Gasto excessivo com aluguel pressiona déficit habitacional no Brasil

Crise corroeu finanças e agravou gargalo para casa popular em grandes centros

Sem-teto acenam e mostram mensagem com pedido de moradia digna após invadirem prédio na av. Ipiranga no centro de São Paulo
Sem-teto acenam e mostram mensagem com pedido de moradia digna após invadirem prédio na av. Ipiranga no centro de São Paulo - Alessandro Shinoda - 04.out.10/Folhapress
Anaïs Fernandes
São Paulo

Mais de 3 milhões de famílias brasileiras comprometiam valor superior a 30% do seu orçamento com aluguel da moradia em 2015, alta de quase 80% em relação a 2007, início da série histórica da Fundação João ​Pinheiro.

Em 2007, cerca de 1,7 milhão de famílias encontrava-se nessa situação, chamada de ônus excessivo com aluguel, que considera moradores de áreas urbanas com renda familiar de até três salários mínimos.

O alto custo do aluguel é um dos principais fatores elencados por movimentos de sem-teto para invasões de prédios, às vezes em condições precárias, como as do que desabou nesta semana no centro de SP.

A Fundação João Pinheiro é responsável pelo cálculo oficial do déficit habitacional no Brasil, a partir de microdados da Pnad (pesquisa nacional de domicílios do IBGE).

O déficit mede a deficiência no estoque de moradias, englobando, além dos casos de ônus excessivo com aluguel, casas que precisam ser trocadas porque estão em estado precário e as novas unidades que deveriam existir para evitar coabitação familiar e adensamento excessivo de moradores em imóveis alugados.

Em 2007, ele era de 10,4%, somando 5,8 milhões de domicílios, sendo que 42% do déficit era composto pela coabitação familiar e 30% pelo ônus excessivo com aluguel.

O percentual da coabitação familiar caiu para 30% em 2015 —último ano com dados já calculados oficialmente. O ônus excessivo com aluguel, por outro lado, passou a representar metade do déficit habitacional no país.

Segundo Luiza Souza, pesquisadora da fundação, além do custo da moradia ter aumentado no período, a crise no Brasil levou à corrosão do poder de compra dos moradores e apertou as finanças do lar

“O problema econômico fez com que o aluguel ganhasse um peso grande nos últimos tempos, principalmente nas regiões metropolitanas, onde o custo da moradia é alto”, diz.

Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o ônus excessivo com aluguel representava 58% do déficit habitacional da região em 2015.

Para Ana Castelo, coordenadora de Estudos da Construção Civil do FGV Ibre, a questão está ligada também à dificuldade de se construir habitação de interesse social nos grandes centros urbanos.

“O programa Minha Casa, Minha Vida foi lançado em 2009 e desde então vemos a clara tendência de redução na habitação precária, categoria que inclui tanto imóveis em zona urbana quanto rural. Isso não acontece para o ônus com aluguel, o que se deve muito ao preço e à disponibilidade da terra nas grandes cidades.”

Em 2007, quase 1,3 milhão de famílias no Brasil moravam em uma habitação considerada precária, montante que foi para 942,6 mil em 2015.

O custo do financiamento imobiliário também é um inibidor para a saída do aluguel. Novos indicadores da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) mostram que, em 2015, uma família de renda média precisaria de cerca de 14 anos para conseguir comprar um imóvel de 70 m² e comprometeria 37% da renda.

O déficit habitacional brasileiro relativo subiu ligeiramente em 2015, para 9,3%, ante 9% em 2014 e 2013, atingindo 6,35 milhões de domicílios. E especialistas estimam que pode ter havido novo aumento nos últimos dois anos.

“Em 2016, o setor da construção estava no auge da sua crise e foi uma época ruim em termos de contratação dos programas sociais. Existe um contexto apontando que o mais provável é que o déficit tenha aumentado”, diz Castelo.

ara Ciro Pirondi, diretor da Escola da Cidade, o combate ao déficit habitacional requer uma visão de política pública ampla. “Construímos nossas cidades a partir de parâmetros equivocados. A exploração da cidade se dá em cima de política econômica somente. Não que isso não deva ser considerado, mas existe toda uma infraestrutura que caracteriza a habitação, como escolas, hospitais, lazer e uma política de mobilidade também.”

Segundo Pirondi, a solução do déficit passa pela ocupação de espaços já existentes em zonas centrais urbanas. “É preciso ocupar propriamente o que já existe. Em São Paulo são mais de 400 mil m² vazios no centro expandido, com toda a infraestrutura ali embaixo, só que não usamos.”

A pesquisa da fundação aponta que havia mais de 7,9 milhões de domicílios vagos no Brasil com potencial de serem ocupados ou em reforma, mas, segundo a fundação, é possível que muitas dessas moradias não sejam adequadas ao perfil do consumidor de baixa renda que realmente precisa ser atendido.

O déficit habitacional da região metropolitana de São Paulo passou de 9,7% em 2007 para 8,9% em 2015, equivalendo a 643,2 mil domicílios

Em termos absolutos, o maior problema é exatamente o ônus excessivo com aluguel: 373,1 mil famílias comprometiam mais de 30% da renda com locação em 2015.

O número de moradias precárias caiu 46% desde 2007, de 51,6 mil para 27,9 mil domicílios. O adensamento excessivo em imóvel alugado (média superior a três moradores por dormitório), por outro lado, subiu 4,8% e agora representa a situação de 90,5 mil lares.

A região Norte registrou o maior déficit habitacional do país (12,6%, representando 645,5 mil moradias), puxado pelo déficit de 15,3% na região metropolitana de Belém.

O estado com maior déficit relativo (20%) é o Maranhão, onde cerca de 241,3 mil moradias foram consideradas precárias (rústicas ou improvisadas).

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