Descrição de chapéu tragédia dos sem-teto

Sem-teto expandiram invasões na crise para 70 prédios em São Paulo

Grupos avançaram com alta de aluguéis e política falha no centro, diz urbanista

São Paulo

Invasões de sem-teto ganharam força na cidade de São Paulo diante do aumento nos aluguéis, de políticas habitacionais insuficientes e da crise econômica, avaliam especialistas. O resultado são cerca de 70 prédios invadidos na região central, segundo a Prefeitura de São Paulo, com aproximadamente 4.000 famílias.

A Secretaria Municipal da Habitação ressalta que se trata de uma estimativa, pois a maior parte das invasões ocorre em áreas particulares, e cabe aos proprietários tomar as providências necessárias para retomá-las.

Em 2013, um estudo da pasta havia identificado 42 imóveis invadidos no centro.

Desde então, movimentos sem-teto ganharam força, inclusive com a profusão de pequenos grupos, afirmam as próprias lideranças.

"Há um aumento tanto da presença de movimentos organizados como das ocupações voluntárias que ocorreram, por exemplo, nos últimos oito anos de maneira desorganizada em áreas vazias da zona leste", afirma Osmar Borges, um dos diretores da Frente de Luta por Moradia (FLM).

De acordo com levantamento da pasta da Habitação, cerca de 25% das ocupações monitoradas pelo Núcleo de Mediação de Conflitos, municipal, estão no centro da cidade, com 7% das famílias residentes nas moradias.

Na zona leste, estão 22% dos imóveis ocupados. Neles, estão 30% das famílias.

O núcleo, vinculado à pasta, visa negociar soluções entre proprietários e ocupantes.

O diretor da FLM credita o crescimento de invasões ao aumento dos aluguéis.

Professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o urbanista Kazuo Nakano também avalia que o preço teve papel fundamental, mas, em sua opinião, esse não foi o único fator. "Não há uma política habitacional de larga escala no Brasil que alcance a população de baixa renda de áreas centrais", afirma.

Segundo ele, essa inadequação está ligada ao fato de que o principal programa federal de habitação, o Minha Casa Minha Vida, lançado na gestão Lula (PT), dificulta o uso do financiamento para imóveis usados —caso dos prédios desocupados no centro.

Além disso, por beneficiar também pessoas de renda média (hoje, o limite é de R$ 7.000), o programa não atende a população mais pobre na escala necessária.

"As políticas públicas são muitas vezes morosas e focam nas classes mais altas que não são parte do déficit habitacional", afirma Fernando Túlio Franco, presidente do IAB-SP (seção paulista do Instituto dos Arquitetos do Brasil).

No plano de metas para o período 2017 a 2020, a prefeitura calcula ser necessária a provisão de cerca de 370 mil novas unidades habitacionais na capital paulista.

Para o presidente do IAB-SP, uma saída para fazer isso utilizando a infraestrutura do centro seria estabelecer uma linha de crédito robusta para reforma e retrofit de prédios.

Outra possibilidade seria a formação de consórcios entre a iniciativa privada e o poder público para as obras em edifícios antigos, o que poderia amenizar a falta de recursos.

Imóvel ocioso no centro é desperdício, afirmam especialistas

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Renato Cymbalista afirma ainda que é preciso mais agilidade na destinação dos imóveis e na aplicação do IPTU progressivo para as edificações ociosas, instrumento já previsto pela legislação.

A tragédia desta terça-feira (1º), no entanto, é um exemplo de que isso não tem acontecido, afirma Kazuo Nakano.

Ele diz que notificar e, eventualmente, desapropriar imóveis ociosos para evitar prédios vazios na região central das grandes cidades é crucial em qualquer política de habitação. "É um desperdício ter prédio vazio em um lugar perto de tanto emprego, transporte e infraestrutura urbana", diz.

Além disso, afirma, diante da profusão de invasões, é fundamental fazer um monitoramento constante das condições de segurança de cada uma delas. "Esse imóvel já havia sido rejeitado por diversas instituições públicas. Sabia-se, portanto, que ele tinha problemas."

Nesta terça-feira, o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou medida nesse sentido. Em até 45 dias haverá um levantamento de risco em cada uma das invasões da cidade.

"Vamos ver que ações precisam ser tomadas, se há alguma ação emergencial que precisa ser feita por conta de risco desses 70 prédios", disse.

"Acho que ninguém está contente com a situação que temos hoje. Estamos com uma sensação de que talvez a gente pudesse ter feito alguma coisa para evitar. Mas de qualquer forma a gente tem a tranquilidade do dever cumprido."

Angela Pinho, Fabrício Lobel e Artur Rodrigues
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