Descrição de chapéu massacre carandiru

TJ mantém anulação de júri do Carandiru, mas agora pode absolver PMs

Análise do massacre tem reviravolta e retoma estágio de um ano e meio atrás

Rogério Pagnan
São Paulo

​Em nova decisão polêmica, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve nesta terça-feira (22) a decisão de anular os julgamentos do caso conhecido como Massacre do Carandiru e ainda criou uma nova etapa do processo. Essa nova fase abre a possibilidade de absolvição dos policiais militares acusados.

Agora, não é mais certo se haverá um novo julgamento do caso ou se os PMs não precisarão mais responder pelas mortes ocorridas no complexo do Carandiru, em 2 de outubro de 1992, quando formam mortos 111 presidiários após uma rebelião.

Ao todo, 74 policiais militares haviam sido condenados em cinco diferentes júris, em 2013 e 2014, a penas que variavam entre 48 e 624 anos de prisão. Esses júris foram anulados em setembro de 2016 pelo TJ.

Esse novo imbróglio sobre o massacre ocorre porque os desembargadores, obrigados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) a analisar questionamentos do Ministério Público, decidiram anular não só a etapa atual (de embargos de declaração), como determinava o tribunal superior, mas também uma fase anterior do processo (de embargos infringentes). Na prática, a análise do caso voltou à mesma etapa de um ano e seis meses atrás no tribunal.

A decisão desta terça-feira desagradou a Promotoria paulista porque, além de atrasar a análise pelo STJ, que ainda pode reverter a anulação dos júris determinada pelo TJ, abre brecha para nova discussão da tese do relator Ivan Sartori, que queria absolver os PMs sem necessidade de novo julgamento mas foi derrotado por 2 a 1.

Naquela ocasião, em abril do ano passado, prevaleceu a tese de anular os julgamentos, mas remarcar um novo júri. Agora, com a nova decisão do TJ, a defesa pode apresentar novo recurso (embargos infringentes) e, assim, serão convocados dois desembargadores para analisar a novamente a questão, o que, na prática, abre brecha para a absolvição dos policiais militares.

"Isso nos deixou perplexos", diz a procuradora Sandra Jardim. Segundo ela, a decisão do STJ só obrigava o TJ paulista a responder questionamentos feitos e ignorados nos embargos de declaração, mas nada falava de embargos infringentes. "Agora, vão decidir de novo se absolvem todos os réus ou se mandam para novo julgamento. Isso não é uma decisão satisfatória, porque ampliou aquilo que estava sendo discutido. Nós nunca pedimos isso", afirmou. 

"Isso vai além do caráter dos embargos declaratórios e vem em benefício só dos réus, que enquanto isso ficam vendo correr a favor deles o prazo prescricional", disse ela.

A nova decisão dos desembargadores da 4ª Câmara Criminal aumenta a lista de polêmicas envolvendo o caso do Carandiru. Além de anular os julgamentos, os desembargadores fizeram manifestações sobre o caso que suscitaram críticas de organismos de defesa dos direitos humanos. A principal delas foi em relação ao relator do processo, o desembargador Ivan Sartori, que afirmou considerar nem ter havido massacre, mas sim uma ação em legítima defesa.

De acordo com o voto de Sartori, em 2016, "ao atingirem o piso dos pavimentos, as tropas foram recebidas a tiros pelos detentos, razão pela qual atiraram em revide às agressões que recebiam".

À época, os desembargadores Camilo Léllis e Edison Brandão concordaram com a tese de Sartori, afirmando que a ação foi necessária e que os policiais "agiram no estrito cumprimento do dever na tentativa de controlar uma rebelião". No entanto, Léllis e Brandão votaram para que houvesse novo júri, mas não para absolver os PMs.

O Ministério Público então entrou com recurso no STJ contestando a decisão de levar o caso a novo júri. O órgão reclamava de o TJ paulista não ter respondido a questionamentos sobre omissões e contradições naquela sentença que anulou cinco julgamentos realizados em São Paulo entre 2013 e 2014.

Um dos pontos questionados foi a falta da individualização da conduta (não saber quem atirou em quem). O TJ usou este como um dos argumentos para anular os júris, mas o Ministério Público questionou este ponto por considerar que isso foi debatido no julgamento.

Em abril deste ano, o ministro do STJ Joel Ilan Paciornik atendeu pedido do Ministério Público e obrigou os desembargadores do TJ a explicarem esses pontos considerados omissos e contraditórios, o que ocorreu nesta terça.


CRONOLOGIA

2.out.1992 111 presos são mortos na Casa de Detenção em São Paulo após invasão da PM

2001 Coronel Ubiratan, apontado como responsável pela ordem para invadir o Carandiru, é condenado a 632 anos de prisão, por 105 das 111 mortes

Fev.2006 Tribunal de Justiça de SP absolve o coronel, ao entender que a sentença do júri havia sido contraditória

10.set.2006 Ubiratan é encontrado morto; única acusada do crime, sua ex-namorada foi absolvida em 2012

21.abr.2013 Conclusão do julgamento do 1º andar

3.ago.2013 Conclusão do julgamento do 2º andar

19.mar.2014 Conclusão do julgamento do 4º andar

31.mar.2014 Conclusão do julgamento do 3º andar

10.dez.2014 Ex-PM da Rota que foi julgado separadamente é condenado a 624 anos de prisão; ele já estava preso pela morte de travestis. Seu caso foi separado porque, na época, a defesa pediu que ele fosse submetido a laudo de insanidade mental

27.set.2016 Após recurso da defesa, Tribunal de Justiça de SP anula todos os julgamentos

5.abr.2018 STJ manda Tribunal de Justiça de SP refazer julgamento que anulou pena de 74 PMs acusados

22.mai.2018 TJ mantém anulação de júri do Carandiru, mas abre brecha para absolver PMs


OS JULGAMENTOS

Ação foi desmembrada de acordo com os andares do pavilhão 9

1º andar
Mortos: 15
Condenados: 23 policiais
Absolvidos: 3, a pedido da promotoria
Pena: 156 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias

2º andar
Mortos: 73
Condenados: 25 PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar)
Pena: 624 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias

3º andar
Mortos: 8
Condenados: 15 PMs do COE (Comando de Operações Especiais)
Pena: 48 anos de reclusão cada um

4º andar
Mortos: 15
Condenados: 10 PMs do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais)
Pena: 9 com pena de 96 anos cada um, e um com pena de 104 anos
Julgamento: 3 dias

*Parte das mortes não resultou em condenações porque não havia provas de que haviam sido causadas por policiais
Fontes: Ministério Público e Fundação Getúlio Vargas

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