Igreja vizinha a prédio que caiu avalia estragos para se colocar de pé

Órgão de tubos e piano sofreram avarias; luteranos de outros países devem ajudar

Frederico Carlos Ludwig, 61, que há 20 anos é pastor da Igreja Evangélica Luterana, atingida pela queda do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo
Frederico Carlos Ludwig, 61, que há 20 anos é pastor da Igreja Evangélica Luterana, atingida pela queda do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo - Bruno Santos/ Folhapress
São Paulo

Neto de alemães, mas sobretudo gaúcho, como faz questão de afirmar, esse homem nascido em Esteio, 116 kg distribuídos em 1,86 m, não abre mão de seu DNA pragmático ao mirar a Igreja Evangélica Luterana, atingida pelo desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro da capital.

“Teremos muito trabalho”, diz Frederico Carlos Ludwig. Quanto tempo vai levar e quanto isso vai custar, isso ainda é cedo para calcular.

Seus olhos claros, contudo, refletem certa dose de esperança em meio à poeira que não dá um minuto de trégua. “Mas vamos recuperá-la.”

Do buraco cravado na lateral esquerda do templo, construído em estilo neogótico e inaugurado em 25 de dezembro de 1908, percebe-se que há espaço para algum otimismo.

Neste sábado (12) de céu cinza e temperatura na casa dos 17°C, a região do largo do Paissandu estava apinhada de gente. Em volta dos escombros, por onde a barulheira das máquinas era incessante, curiosos aglomeravam-se com seus celulares em mãos.

O interesse era fazer um registro, qualquer que fosse, do que restou dos 24 andares do Wilton Paes de Almeida. Ícone da arquitetura modernista, o prédio pegou fogo e veio abaixo, na madrugada do dia 1º de maio, deixando ao menos quatro moradores mortos e outros quatro desaparecidos —neste domingo (13) foi decretado o fim das buscas.

No centro da tragédia, uma equipe formada por três engenheiros, um arquiteto e uma fotógrafa entrava na igreja luterana. À frente do grupo estava o mais ansioso de seus integrantes: Ludwig, 61 anos, 35 deles como pastor, 20 no comando da paróquia, vizinha do prédio que desabou.

A missão deles tinha como objetivo fazer um levantamento dos estragos no templo. Fotografar os danos e, sobretudo, sair dali sabendo o que será possível recuperar.

Era de conhecimento que o telhado estava comprometido, assim como o forro, original, de madeira. Como a parede caiu para dentro, os tijolos talvez poderão ser utilizados na reconstrução da igreja, tombada pelo patrimônio municipal (Conpresp) e pelo estadual (Condephaat).

Sabe-se, por exemplo, que a pia batismal de mármore não sofreu danos severos. Outro símbolo da igreja, o lustre, continua lá, recuperável. 

O órgão de 1.946 tubos sofreu pequenina avaria. Será desmontado e levado para restauro, assim como o piano. Os bancos, com capacidade para receber 200 fiéis sentados, também serão reformados.

Ludwig quase não acreditou quando viu que os vitrais do altar e do lado esquerdo ficaram intactos, apesar da rosácea, de 5 m por 5 m, ter sido totalmente destruída.

Uma pena! Os vitrais eram uma atração. Além de retratar o brasão de Lutero e de seus apoiadores, o templo abrigava um outro, de 2,5 m de comprimento por 3 m de largura, que ilustrava a Santa Ceia.

Todos eles produzidos pela famosa Casa Conrado, do vitralista alemão Conrado Sorgenicht (1835-1901), responsável por vitrais do Mercado Municipal e Theatro Municipal.

Conhecida como Martin Luther, a igreja foi desenhada pelo arquiteto Guilherme von Eÿe, que assinou o projeto do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.

Para recuperar o primeiro templo luterano da cidade, a comunidade da igreja na capital, estimada hoje em 12 mil pessoas, está mobilizada.

Mulher do pastor, a professora Janette Bächtold Ludwig, 61, conta que luteranos da Alemanha ao Japão vão ajudar na empreitada de colocar a igreja novamente de pé.

Na semana passada, ela recebeu a visita de estrangeiros, com a presença do bispo de Hannover, cidade onde está localizada a sede da Igreja Evangélica Luterana (EKD).

Os luteranos condenavam o comportamento moral dos padres católicos e acreditavam que a salvação estava nas Escrituras Sagradas. A Igreja Luterana surgiu após o monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546) fixar na porta da catedral de Wittenberg, na Alemanha, um manifesto com suas 95 teses, no dia 31 de outubro de 1517. Elas impulsionaram a Reforma Protestante que mudaria o curso da Europa e redefiniria as bases da cultura ocidental.

Para o pastor —alemão de raiz, gaúcho de origem e paulistano de ofício—, a tragédia do prédio que desabou “só terá sentido em torno da preservação da vida”.

Moradores do Wilton Paes de Almeida e outros tantos que vivem nas ruas da maior e mais rica metrópole brasileira guardavam documentos na sala de reuniões da igreja, que funcionava nos fundos do templo e não sofreu danos.

Os originais eram xerocados e guardados num cofre para eles circularem com as cópias. Numa cidade tão escassa de banheiros públicos, os da Igreja Evangélica Luterana do centro eram liberados para quem quisesse usá-los.

“Olhe para isso aqui”, aponta Ludwig em direção ao cenário que parece destruído por uma guerra. “Quantas vidas foram afetadas pelo descaso?”

Paralelamente à recuperação da igreja, abraçaram uma campanha para que ali, no lugar do edifício, seja construído um memorial. “Prédios, aqui não faltam, inclusive para abrigar essas pessoas que não têm um teto”, afirma o pastor.

Assim, os luteranos parecem estender o sentimento de esperança para o entorno da igreja. Mais que ansiarem pelos tradicionais cultos, às 10h15 de domingo, sonham ainda com o dia em que a cidade memorize os nomes das vítimas da tragédia, gravados, quem sabe, até mesmo nos celulares de curiosos.

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