Desabrigados, voluntários e curiosos dividem praça palco de desastre em SP

Largo do Paissandu reúne de cozinha improvisada a pilhas de doações

Apos do desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida o largo do Paissandu virou um acampamento

Apos do desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida o largo do Paissandu virou um acampamento Danilo Verpa/Folhapress

Angela Pinho
São Paulo

São 10h30 de sexta-feira (4) no largo do Paissandu, centro de São Paulo. Vestido com uma camisa estampada de bandeiras do Brasil, Antônio da Paz, 62, serve água e café na aglomeração que se formou no local desde o desabamento no edifício Wilton Paes de Almeida, na última terça-feira (1º).

Não é sua primeira participação em um evento de repercussão nacional. No mês passado, ele foi um dos voluntários na limpeza do Pateo do Collegio, no centro, que teve o muro pichado. Há dez anos, foi ao enterro da adolescente Eloá Pimentel, que ele não conhecia, morta pelo ex-namorado após ser feita refém no ABC paulista. 

Sempre para ajudar e mostrar solidariedade, diz ele.

Indagado se integra alguma entidade filantrópica ou religiosa, responde que não. “Minha entidade sou eu mesmo.” Saído de Guaianases, no extremo leste, por conta própria, Antônio é um exemplo do público diverso que se formou no local desde a tragédia.

O aglomerado inclui desabrigados do prédio que desabou, outros sem-teto e moradores de rua em busca de doações, voluntários, religiosos, assistentes sociais, policiais militares e guardas-civis, bombeiros e muitos curiosos.

Segundo a prefeitura, os moradores do Wilton Paes de Almeida que não conseguiram ficar na casa de parentes foram encaminhados a abrigos. Eles receberão uma verba para pagar aluguel. Nem todos, porém, aceitam essa opção, e resolvem ficar no largo.

Fabiana Ribeiro da Silva, 38, é uma delas. Ela escapou com marido, filha e neta do incêndio e conta que chegou a fazer um cadastro em um albergue, mas preferiu ficar em uma barraca por ali.

“O banheiro era um horror, o do bar aqui do lado é melhor. E tinha um monte de ‘noia’”, diz. “Melhor ficar aqui, vai que aparece alguém para levar a gente para um lugar melhor?”

Mesma esperança, mas não muita, tem Jessica dos Santos. Aos 19 anos, ela também está em uma barraca no largo, com a filha de dois meses de idade. São 13h, e ela dobra roupas e fraldas doadas para a garota para colocar em uma maleta.

 

Jessica diz que morava no quarto andar do edifício, mas não estava no local no dia do cadastro e, por isso, não vai receber a ajuda para aluguel da prefeitura. Ela é vendedora de água na rua, e seu marido fazia bicos de pedreiro e segurança, mas está desempregado.

São 14h. Não há música ambiente, mas uma mulher ensaia passos de funk. “Eu quero 1 milhão de dólares”,  grita. Da onde você veio?, perguntam? “Do céu”, ela responde.

Do lado de dentro do gradil instalado perto da igreja, onde estão as barracas de desabrigados, o almoço continua a ser servido.

Organizado por voluntários, ele é preparado com as comidas no local e em restaurantes da região do centro e de Santa Cecília. Tem arroz, feijão, carne e farofa. Quentinhas chegam de outra parte. De sobremesa, há banana e abacaxi.

Parte dos moradores do prédio desabado se queixa de pessoas de outros lugares na fila. Mas há comida para todos, feita na hora ou não perecível, para quem quiser levar para casa.

Moradora da ocupação que pegou fogo, Marli da Silva, 48, não veio atrás de comida. Já abrigada na casa de uma amiga, ela conta que está atrás de fraldas para o sobrinho.

Provavelmente, acabará encontrando. Quatro dias após a tragédia, as doações no largo do Paissandu vão de roupas e alimentos a balas e brinquedos. Vinda de outro prédio, uma mulher conseguiu achar um cavaquinho de plástico para o neto.

 

VOLUNTÁRIOS

Os voluntários se dividem em ao menos três perfis. De um lado, os que chegam ao local como grupos organizados já com suas tarefas determinadas —caso dos que preparam as refeições, por exemplo. Há também os que se juntam aos grupos por conta própria, como Antônio. Por fim, os que estão de passagem pelo local e resolvem dar uma ajuda.

São 15h33, uma nuvem de cinzas dos escombros se alastra pelo local. A garganta fica seca, e máscaras são distribuídas. Dois jovens de barba e camisa xadrez passam com uma caixa de esfihas e tentam deixar com voluntários.

Mais perto dos escombros, onde mais cedo o primeiro corpo de uma vítima da tragédia foi encontrado, bombeiros comem macarrão instantâneo. Em turnos de 12 horas, eles ainda devem ficar no local pelo menos mais duas semanas, estima o comandante da operação.

No largo, a tarde cai, e o fluxo de curiosos diminui. A permanência das barracas e voluntários que preparam o jantar mostra que a aglomeração que se formou por ali deve acompanhar os trabalhos.

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