Descrição de chapéu tragédia dos sem-teto

Propriedade do governo federal, prédio que desabou foi esvaziado em 2001

Edifício inaugurado em 1966 no centro de São Paulo já foi sede da Polícia Federal nos anos 1980

Vista do largo do Paissandu (centro de SP) com o prédio que desabou ao fundo em foto tirada antes da tragédia - Eduardo Knapp - 13.jan.2017/Folhapress
São Paulo

Projetado na década de 1960, o edifício Wilton Paes de Almeida foi considerado marco de avanço na arquitetura de São Paulo e do país tanto por sua “pele de vidro”, em referência a sua fachada, como por suas novidades tecnológicas e estruturais.

Tido como uma das obras mais famosas do arquiteto francês Roger Zmekhol (1928-1976), que foi professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o prédio foi um dos primeiros a contar com central telefônica, sistema de ar-condicionado central, divisão em módulos e janelas em vidro que reflete a luz do sol.

A obra teve influência do arquiteto alemão Mies van der Rohe, em sua fase americana, e foi inspirado no edifício Lever House, de Nova York.

Inaugurado em 1966, o edifício de 24 andares e cerca de 11 mil metros quadrados foi encomendado pelo empresário Sebastião Paes de Almeida (1912-1975) para ser sede de uma empresa do setor de vidros, o que acabou não acontecendo.

Nos anos 1980, a construção passou para a União, que transformou o local na sede da Polícia Federal por 23 anos e, até 2009, numa agência do INSS. No ano seguinte, foi anunciada uma parceria entre o Sesc, uma organização francesa e o governo federal para transformá-lo em polo cultural. Ficou no anúncio.

Em 1992, o prédio foi tombado pelo Compresp (órgão municipal de preservação) por sua relevância arquitetônica, histórica e paisagística.

A arquiteta Ana Mendes, 49, estudou a estrutura da instalação durante um ano, com amplo levantamento histórico do local, e fez um projeto, em 2014, para a transformação do prédio em uma escola de arquitetura.

“Com as ocupações constantes, a situação da estrutura do prédio, que era de vanguarda, foi ficando cada vez mais deteriorada e precária. O local, que foi um marco da arquitetura na América Latina, tornou-se uma favela vertical.”

Para Nadia Somekh, professora emérita da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, o edifício fazia parte da identidade da cidade.

“Estou muito infeliz pela perda histórica e cultural e pela ausência de uma política pública habitacional para os moradores do centro. Novas tragédias estão anunciadas.”

A Secretaria de Patrimônio da União cedeu, em 2012, o prédio para a Unifesp, que instalaria ali o Instituto de Ciências Jurídicas. O projeto não vingou, e o prédio foi invadido diversas vezes por movimentos de sem-teto.

Em 2015, ainda no governo Dilma, o ministro Nelson Barbosa autorizou que a propriedade fosse a leilão. Mas não houve nenhum interessado em pagar os R$ 21,5 milhões pedidos (a reforma consumiria outros muitos milhões).

Atualmente o edifício era propriedade do governo federal e passou por diversas tentativas de revitalização. Desde 2017, a Prefeitura de São Paulo e a União negociavam a instalação da secretaria paulistana de Educação no imóvel. Por isso, desde o ano passado, o prédio estava cedido à prefeitura.

Em nota, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo exaltou o valor da instalação, solidarizou-se com as famílias das vítimas e criticou o descaso do poder público com o que chamou de “ausência recorrente de uma política habitacional nacional consistente aliada à preservação do patrimônio histórico”.

 

desabamento

O incêndio levou à queda do prédio devido à deformação dos pilares que sustentam a edificação, causada pela alta temperatura. "Nos edifícios de vários andares, nunca se vai conseguir, num incêndio como o de ontem, evitar que altas temperaturas degradem resistência das estruturas", explica o professor de Estruturas de Concreto na Escola Politécnica da USP, Henrique Campelo.


No caso do concreto, é preciso que a temperatura ultrapasse os 800°C para que o material comece perder sua resistência, fazendo com que esses pilares –os principais responsáveis pela sustentação do edifício, desde sua fundação até o topo– cedam.

Para o engenheiro civil Percival Camanho, no incêndio desta madrugada as temperaturas ultrapassaram 1.000°C, uma vez que não há estilhaços de vidro nos escombros, pois a essa temperatura o material vira líquido.

Ele também explica que o fato de o foco ter sido no quinto andar, conforme os relatos de moradores, piorou o cenário. "À medida que rompe o pilar, gera instabilidade, o que pode provocar o desabamento de todo edifício. Quanto mais baixo o andar em que foi atingido, pior as consequências."

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