Projetado na década de 1960, o edifício Wilton Paes de Almeida foi considerado marco de avanço na arquitetura de São Paulo e do país tanto por sua “pele de vidro”, em referência a sua fachada, como por suas novidades tecnológicas e estruturais.
Tido como uma das obras mais famosas do arquiteto francês Roger Zmekhol (1928-1976), que foi professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o prédio foi um dos primeiros a contar com central telefônica, sistema de ar-condicionado central, divisão em módulos e janelas em vidro que reflete a luz do sol.
A obra teve influência do arquiteto alemão Mies van der Rohe, em sua fase americana, e foi inspirado no edifício Lever House, de Nova York.
Inaugurado em 1966, o edifício de 24 andares e cerca de 11 mil metros quadrados foi encomendado pelo empresário Sebastião Paes de Almeida (1912-1975) para ser sede de uma empresa do setor de vidros, o que acabou não acontecendo.
Nos anos 1980, a construção passou para a União, que transformou o local na sede da Polícia Federal por 23 anos e, até 2009, numa agência do INSS. No ano seguinte, foi anunciada uma parceria entre o Sesc, uma organização francesa e o governo federal para transformá-lo em polo cultural. Ficou no anúncio.
Em 1992, o prédio foi tombado pelo Compresp (órgão municipal de preservação) por sua relevância arquitetônica, histórica e paisagística.
A arquiteta Ana Mendes, 49, estudou a estrutura da instalação durante um ano, com amplo levantamento histórico do local, e fez um projeto, em 2014, para a transformação do prédio em uma escola de arquitetura.
“Com as ocupações constantes, a situação da estrutura do prédio, que era de vanguarda, foi ficando cada vez mais deteriorada e precária. O local, que foi um marco da arquitetura na América Latina, tornou-se uma favela vertical.”
Para Nadia Somekh, professora emérita da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, o edifício fazia parte da identidade da cidade.
“Estou muito infeliz pela perda histórica e cultural e pela ausência de uma política pública habitacional para os moradores do centro. Novas tragédias estão anunciadas.”
A Secretaria de Patrimônio da União cedeu, em 2012, o prédio para a Unifesp, que instalaria ali o Instituto de Ciências Jurídicas. O projeto não vingou, e o prédio foi invadido diversas vezes por movimentos de sem-teto.
Em 2015, ainda no governo Dilma, o ministro Nelson Barbosa autorizou que a propriedade fosse a leilão. Mas não houve nenhum interessado em pagar os R$ 21,5 milhões pedidos (a reforma consumiria outros muitos milhões).
Atualmente o edifício era propriedade do governo federal e passou por diversas tentativas de revitalização. Desde 2017, a Prefeitura de São Paulo e a União negociavam a instalação da secretaria paulistana de Educação no imóvel. Por isso, desde o ano passado, o prédio estava cedido à prefeitura.
Em nota, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo exaltou o valor da instalação, solidarizou-se com as famílias das vítimas e criticou o descaso do poder público com o que chamou de “ausência recorrente de uma política habitacional nacional consistente aliada à preservação do patrimônio histórico”.
desabamento
O incêndio levou à queda do prédio devido à deformação dos pilares que sustentam a edificação, causada pela alta temperatura. "Nos edifícios de vários andares, nunca se vai conseguir, num incêndio como o de ontem, evitar que altas temperaturas degradem resistência das estruturas", explica o professor de Estruturas de Concreto na Escola Politécnica da USP, Henrique Campelo.
No caso do concreto, é preciso que a temperatura ultrapasse os 800°C para que o material comece perder sua resistência, fazendo com que esses pilares –os principais responsáveis pela sustentação do edifício, desde sua fundação até o topo– cedam.
Para o engenheiro civil Percival Camanho, no incêndio desta madrugada as temperaturas ultrapassaram 1.000°C, uma vez que não há estilhaços de vidro nos escombros, pois a essa temperatura o material vira líquido.
Ele também explica que o fato de o foco ter sido no quinto andar, conforme os relatos de moradores, piorou o cenário. "À medida que rompe o pilar, gera instabilidade, o que pode provocar o desabamento de todo edifício. Quanto mais baixo o andar em que foi atingido, pior as consequências."
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