Descrição de chapéu maternidade

Mãe adotiva espera há 6 anos para registrar filho e apagar olhar desconfiado

Caso se arrasta na Justiça em meio a recursos da família biológica do garoto

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A comissária de bordo Adriana Mariani, 47, que recebeu guarda provisória de menino há seis anos, mas ainda não conseguiu documentos da Justiça para registrá-lo
A comissária de bordo Adriana Mariani, 47, que recebeu guarda provisória de menino há seis anos, mas ainda não conseguiu documentos da Justiça para registrá-lo - Jorge Araujo - 21.mai.18/ Folhapress
São Paulo

“Ele é meu filho, mas não é”, diz a mãe adotiva de F., a comissária de bordo Adriana Mariani, 47, que há seis anos recebeu a guarda provisória do menino e até hoje não conseguiu os documentos da Justiça para poder registrá-lo em seu nome.

Ao longo do doloroso processo, Adriana criou e lidera um grupo de cerca de outras 40 mães adotivas que vivem o mesmo drama para o cumprimento de lei de outubro do ano passado que estabelece em 120 dias o prazo máximo para a ação de adoção, “prorrogada uma única vez por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária”.

Por enquanto, essa lei é válida só no Rio de Janeiro, onde corre o processo de F. —ainda não cumprida. No restante do país, onde milhares de famílias enfrentam a mesma demora, não há nem prazo.

“Eu não sou o C., eu sou o F.”, tem que repetir o menino que completará sete anos em julho e até hoje tem dois nomes nos documentos, o que provoca uma série de constrangimentos em escolas, consultórios médicos e hospitais, enquanto não é fornecida a nova certidão de nascimento.

Nestas situações em que F. é obrigado a corrigir seu próprio nome, a mãe adotiva tem que enfrentar a burocracia e olhares desconfiados. 

“Todo mundo ao redor me olha como se eu estivesse fazendo coisa errada, sequestrando meu próprio filho.”

Em meio a esse imbróglio, embora trabalhe numa companhia aérea, ela não pode viajar com o filho para o exterior nem mesmo batizá-lo na Igreja Católica. 

“Meu filho, legalmente, não existe. Esta é uma mágoa grande que eu tenho, mas o amor que eu sinto supera tudo. Nossas famílias precisam ser reconhecidas, nossos filhos respeitados. A tortura psicológica que nossos filhos suportam durante essa espera pela mudança do nome é desumana, sofrida e totalmente desnecessária”, diz.

A luta de Adriana para adotar um filho começou em 2010 quando foi habilitada para entrar na fila do Cadastro Nacional de Adoção. Depois de uma espera de três anos, cinco meses e 12 dias, que ela chama de “gestação do coração”, a tão esperada notícia chegou: havia um bebê disponibilizado para adoção numa creche no interior do Rio de Janeiro.

Mesmo morando ao lado do aeroporto de Congonhas, numa boa casa de classe média do Planalto Paulista junto com a mãe e uma irmã, ela resolveu ir de carro, onde já tinha colocado uma cadeirinha de bebê. “Meu filho é tão especial que nasceu por email”, lembra Adriana, após sete tentativas de inseminação in vitro. “Senti muita emoção, como se estivesse em trabalho de parto. Eu sempre quis ser mãe desde criança.”

Na creche havia 16 crianças e um único bebê, como ela queria: um menino de nove meses, levado para lá quando tinha apenas quatro dias porque a mãe era soropositiva. Estava deitado de bruços, só com os pezinhos para fora do cobertor. Adriana começou a chorar, a garganta fechou e logo que o pegou no colo sentiu que tinha encontrado, finalmente, o filho tão desejado.

Ansiosa para levá-lo para casa, antes teve que passar por uma audiência com a juíza para formalizar a guarda provisória, que, na prática, se tornou permanente até agora.

Parecia que seria fácil, mas era só o início do interminável processo na Justiça para lhe dar o direito de registrar o filho. “Ele conquistou todo mundo na hora que chegou aqui em casa”, conta dona Elisabeth, a feliz vovó Bete de F., seu terceiro neto. Falante e alegre, o menino se diverte com o fotógrafo e faz pose de artista. Quando lhe perguntam o que quer ser quando crescer, responde: “Youtuber e designer de games”.

Na sexta-feira (25), quando é celebrado o Dia Nacional da Adoção, Adriana ainda não terá todos os motivos para comemorar. Eles querem mesmo a certidão de F. com o sobrenome Mariani, quando esses descendentes de italianos pretendem fazer uma grande festa, com muita massa, bolo de chocolate e brigadeiros, todas as comidas que ele adora.

Nesse dia, Adriana pretende criar uma fundação com o nome do menino “para ajudar outras famílias a concluírem seus processos definitivamente, sem tanto sofrimento e desespero”.

São casos como os de Renata Rose, mãe de três filhos adotivos que aguarda há oito anos o final do processo de adoção, e de Ângela Patrícia, mãe de uma menina com a idade de F., que aguarda 
também desde 2012.

Adriana lembra o caso de uma família que só conseguiu a tão sonhada certidão depois de esperar por dez anos. Guarda numa pasta a resposta que recebeu do Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro a um apelo dramático enviado em nome das mães adotivas.

“Infelizmente, a demora do andamento processual é algo recorrente nas Varas da Infância e Juventude, que desconsideram a prioridade absoluta na tramitação desses processos, inexistindo órgão especializado em infância tanto nos tribunais de Justiça como nos tribunais superiores.”

Segundo o Tribunal de Justiça do Rio, o processo corre em segredo de justiça, razão pela qual não pode dar mais informações sobre o caso de Adriana. Contudo o TJ afirma que a sentença, proferida em 2014, ainda não transitou em julgado porque os pais biológicos de C. apresentaram um recurso, ainda sob análise.

Mãe de fato, mas ainda não de direito, como ela diz, Adriana compensa com afeto a falta de documentos: “Falo pra ele ‘te amo’ mil vezes por dia. Mas e se eu morrer? O que vai ser desse menino, se nem com a avó ele poderia ficar?”


A adoção em 9 passos

Pré-requisitos
> Ter no mínimo 18 anos
> Ser 16 anos mais velho do que a criança
> Apresentar os documentos necessários
> A adoção por casais homoafetivos ainda não está prevista em lei, mas alguns juízes já deram decisões favoráveis

1. Pretendente se inscreve na Vara de Infância e Juventude de sua cidade, levando documentos obrigatórios (como comprovante de residência e atestado de sanidade) e uma petição feita por um defensor público ou advogado

2. Faz um curso de preparação psicossocial e jurídica, com duração de cerca de 2 meses e aulas semanais

3. Equipe técnica faz avaliação, com entrevistas e visita domiciliar; neste momento, o pretendente descreve o perfil desejado

4. Relatório é enviado ao Ministério Público e ao juiz da Vara de Infância, que decide se a pessoa está apta a adotar

5. Se aceito, pretendente é inserido nos cadastros (válidos por dois anos) e entra na fila de adoção de seu estado

6. Quando aparecer uma criança compatível com o perfil desejado, a Vara de Infância avisa o pretendente; se ele tiver interesse, ambos são apresentados

7. Criança é entrevistada e diz se quer ou não continuar o processo; se quiser, são permitidas visitas ao abrigo e pequenos passeios (estágio de convivência)

8. Pretendente entra com ação de adoção e, durante o processo, recebe a guarda provisória; criança passa a morar com a família, e equipe técnica continua fazendo visitas periódicas e avaliações

9. Juiz decide pela adoção e determina que se faça um novo registro de nascimento, com possibilidade de trocar nome e sobrenome da criança; ela passa a ter os mesmos direitos de um filho biológico

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