São Paulo

Um incêndio levou ao desabamento de um prédio de 24 andares invadido no centro de São Paulo, provocou pânico em moradores e vizinhos e expôs a falta de controle de órgãos públicos sobre a segurança de imóveis ocupados por sem-teto.

O edifício Wilton Paes de Almeida, no largo do Paissandu, foi engolido pelo fogo na madrugada desta terça (1º), após uma explosão no 5º andar —há suspeita de que ela esteja ligada a um botijão de gás, e moradores citam uma discussão entre um casal morador.

O desabamento ocorreu enquanto um homem que tentava ajudar outras pessoas era resgatado do 8º andar. Ele caiu em meio às chamas e à fumaça —​e não foi mais localizado.

Moradores suspeitavam do desaparecimento de uma mulher com crianças gêmeas. As equipes continuavam com as buscas por eventuais sobreviventes ou por vítimas. "Existem pessoas que estão desaparecidas, mas não temos como dizer se elas estão ali dentro", afirmou Marcos Palumbo, capitão dos bombeiros.

 

Segundo o Corpo de Bombeiros, 75 agentes trabalham nos escombros do prédio na madrugada desta quarta (2), em três frentes: busca e salvamento, continuidade do rescaldo e liberação de vias no entorno, para que a Eletropaulo possa desligar a rede elétrica do edifício.

Os Bombeiros trabalham com uma estimativa de 29 pessoas ainda não localizadas pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Representantes da secretaria que estão no local, no entanto, não confirmam esse número e aguardam cruzamento de informações com a Secretaria da Habitação para obter dados mais concretos.

No começo da noite, 44 das pessoas que haviam sido cadastradas entre os frequentadores do prédio em março ainda não tinham sido localizadas. Mas, como a rotatividade no local é alta, é possível que elas nem estivessem mais dormindo lá --assim como outras podem ter entrado desde então.

Parte de prédio desaba durante incêndio no largo do Paissandu
Parte de prédio desaba durante incêndio no largo do Paissandu - João Wainer/Folhapress

O incêndio também atingiu outros prédios do entorno —​cinco foram interditados. Entre eles a Igreja Martin Luther, que teve 80% da estrutura destruída. O templo é a primeira paróquia evangélica luterana da capital, inaugurada em 1908 e tombada pelo patrimônio histórico. "Só ficaram de pé o altar e a torre", disse Frederico Carlos Ludwig, 61.


O prédio que desabou pertence à União, já foi sede da Polícia Federal, estava cedido à Prefeitura de São Paulo e se tornou alvo de seguidas invasões desde os anos 2000.
 

Ocupado atualmente pelo movimento LMD (Luta por Moradia Digna), abrigava 146 famílias, com 372 pessoas, segundo Palumbo —​10% dos ocupantes eram estrangeiros.

Família evacuada durante incêndio em prédio ocupado
Família evacuada durante incêndio em prédio ocupado - Júlia Zaremba/Folhapress

A segurança do edifício já havia sido colocada em xeque em 2015, após a denúncia do vizinho Rogério Bileki, 56. "Presenciei moradores quebrando as paredes para tirar ferro. Isso que aconteceu aqui foi um crime. Não foi acidente", disse à Folha.

Na ocasião, a Promotoria instaurou inquérito. Bombeiros fizeram vistoria e disseram ter visto corredores e rotas de fuga obstruídos por lixo e andares repletos de materiais inflamáveis, como madeiras para dividir ambientes.

Apesar disso, relatórios técnicos da Defesa Civil e da Secretaria de Licenciamento, ligadas ao município, avaliaram não haver risco para a interdição. Com base nisso, a Promotoria arquivou a investigação em março deste ano —ela será reaberta agora.

O pastor Ludwig afirmou que há duas décadas alerta autoridades sobre a situação do edifício que desabou. "Ninguém fez nada", afirmou.

Moradores do prédio pagavam uma taxa ao movimento sem-teto para morar no local. Ela costumava variar de R$ 200 a R$ 400. A cobrança é frequente em movimentos de moradia —que dizem cobrir gastos com manutenção.

Coordenador do LMD, Ricardo Luciano Lima afirma que há uma tentativa de responsabilização do movimento sem levar em conta a falta de habitação em São Paulo.

Em meio ao incêndio, moradores deixaram para trás documentos, eletrodomésticos e animais de estimação.

"Ouvi um 'bum' seguido de outro 'bum'. Catei minha neta, gritei para meu marido e minha filha e saímos sem nada, mas com nossa vida", afirmou a dona de casa Fabiana Ribeiro, 38, que morava havia dois anos com a família no primeiro andar. Sem elevador, ninguém se arriscava a morar além do décimo andar.
 

"Escutei gritos, achei que tinha gente brigando", diz a dona de casa Deise Silva, 31, mãe de sete filhos e moradora havia um mês. "Quando falaram que tinha fogo, acordei as crianças e saí correndo."
 

"O prédio desceu, parecia um tsunami", lembra a dona de casa Maria Aparecida de Souza, 58, que morava no 4º andar havia quatro anos. "Não deu para tirar nada."

O prefeito Bruno Covas (PSDB), o governador Márcio França (PSB) e o presidente Michel Temer (MDB) visitaram a área do desabamento.

"Não tem a menor condição de morar lá dentro. Volto a repetir que essa era uma tragédia anunciada", disse França, que questionou liminares pedidas pelo Ministério Público e dadas pela Justiça para manter moradias de sem-teto.

Covas disse que "a prefeitura não pode ser acusada de se furtar à responsabilidade" porque, só neste ano, houve seis reuniões com os moradores para negociar a saída.

Mais tarde, ele anunciou que haverá mapeamento do risco em 70 prédios invadidos na cidade, no prazo de 45 dias.

Temer foi hostilizado no local. O carro em que estava foi chutado e atingido por objetos arremessados por moradores. Ele acabou saindo às pressas. "Não poderia deixar de vir, sem embargo dessas manifestações", disse, prometendo assistência às vítimas.

O ex-prefeito João Doria (PSDB), que vai se candidatar ao governo paulista, chegou a dizer que parte da invasão foi "financiada e ocupada por uma facção criminosa" e que há no prédio "um centro de distribuição de drogas".

O secretário da Habitação da gestão Covas, Fernando Chucre, porém, negou ter esse tipo de informação.

Homem desaparecido

O homem que desapareceu em meio às chamas enquanto tentava ajudar outros moradores se chamava Ricardo, aparentava ter 30 anos e era apelidado de Tatuagem (tinha algumas pelo corpo). Uns dizem que ele amava andar de patins. Outros já disseram tê-lo visto com skate. Ganhava a vida como carregador.

Considerado gentil, ele subiu ao 8º andar para ajudar no resgate das vítimas, mas acabou engolido pelo prédio.

Segundo moradores, ele orientou idosos a descer as escadas. Jéssica Matos, 20, lembra que cruzou com ele na escada do 2º andar. "Já tinha dado a primeira explosão e ele gritava: vou subir para mandar o povo descer."

No 8º andar, encurralado pelo fogo e pela fumaça, usou a luz do celular para avisar os bombeiros, já pendurados no terraço do prédio ao lado.

O tenente Guilherme Derrite disse que seus colegas jogaram uma corda para Tatuagem. "Ele deveria amarrá-la junto ao corpo e se jogar."

Faltaram entre 30 a 40 segundos para conseguir terminar esse processo de resgate, segundo os bombeiros.

Júlia Zaremba, Rodrigo Borges Delfim , Artur Rodrigues , Dhiego Maia , Everton Lopes e Fabrício Lobel
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