Rotina precária de crianças após tragédia vira jogo de empurra

Cerca de 50 famílias acampam em praça no centro de São Paulo desde o incêndio

São Paulo
Crianças em acampamento montado no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, após o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida
Crianças em acampamento montado no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, após o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida - Danilo Verpa - 4,mai.18/Folhapress

A situação das crianças em rotina precária e sem banheiro no Largo do Paissandu virou um jogo de empurra em São Paulo. Elas estão lá porque seus pais se recusam a ir para abrigos oferecidos pela Prefeitura de São Paulo após o prédio em que viviam pegar fogo e desabar na madrugada do dia 1º.

Conforme a Folha mostrou no sábado (13), por exemplo, não há banheiros públicos por perto, e as mães enfrentam uma peregrinação pelos bares do entorno quando as crianças ficam apertadas. Na hora do banho, as mães recorrem a outros prédios ocupados no entorno.

A situação precária das famílias na praça motivou a gestão de Bruno Covas (PSDB) a enviar um ofício ao Ministério Público no qual pede providências legais para a retirada delas do local. A Promotoria recebeu o documento, disse que avaliaria a situação e, agora, decidiu acionar o Conselho Tutelar para que investigue a situação. O Conselho Tutelar, porém, já tem feito relatórios sobre a situação das crianças, mas, segundo a prefeitura, cabe ao Judiciário uma eventual ordem para retirá-las de lá.

“Xixi dá para fazer no copinho, mas coco é mais difícil. Muitas vezes elas fazem nas calças mesmo porque não dá tempo de achar um banheiro”, disse à Folha, na semana passada, Daisy da Silva Rodrigues, 32, mãe de sete filhos, sendo que quatro vivem com ela atualmente dentro de uma barraca no largo Paissandu, entre elas, a pequena Sofia, 1.

As famílias se recusam a sair da praça porque cobram da gestão municipal ações mais contundentes que lhes garantam uma moradia. A prefeitura ofereceu auxílio-aluguel a 171 famílias que estavam cadastradas como moradoras do prédio. O benefício prevê parcelas de R$ 400 por mês por um ano, mais R$ 1.200 no primeiro mês. O auxílio-aluguel, porém, é visto como insuficiente.

“Se sairmos daqui, seremos esquecidos. Com esse valor não dá para encontrar nada para alugar”, diz Ana Paula Arcangelo dos Santos, 47, que vivia no prédio de vidro com os seis filhos pequenos. 

Há dez dias, a família se aperta em duas barracas pequenas. Dentro de uma delas, quatro crianças dormem em um colchão de solteiro.

“Faz dias que não durmo. Fico sentada no lado de fora da barraca a noite toda porque tenho medo do que pode acontecer com meus filhos”, diz ela, que é diarista, mas não consegue trabalhar desde o desabamento. 

Ela foi escolhida para organizar as doações que chegam sem parar. Na tarde desta sexta-feira (11), ela organizou com certa dificuldade a fila de mães com bebês no colo que apareceram em busca de pacotes de fraldas deixados por voluntários.

Entre elas, estava uma mãe com bebê recém-nascido de apenas 16 dias. “São sete fraldas para cada uma. Se precisar de mais, é só vir buscar. Se dermos o pacote fechado, elas vendem ou trocam por drogas”, diz ela, em referência às ocupantes de um segundo acampamento de barracas que se formou ao lado.

São pessoas vindas de outras invasões espalhadas pela região central atraídas pelas doações e fluxo grande de curiosos que acaba dando um trocado ou outro. Entre elas, está Priscila Nunes de Lima, 32, mãe de Alessandra, 5, e Samara, 9 meses.

“Só vamos sair daqui quando recebermos o auxílio-aluguel”, diz com a bebê no colo. 

Ela conta que vive há ao menos oito anos em ocupações, mas quer uma moradia regular. “Tenho medo de incêndio e é difícil conviver com os outros moradores, que jogam lixo em qualquer lugar.”

A secretária Eloisa Arruda, que comanda a pasta municipal de Direitos Humanos, afirmou que a prioridade da gestão tucana é convencer as famílias do acampamento a irem para os abrigos e que reivindicações, como permitir o uso dos banheiros químicos próximos, não serão acatadas. “Não queremos incentivar a permanência das pessoas ali.”

“A estratégia da prefeitura é usar o conselho tutelar para fazer pressão sobre as mães para a ocupação acabar”, diz o voluntário Heber Farias, que tem ajudado as famílias a se organizarem no acampamento do largo do Paissandu.

AUXÍLIO-ALUGUEL

Nesta segunda, a Prefeitura de São Paulo se dispôs a pagar o auxílio-aluguel até que as famílias desabrigadas recebam uma moradia definitiva. O montante, de R$ 400 mensais além de uma primeira parcela de R$ 1.200, já está sendo pago pelo governo do Estado, mas o benefício tinha prazo definido de doze meses.

Ao todo, 144 famílias do edifício foram cadastradas. Outras 111 famílias que viviam em edifícios vizinhos, que foram interditados, também recebem o benefício até a desinterdição dos imóveis.

A gestão Bruno Covas afirma ainda que tem feito negociações com a União, proprietária do prédio que desabou, e com a CDHU sobre a destinação do terreno. A intenção da prefeitura é desenvolver um projeto habitacional no local. A decisão deve ser anunciada no fim deste mês.

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