'Não pensei em mim', diz professora que serviu de escudo para crianças

Berçarista se atirou para protegê-las em desabamento de escola no interior de SP

A professora Raquel Dalbeto, que salvou crianças em desabamento de Agudos, se recupera em casa
A professora Raquel Dalbeto, que salvou crianças em desabamento de Agudos, se recupera em casa - Denise Guimarães/Folhapress
 
Bruno Mestrinelli
Agudos (SP)

Duas vértebras fraturadas, uma luxação na costela, um corte profundo na cabeça e danos psicológicos. Assim está a berçarista Raquel Dalbeto Cardoso, 32, uma das vítimas, um mês atrás, do desabamento do teto da escola municipal infantil Diomira Napoleone Paschoal, de Agudos (a 325 km de São Paulo).

No acidente, 19 pessoas ficaram feridas, sendo 15 crianças. Raquel e uma outra funcionária tiveram ferimentos mais graves. O prédio, construído em 1947, está interditado, e as crianças hoje têm aula em outras unidades da Prefeitura de Agudos. 

Na hora do acidente, ela correu em direção às crianças para tentar servir de escudo. Ficou presa sob os escombros.

“A minha saída para o lado que não desabou era mais rápida do que tentar ir até as crianças. Foi um ato de amor tentar tirá-las de lá. Eu não sou mãe, ainda, mas a gente tem um amor por todos como se fossem nossos filhos. Eu não pensei em mim.”

A berçarista se recupera em casa e está usando um colete para manter a estabilidade da coluna. Ela diz não se arrepender do gesto. “A gente convive com os pequenos o dia todo, a gente ensina a dar os primeiros passos, as primeiras falas, temos muito amor por eles.” 

No momento do acidente, a berçarista chegou perto dos alunos para tentar protegê-los, mas o teto desabou completamente, e Raquel ficou soterrada debaixo de telhas e madeiras do telhado. 

“Em seguida, foi um silêncio total. Perdi a consciência. Quando voltei, eu estava presa, imóvel. Mas vi que estava viva. Aí escutei barulho de choro e me acalmou um pouco porque vi que tinha gente viva”, diz Raquel. A funcionária diz que viveu momentos de desespero quando percebeu que estava sob os escombros. 

O socorro priorizou as crianças e outras vítimas que estavam por cima. “Eu sentia as pessoas andando sobre mim e isso me dava um desespero muito grande. Achei que ia morrer esmagada ali”, afirma. Raquel foi levada a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) em Agudos.

A suspeita era de traumatismo craniano com perda de massa encefálica por causa do corte na cabeça. Ela foi transferida para um hospital particular de Bauru, cidade vizinha, onde permaneceu internada durante quatro dias.

Raquel sorri e se emociona quando fala dos “pequenos”, como gosta de chamar os alunos. “Recebi muitas visitas e mensagens deles e dos pais.”

Segundo a berçarista, o prédio da escola apresentava problemas estruturais havia anos. Em 2017, a construção foi interditada para reforma. O telhado que desabou teve telhas trocadas, mas não o madeiramento. Segundo ela, quando chovia, havia infiltrações no local mesmo após as obras. 

“Toda vez que chovia tinha goteiras em vários pontos da escola”, diz. O parquinho onde as crianças brincavam havia sido interditado na semana anterior ao desabamento. 

Raquel agora está afastada por pelo menos três meses de suas funções na educação de crianças e se recupera com a ajuda da mãe e do marido. Ela ainda não teve coragem de voltar ao local do desabamento. 

“Se tivessem tido um olhar mais amoroso para a escola de tentar verificar o que estava acontecendo, poderiam ter evitado [o acidente]”, diz.

Um inquérito está em andamento na Polícia Civil para apurar os motivos e as responsabilidades da queda do telhado. Peritos do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) foram a Agudos e vistoriaram o prédio. 
A Prefeitura de Agudos decidiu demolir a construção e quer construir uma nova escola no local, com verba do governo do estado, mas ainda não há prazo para isso. 

A Secretaria de Educação de Agudos informou à reportagem que está prestando auxílio psicológico para professores, pais e alunos, mas não respondeu sobre as críticas à estrutura da escola.


Raio-x

A escola que desabou em Agudos (SP)

Nome Escola municipal infantil Diomira Napoleone Paschoal

Número de alunos 130, de seis meses a três anos de idade

Construção 1947

Histórico Foi reformada após apresentar problemas e reaberta em julho de 2017

Problemas Testemunhas dizem que, mesmo após a reforma, a escola tinha infiltrações constantes

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