Paes é alvo de ação por cancelamento de gastos com registro falso no Rio

Dívida gerada teria provocado prejuízo de R$ 144,8 milhões à cidade do Rio

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Ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, alvo de ação civil pública por usar registro fictício para anular gastos em final de gestão
Ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, alvo de ação civil pública por usar registro fictício para anular gastos em final de gestão - Ricardo Borges - 19.ago.16/ Folhapress
Rio de Janeiro

O ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (DEM) foi alvo de uma ação civil pública por ter anulado irregularmente gastos no fim de sua gestão à frente do município.

De acordo com a ação, foram cancelados R$ 568 milhões em empenhos (reserva no orçamento) de serviços já prestados e que a prefeitura devia pagar a fornecedores. Segundo o Ministério Público do Rio, essa dívida gerou um prejuízo para o município de R$ 144,8 milhões em multas contratuais, juros e correção monetária. O órgão pede o ressarcimento dos danos causados.

A investigação teve origem numa auditoria feita pela gestão Marcelo Crivella (PRB) que analisou os atos praticados pelo ex-prefeito e seus secretários no último mês do governo. 

Como a Folha revelou em julho, a auditoria aponta que Paes determinou a criação de uma matrícula fictícia —de servidor inexistente— no sistema financeiro do município para cancelar R$ 497 milhões em empenhos. Destes, R$ 350 milhões eram de fato devidos a fornecedores, segundos as investigações.

O Ministério Público tem ainda um inquérito criminal em curso para avaliar os atos de Paes ao criar a matrícula fictícia para cancelamento de empenhos.

A contabilidade pública tem três fases: empenho, liquidação e pagamento. Na primeira, o gestor reserva o dinheiro no orçamento para um serviço e autoriza o início do trabalho do fornecedor. A segunda ocorre após o ordenador da despesa verificar a entrega do produto ou serviço, momento em que reconhece a dívida para pagamento —terceira e última fase.


O QUE ACONTECEU

Ordem
O Tribunal de Contas do Município determinou que a Prefeitura do Rio evitasse que o ano fosse encerrado com empenhos não liquidados

Manobra de Paes
Empenhos (inclusive com serviços entregues) foram cancelados por um perfil fictício, criado sem vinculação com qualquer gestor, a mando do prefeito

Problemas
Servidores atuais tiveram de fazer extensa auditoria para identificar empenhos cancelados incorretamente, para que fornecedores fossem pagos. Segundo o Ministério Público, essa dívida gerou um prejuízo para o município de R$ 144,8 milhões em multas contratuais, juros e correção monetária. 


 
No dia 23 de dezembro, Paes determinou que fossem cancelados todos os empenhos não liquidados do município “diretamente no sistema”. A ordem tinha como objetivo não deixar serviços não concluídos como “restos a pagar” para o próximo ano.

O secretário municipal de Fazenda à época, Carlos Viegas, alertou ao prefeito que tal medida poderia afetar casos em que os serviços foram efetivamente prestados. Isso porque há um intervalo natural entre a conclusão do trabalho, a verificação do gestor e a liquidação no sistema.

Em seu despacho, Viegas diz que não seria possível analisar cada nota de empenho para verificar a entrega do serviço ou não. Assim, pede apenas a preservação de alguns itens, como ações essenciais de saúde e educação.

Depois de algumas alterações no programa do Fincon (sistema financeiro do município), o cancelamento em bloco dos empenhos foi efetuado. Um quarto do total cancelado por Paes atingiu a Secretaria de Saúde do Rio.

Inicialmente, ficou registrado no sistema que a ordem havia partido dos gestores de cada área, tais como secretários e presidentes de empresas públicas. A Folha apurou que, surpreendidos e preocupados com a regularidade, muitos pediram a troca da “autoria” dos cancelamentos.

O então controlador-geral do município, Antônio César Cavalcanti, determinou ao presidente do Iplan-Rio (empresa municipal de tecnologia da informação), Fábio Pimentel, a criação de uma “matrícula genérica”.

A Tabela Cidadão, documento em que todos os funcionários da prefeitura são registrados, ganhou então um novo integrante: Operação Automática Cancelamento Empenho, matrícula número 9000201-6. No dia 29 de dezembro, foi atribuído a ele o cancelamento de gastos, sem vincular a nenhum servidor.

A reportagem apurou que o Iplan até já criou outras matrículas falsas no sistema, mas só para realização de testes, sem função prática. Pela primeira vez, portanto, um “avatar” foi o responsável por atos financeiros da prefeitura.

Também são alvo da ação Viegas, Cavalcanti e Pimentel.

OUTRO LADO

Os alvos da ação não foram localizados para comentar o caso. 

Em julho, a assessoria de imprensa de Paes afirmou, em nota, que não foi criado novo protocolo para cancelar os gastos empenhados.

De acordo com a nota, a medida foi tomada porque “praticamente nenhum” órgão municipal respeitou a orientação de cancelar os empenhos não liquidados. A equipe cita decreto de outubro do ano passado que estabeleceu datas limites para fechamento das contas da gestão.

“Na última quinzena de dezembro, ao verificar os dados no sistema Fincon, observou-se que os órgãos não haviam seguido a orientação determinada e que, portanto, várias despesas indevidas seriam inscritas em restos a pagar não-processados [sem prestação de serviço], contrariando inclusive alertas e recomendações do Tribunal de Contas do Município”, diz.

“A solução encontrada foi analisar as despesas por grupos e cancelar as demais usando uma senha Master do sistema que já existia, não tendo sido criado nenhum protocolo novo no sistema Fincon para isso”, afirma.

No processo administrativo, há referências a mudanças no programa do sistema financeiro da prefeitura para realização do procedimento.

Segundo a nota, “o fato de existir sobra de caixa em dezembro de 2016 para cobrir todas as despesas mesmo na hipótese absurda de serem todas reempenhadas” e “a própria irrelevância do valor de cancelamento de empenhos” frente ao orçamento “comprovam” ter sido “mera regularização orçamentária”.

O ex-controlador-geral do município, Antônio César Cavalcanti, disse, também em julho, que os cancelamentos não foram atribuídos à matrícula de Paes porque a ideia era deixar claro a ordem dada pelo ex-prefeito.

“A gente não tinha certeza se tinha qualquer outro procedimento anterior realizado na matrícula do prefeito. A gente preferiu, por conta da correria de tempo, uma saída que deixasse evidente a operação que estava acontecendo.”

O diretor-presidente do Iplan-Rio, Fábio Pimentel, afirmou à época que havia prestado os esclarecimentos aos órgãos.
 

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