Descrição de chapéu greve dos caminhoneiros

Paulistano desacelera sem gasolina e, a pé, faz turismo no próprio bairro

Com clima de feriado, moradores mudam rotina e caminham pela cidade

Fernanda Mena
São Paulo

Nos últimos dias, o pesado trânsito paulistano deu lugar a ruas vazias, e o frenesi apressado se converteu num vai-e-vem de pouca gente, com cara de passeio.

Seja pelo fim do combustível no tanque seja pela economia do que ali restava para uma eventual emergência, muitos paulistanos deixaram o carro na garagem e se tornaram turistas na própria cidade —a pé, de ônibus ou metrô.

“A cidade está tão tranquila que parece até feriado. E passei a fazer tudo caminhando”, relata a aposentada Elisa de Castro Boechat, 61, moradora do Itaim Bibi, na zona oeste da capital paulista, para quem a paralisação dos caminhoneiros teve “impacto positivo”.

“Eu redescobri o meu bairro: fui a pé até o parque, fiz compras no caminho e cozinhei em casa. Percebi que, sem carro, muita gente está procurando pelos serviços da sua própria região. E isso é muito legal”, conta.

A funcionária pública Luciana Cunha, 37, se viu obrigada a desacelerar. “A gente usa o carro para fazer tudo mais rápido porque tem muito o que fazer. Sem ele, fiz menos coisas, sem correria, curtindo mais”, afirma.

Pega de surpresa, a professora francesa Eve Simonnet, 36, teve que mudar sua rotina. “Sempre deixo para abastecer o carro quando estou quase sem gasolina e, desta vez, quando percebi, era tarde demais”, relata.

Ela não quis encarar as horas de fila nos postos de gasolina. “Decidi experimentar uma nova vida em São Paulo. Repensei minha rotina e reorganizei tudo”, explica.

Eve costumava ir de carro para o trabalho, na mesma escola francesa onde suas duas filhas estudam, na Chácara Klabin (zona sul), e passou a fazer o trajeto de pouco mais de um quilômetro a pé.

“De carro, fico concentrada no trânsito e não interajo com as meninas nem com a rua. Agora, tem sido muito agradável caminhar até a escola. É um tempo a mais com minhas filhas, e juntas nós observamos coisas do bairro que não tínhamos percebido e interagimos com outras pessoas”, afirma.

Para ela, que passou a fazer, a cada dia, compras pequenas que consegue carregar no caminho, a experiência de andar pelo bairro ainda agrega um exercício físico no seu cotidiano. “Eu não fazia nada de esporte porque não tinha tempo.”

Eve diz que as andanças a fizeram encontrar com dois conhecidos, que não via há tempos, na rua. Ambos estavam na mesma situação que ela: sem gasolina. “Está todo mundo no esquema de se virar.”

Acostumado a usar a bicicleta como meio de transporte, o fotógrafo Fabrício Remiggio notou que, além do sumiço da maior parte dos carros das ruas, os que circularam parecem ter reduzido a velocidade. “A cidade está maravilhosamente segura para quem anda de bicicleta”, comemora. “Espero que as pessoas continuem assim, mais tranquilas, depois da greve.”

O empresário Eduardo Lourenço, 46, fez novo uso da sua bicicleta: cabide de mochilas. Ele a usou para buscar os filhos na escola, no bairro do Paraíso (zona sul), e voltou caminhando com Lorena, 7, e Joaquim, 9, por dois quilômetros.

O que mais incomoda o empresário, no entanto, é a incerteza sobre a viagem programada para o feriado de Corpus Christi. “O plano era irmos num grupo grande para Inhotim (MG). Alugamos carro, e não sei como vai estar a oferta de combustível por lá. As crianças estavam na maior expectativa. Vai ser bem chato se tivermos de cancelar a viagem”, diz, antes de para em frente ao posto de gasolina do qual é freguês para pedir ao frentista que o avise, por Whatsapp, assim que as bombas voltarem a ter combustível.

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