Descrição de chapéu Dias Melhores

Sozinho, aposentado pinta e enfeita escadaria na periferia de São Paulo

Para bancar a obra, ex-metalúrgico pede contribuições a quem passa pela rua

Mariana Zylberkan
São Paulo

A quem passa em frente a sua casa, o aposentado Antônio Bezerril, 70, pede R$ 1. Os apelos são reforçados por cartazes que ele mesmo confecciona, um é em formato de coração.

A cada um que deposita qualquer valor na vasilha de plástico, ele pede para que assine uma lista e mostra detalhadamente o destino das doações em anotações a mão em folhas de papel grampeadas. 

“Ás vezes a pessoa está com pressa, mas eu faço questão de mostrar como o dinheiro está sendo gasto. Aqui não tem Lava Jato”, diz o aposentado, referindo-se à famosa operação da Polícia Federal. 

Nesse esquema, Antônio conseguiu arrecadar, em dois anos, cerca de R$ 2.000 para fazer sozinho, em uma rua estreita no M’Boi Mirim, na zona sul de São Paulo, “o escadão mais bonito de São Paulo”, como ele gosta de repetir.

De moeda em moeda dos bolsos de 523 doadores, Antônio revestiu com azulejos coloridos e pintou os 60 degraus da escadaria que liga a rua onde mora há mais de 40 anos à via de cima, onde há pequenos comércios. 

“Sou curioso e mesmo aposentado não consigo ficar parado”, diz ele, que foi metalúrgico e teve uma lanchonete. 

A curiosidade, lembra Antônio, foi atiçada quando ele assistiu na televisão um programa que mostrava a escadaria Selaron, no bairro carioca da Lapa. 

Os degraus que ligam o largo da Lapa ao bairro de Santa Teresa viraram ponto turístico depois de serem decorados com azulejos e tinta pelo artista plástico chileno Jorge Selaron que usava a escadaria para chegar ou sair de sua casa. “Se o Rio tem um escadão bonito, São Paulo vai ter também.”

O primeiro passo foi pedir ajuda a um amigo pedreiro para aprender a manejar ferramentas e cortar os azulejos. Uma vez, ele se lembra, precisou correr para o hospital com um vizinho que insistiu em ajudá-lo e, sem experiência, passou acidentalmente a serra elétrica na perna. 

No começo, as doações ainda eram poucas e, por isso, o aposentado recorria a pontos de entulho em busca de sobras de azulejos. Com as peças na mão, ele quebrava a cabeça para formar um padrão de cores e desenhos em todos os degraus. Ele mostra os detalhes, como uma flor marrom e um azulejo todo vermelho, que se repetem nos degraus.

“No começo, eu implicava porque ele não parava. Colocava e tirava os azulejos várias vezes”, diz a autônoma Adriana Feres, 43, que mora em uma das casas na escadaria.

O tira e põe de azulejos foi sucedido pela pintura do piso de verde, “em homenagem à natureza”, e rosa, “para comemorar o Dia da Mulher”, segundo o aposentado. 

Ao subir o primeiro lance de escada, dá para ver o coração vermelho pintado no chão ao lado das palavras “dos doadores”. “É para agradecer quem contribuiu. Cada R$ 1 doado para mim é como se fosse R$ 1 milhão por causa da intenção.”

Com a lista de contribuições na mão, ele mostra que há pessoas que doaram centavos e mesmo assim aparecem na prestação de contas. É o caso de Júlia, 6, que fez questão de tirar R$ 0,35 de seu cofrinho para ajudar o vizinho a deixar a escadaria ao lado de casa mais bonita. 

Há doações também de pessoas que nem moram no bairro, vindas até de outras cidades, como Osasco, na Grande São Paulo, e Peruíbe, no litoral sul, mas que passaram pela escadaria e resolveram atender ao pedido nas placas para contribuir com a reforma. 

Nas últimas semanas, os degraus verdes ganharam uma faixa de tinta amarela para a segurança dos idosos que usam a escadaria e tinham dificuldade em enxergar o fim do degrau. “Um idoso me deu essa ideia e eu acatei na hora”, lembra Antônio que faz questão de frisar que a combinação de cores verde e amarela não tem nada a ver com apoio a manifestantes que usam as camisas da seleção brasileira para protestar. 

Outro palpite dos vizinhos fez Antônio colocar um corrimão feito de PVC. “Um dia estava aqui trabalhando e vi duas idosas se apoiando uma na outra na hora para descer a escada e percebi que precisava fazer um corrimão.” 

Já que ia instalar o apoio ao longo dos degraus, ele aproveitou para colocar também lixeiras coloridas e fica feliz quando recolhe o lixo e encontra alguma coisa. 

“Antes aqui era comum ver pessoas usando droga e urinando nas paredes. Depois da reforma, isso diminuiu bastante”, diz Débora Bezerril, filha de Antônio, que também mora em uma casa que dá acesso à escadaria. 

A obra está perto do fim, só falta terminar de soldar os canos de PVC que servem de corrimão, mas o aposentado não pretende desapegar tão cedo e conta que foi convidado pelos vizinhos a fazer o mesmo em outras escadas do bairro.

 Antônio diz que ainda se espanta com a popularidade do escadão após a reforma. “Não fiz nada demais. A periferia é sempre tão cinza que qualquer cor a mais já dá outra sensação”, diz.

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