STJ manda TJ analisar dúvidas da Promotoria sobre júris do Carandiru

Tribunal paulista não analisou omissões ao anular condenação de 74 policiais

São Paulo

​​​O STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou que o Tribunal de Justiça de São Paulo analise questionamentos feitos pelo Ministério Público sobre a sentença que anulou a pena contra 74 policiais militares acusados de participar do massacre do Carandiru, em 1992.

O ministro Joel Ilan Paciornik atendeu pedido do Ministério Público, em recurso especial, que reclamava de o TJ paulista não ter respondido a questionamentos sobre omissões e contradições naquela sentença que anulou cinco julgamentos realizados em São Paulo entre 2013 e 2014.

Um dos pontos questionados, por exemplo, é a falta da individualização da conduta (não saber quem atirou em quem). O TJ usou este como um dos argumentos para anular os júris, mas o Ministério Público questionou este ponto por considerar ter sido debatido no julgamento e avaliado pelos jurados.

Esses questionamentos foram feitos em recurso chamado de embargos de declaração ao próprio TJ.

O ministro do STJ deu razão ao pleito da Promotoria e determinou a anulação dos embargos de declaração. Essa decisão, porém, ainda não tem efeito prático sobre a anulação dos júris. Ela, sim, obriga os desembargadores do TJ explicarem esses pontos considerados omissos e contraditórios. 

A decisão do ministro não deixa de ser uma vitória do Ministério Público, porque mostra um STJ atento à questão --esse tribunal é quem depois analisará o mérito de anular ou não a decisão dos desembargadores paulistas.

massacre, que ganhou repercussão internacional, terminou com 111 presidiários assassinados em uma ação da PM para conter uma rebelião na antiga Casa de Detenção, na zona norte de São Paulo.

Os 74 PMs envolvidos no massacre foram condenados em julgamentos realizados em cinco etapas diferentes, que ocorreram de 2013 a 2014. Em todos eles, o júri votou pela condenação dos réus. As penas variavam entre 48 e 624 anos de prisão. Como a defesa recorreu da decisão, nenhum policial foi preso.

m 2016, a pedido das defesas dos condenados, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou os julgamentos alegando que a denúncia do Ministério Público paulista não individualizou a responsabilidade de cada agente.

O relator do processo, o desembargador Ivan Sartori, votou à época pela anulação e absolvição dos réus enfatizando que não houve massacre no Carandiru, mas, sim, uma ação em legítima defesa.

"Não houve massacre. Houve obediência hierárquica. Houve legítima defesa. Houve estrito cumprimento do dever legal. Agora, não nego que, dentre eles, possa ter existido algum assassino." "Nós julgadores não podemos nos influenciar por imprensa, ou por quem se diz dos direitos humanos. A minha consciência está aqui. Sou o julgador. Quem manda na minha consciência sou eu mesmo", completou.

Em 2017, em recurso apresentado ao tribunal paulista que pedia a análise dos embargos de declaração, a Promotoria sustentou que não foi imputada aos acusados, diretamente, a autoria dos homicídios, mas a participação deles no massacre de forma coletiva.

“Dessa forma, todos os que tomaram parte das infrações —mortes em cada pavimento— devem responder por elas, pois contribuíram de modo efetivo e eficaz para a produção da ‘obra comum’, cada qual colaborando conscientemente com a conduta dos companheiros de tropa”, afirmou a Promotoria.

O tribunal negou o recurso em abril do ano passado. Para o Ministério Público, os desembargadores não poderiam ter anulado o julgamento do tribunal do júri “simplesmente por discordar do juízo de valor resultado da interpretação das provas”. 

No recurso ao STJ, a Promotoria alegou que o TJ-SP não prestou a adequada jurisdição ao não se pronunciar sobre os vícios de omissão apontados nos embargos.

Para o ministro Paciornik, o esclarecimento das omissões é fundamental porque dará caminho para futuros questionamentos em novos recursos nas instâncias superiores da Justiça.

"Dou provimento ao recurso especial para anular o acórdão proferido pela corte a quo em sede de embargos declaratórios, determinando o retorno dos autos àquele Sodalício para que seja realizado novo julgamento, com a efetiva apreciação da irresignação veiculada na medida integrativa, restando prejudicada a análise das alegações recursais restantes", determinou o ministro do STJ. 


COMO FOI O MASSACRE

 

 

CRONOLOGIA

2.out.1992 111 presos são mortos na Casa de Detenção em São Paulo após invasão da PM

2001 Coronel Ubiratan, apontado como responsável pela ordem para invadir o Carandiru, é condenado a 632 anos de prisão, por 105 das 111 mortes

Fev.2006 Tribunal de Justiça de SP absolve o coronel, ao entender que a sentença do júri havia sido contraditória

10.set.2006 Ubiratan é encontrado morto; única acusada do crime, sua ex-namorada foi absolvida em 2012

21.abr.2013 Conclusão do julgamento do 1º andar

3.ago.2013 Conclusão do julgamento do 2º andar

19.mar.2014 Conclusão do julgamento do 4º andar

31.mar.2014 Conclusão do julgamento do 3º andar

10.dez.2014 Ex-PM da Rota que foi julgado separadamente é condenado a 624 anos de prisão; ele já estava preso pela morte de travestis. Seu caso foi separado porque, na época, a defesa pediu que ele fosse submetido a laudo de insanidade mental

27.set.2016 Após recurso da defesa, Tribunal de Justiça de SP anula todos os julgamentos

5.abr.2018 STJ manda Tribunal de Justiça de SP refazer julgamento que anulou pena de 74 PMs acusados


OS JULGAMENTOS

Ação foi desmembrada de acordo com os andares do pavilhão 9

1º andar
Mortos: 15
Condenados: 23 policiais
Absolvidos: 3, a pedido da promotoria
Pena: 156 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias

2º andar
Mortos: 73
Condenados: 25 PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar)
Pena: 624 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias

3º andar
Mortos: 8
Condenados: 15 PMs do COE (Comando de Operações Especiais)
Pena: 48 anos de reclusão cada um

4º andar
Mortos: 15
Condenados: 10 PMs do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais)
Pena: 9 com pena de 96 anos cada um, e um com pena de 104 anos
Julgamento: 3 dias

*Parte das mortes não resultou em condenações porque não havia provas de que haviam sido causadas por policiais
Fontes: Ministério Público e Fundação Getúlio Vargas

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