não está na vitrine, né?”, resume.
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