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Jovem tenta suicídio, sobrevive e reaprende a lidar com corpo e sonhos

Sete anos depois e agora tetraplégica, ela ajuda pessoas em situações limite

Yohanna tinha 15 quando tentou o suicídio, após reação explosiva ao ver o pai lendo uma troca de mensagens íntimas com o namorado 
Yohanna tinha 15 quando tentou o suicídio, após reação explosiva ao ver o pai lendo uma troca de mensagens íntimas com o namorado  - Marlene Bergamo - 26.abr.18/ Folhapress
Jairo Marques
São Paulo

​O zunido do corpo da então adolescente Yohanna Gerotti rompendo o ar a partir da queda da janela do 15º andar jamais deixou a cabeça de seu pai, o bancário José Reinaldo Gerotti, 51. Para ela, por sua vez, a passagem inesquecível da fatalidade é a de quando, ao sentir a força do vento batendo no rosto, durante a queda, começou a pensar: “Meu Deus, o que eu fiz?”.

Hoje com 22 anos, Yohanna tinha 15 quando tentou o suicídio, após reação explosiva, impensada e de pânico quando viu o pai lendo uma troca de mensagens íntimas suas com um namorado virtual. Veja como detectar e prevenir o suicídio. 

Ela se jogou em queda livre de uma altura de cerca de 60 metros. A velocidade e o peso foram parcialmente diminuídos pelos galhos de uma árvore, já próxima ao chão.

A freada brusca foi suficiente para manter a vida da garota, mas o impacto ainda causou lesões em sua medula que a deixaram tetraplégica, com movimentos muito restritos do pescoço para baixo.

“Meu pai é meu ídolo, meu herói e a sensação de ter decepcionado a ele foi forte demais para mim naquele momento. Entrei em desespero, fiquei com vergonha, senti uma dor aguda no peito. Agi por impulso”, diz a jovem.

Yohanna passou por cinco cirurgias reparatórias, por um ano de internação enfrentando dores de toda ordem. Teve de reaprender a lidar com corpo, rotina, sonhos e vida.

Há sete meses, resolveu abrir uma página em uma rede social para exaltar o valor de estar viva e para tentar auxiliar pessoas que estejam passando por situações limite, que considera que possa ajudar com palavras.

A “Minha Segunda Vida” (www.facebook.com/MinhasegundavidaYG) já tem 4.000 seguidores e conta com relatos diários da garota, que tem como prática orientar as pessoas que relatam a ela situações emocionais graves a procurarem auxílio médio.

“Tento ajudar outras pessoas expondo os meus erros, discutindo situações que podem ser resolvidas com um diálogo, ouvindo. Demoro até duas horas para conseguir digitar a postagem do dia, mas faço com muito carinho, dou o melhor de mim.”

A jovem, que quase não parava em casa e era extremamente vaidosa, hoje quase não sai e depende do apoio familiar para quase todas as atividades do dia a dia.

O pai, o irmão Júnior, 25, e a madrasta Leonice Mainardes, 39, se revezam para dar conta do trato diário da garota, que precisa de apoio para se limpar, comer, tomar banho e se deitar na cama.

Quando questionada se a realidade atual não é mais desafiadora e conflituosa que a anterior, Yohanna, que ostenta um sorriso largo durante toda a entrevista, pensa por uns instantes, seca com dificuldade o suor que a molha constante e responde firme:

“A minha primeira vida também teve momentos muito difíceis [uma relação conturbada com a avó materna] e de sofrimento. Hoje, procuro sempre rever as lições que aprendi. Ainda sou impulsiva, mas agora, em momentos tensos, paro, analiso, escuto, debato.”

A mãe biológica não tem uma relação próxima com a garota. Já na perspectiva paterna, o trabalho de apoio realizado por Yohanna na internet é bem visto e recebe apoio, mas há um pacto de jamais esconder dele casos em que veja maior preocupação ou risco.

“Faz bem para ela contar sua história e ouvir histórias. Os adolescentes e jovens precisam de mais espaços de diálogo, e os pais precisam estar muito mais atentos aos filhos. Essa geração parece não ter medo de nada, não sentir dor, nem culpa. A educação precisa estar mais voltada para a compreensão da realidade desses meninos”, diz o pai.

Sobre a atual condição da filha, José Reinaldo afirma que embora seja extremamente difícil lidar com uma situação de tetraplegia, ele comemora todos os dias o fato de ter podido voltar a conviver com a filha e a entendê-la.

“Quando perguntei de quem eram as mensagens no celular, não iria repreendê-la, nem estava com raiva. Apenas precisava saber de quem se tratava. Eu nem sabia que ela já tinha vida sexual. Ela não me deu tempo para nada e se jogou. Quando a vi, viva, no chão, quase desmaiei. Eu tive uma segunda chance com minha filha.”

O flerte com a morte não custou a Yohanna e à família apenas uma deficiência física severa. Eles contraíram dívidas, mudaram rotinas e ficaram mais reclusos. Raramente viajam e estudam uma forma para que Yohanna consiga se manter, no futuro.

A madrasta da garota, Leonice, conta que quando a família chegou na emergência de um grande hospital de São Paulo para os primeiros socorros a Yohanna, já sentiram o peso do estigma de quem toma uma atitude suicida.

“Tinha acontecido um acidente com um ônibus, com vários feridos. Então, eles iam atendendo as outras pessoas e deixando a Yohanna de lado. Quando questionamos, nos disseram: ‘Primeiro vamos atender quem quer viver.’”

Até o final deste ano, a garota pretende concluir um livro em que vai relatar detalhes de suas “duas vidas”.

“Dou muito valor às coisas que tenho e que consigo fazer sozinha hoje. Quando criei um jeito de mudar o canal da TV sem depender de ninguém, foi muita realização para mim. E são as pequenas coisas que fazem o sentido da vida. É essa experiência que quero compartilhar com os outros.”


Sinais de alerta gerais

  • Falar sobre querer morrer, não ter propósito, ser um peso para os outros ou estar se sentindo preso ou sob dor insuportável
  • Procurar formas de se matar
  • Usar mais álcool ou drogas
  • Agir de modo ansioso, agitado ou irresponsável
  • Dormir muito ou pouco
  • Se sentir isolado
  • Demonstrar raiva ou falar sobre vingança
  • Ter alterações de humor extremas

Para depressão em adolescentes

  • Mudanças marcantes na personalidade ou nos hábitos
  • Piora do desempenho na escola ou em outras atividades
  • Afastamento da família e de amigos
  • Perda de interesse em atividades de que gostava
  • Descuido com a aparência
  • Perda ou ganho inusitado de peso
  • Comentários autodepreciativos persistentes
  • Pessimismo em relação ao futuro, desesperança
  • Comentários sobre morte, sobre pessoas falecidas e interesse por essa temática
  • Doação de pertences que valorizava

Alguns mitos sobre o suicídio

“Se eu perguntar sobre suicídio, poderei induzir uma pessoa a isso”
Questionar de modo sensato e franco fortalece o vínculo com a pessoa, que se sente acolhida e respeitada

"Ele está ameaçando o suicídio apenas para manipular os outros"
Muitas pessoas que se matam dão sinais verbais ou não verbais de sua intenção para amigos, familiares ou médicos. Não se pode deixar de considerar a existência desse risco

"Quem quer se matar se mata mesmo"
Essa ideia pode conduzir ao imobilismo. As pessoas que pensam em suicídio frequentemente estão ambivalentes entre viver ou morrer. Prevenção é impedir os casos que são evitáveis

"Uma vez suicida, sempre suicida"
A elevação do risco de suicídio costuma ser passageira e relacionada a algumas condições de vida. A ideação suicida não é permanente. Pessoas que já tentaram suicídio podem viver, e bem, uma longa vida

O que fazer

  • Não deixe a pessoa sozinha
  • Tire de perto armas de fogo, álcool, drogas ou objetos cortantes
  • Leve a pessoa para uma assistência especializada
  • Ligue para canais de ajuda

188 ou 141
são os telefones do Centro de Valorização da Vida (CVV). Também é possível receber apoio emocional via internet (www.cvv.org.br), email, chat e Skype 24 horas por dia

90%
das pessoas que se suicidam possuíam transtornos mentais; elas poderiam ter sido tratadas

Fontes: American Foundation for Suicide Prevention; Centro de Valorização da Vida; "Comportamento Suicida: Vamos Conversar sobre Isso?", de Neury José Botega; e "Preventing Suicide: A Global Imperative", da Organização Mundial da Saúde

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