SP está lenta contra escalada de incêndios, diz engenheiro do IPT

Cidade reage desde 1972 de forma incompatível com tamanho do problema

O engenheiro Antônio Fernando Berto no Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas)
O engenheiro Antônio Fernando Berto no Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) - Zanone Fraissat/ Folhapress
São Paulo

Há 42 anos atuando na área de proteção contra incêndios, o engenheiro Antonio Fernando Berto, 64, diz que São Paulo aprende muito lentamente com os milhares de incêndios que desde 1972 vêm assombrando a cidade.

“De maneira incompatível com a magnitude do problema”, diz, citando o que chama de escalada de episódios em locais de reunião de público.

Nos últimos anos, houve casos no Museu da Língua Portuguesa, no Memorial da América Latina, no Teatro Cultura Artística e no Museu do Liceu de Artes e Ofício.

Chefe do Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), o engenheiro afirma que o fogo no antigo edifício da Polícia Federal, no largo do Paissandu, deve-se não apenas aos problemas na ocupação do prédio.

Segundo ele, o projeto do edifício não considerou o risco de propagação vertical do incêndio. “A fachada totalmente envidraçada e as escadas não enclausuradas sempre permitiriam a rápida propagação entre pavimentos”, diz.

Berto defende que o Corpo de Bombeiros passe a ter o poder de interditar prédios em situação em que haja risco de incêndio.

 


São Paulo é uma cidade insegura como sugere o incêndio no largo do Paissandu?
O incêndio deve servir de alerta. Há muitas situações de insegurança em um número expressivo de edificações de grande porte. 
As condições que determinaram o surgimento deste incêndio decorreram de aspectos que caracterizavam a sua ocupação: instalações elétricas precárias e ausência de conscientização para o risco decorrente das atividades ali desenvolvidas, potencializadas por instalações de gás precárias e pelo uso de espiriteiras e velas. 
Felizmente a maior parte dos ocupantes conseguiu abandonar o edifício, antes que a evolução do incêndio, que foi muito rápida, tornasse isto impossível.

A falta de segurança se associava apenas às condições precárias da ocupação?
Parte preponderante da insegurança já existia desde a concepção, projeto e construção do edifício e vinha ameaçando todos que ali estiveram presentes em suas ocupações anteriores. É desagradável constatar que os responsáveis por estas ocupações jamais foram capazes de se dar conta disto.
Quais eram os problemas do projeto? Não se considerou o risco de propagação vertical do incêndio. A fachada totalmente envidraçada e as escadas não enclausuradas sempre permitiriam a rápida propagação dentre pavimentos, como ocorreu e teria acontecido em ocupações anteriores regulares. Espera-se que um grande edifício, submetido a um incêndio, suporte sua ação sem entrar em colapso. Para isto, a sua estrutura, como um todo, deve ser dotada de resistência ao fogo.
A concepção do sistema estrutural do edifício era precária e já seria capaz de definir a ruína em qualquer situação de incêndio, mesmo que este tivesse se restringido a um único pavimento. Tenho a expectativa que os projetistas estruturais estudem o caso e evitem soluções equivalentes.

Há cerca de 250 prédios invadidos por sem-teto. É exagero chamá-los de bomba-relógio?
Não têm a menor noção do que representa o risco de incêndio aqueles que não forem capazes de imaginar que por inúmeras vezes ocorreram nestes edifícios situações de princípio de incêndio, equivalentes a que deu origem ao do antigo edifício da PF.
Mesmo em edifícios considerados regulares é raro aquele em que jamais tenha havido princípio de incêndio. Em edifícios onde inexiste a prevenção, como os invadidos, as situações de princípio de 
incêndio se repetem com maior frequência e em algumas ocasiões encontram condições para evoluir.
O prédio era particularmente favorável à evolução do incêndio e, certamente, nestes outros invadidos se encontrará um ou outro que ofereça condições igualmente desastrosas. Pode-se dizer que a imensa maioria dos invadidos apresentará, ao menos, condições favoráveis ao princípio de incêndio.

A legislação atual é ultrapassada? O que seria preciso aprimorar na lei e na fiscalização?
A regulamentação do Corpo de Bombeiros do estado não é ultrapassada, apesar de requerer aprimoramentos importantes. A fiscalização, por sua vez, deixa muito a desejar. Pelo decreto em vigor, os Bombeiros não têm poder de polícia. Este poder se restringe ao município. Por conta disso, a regulamentação se aplica apenas se a autoridade municipal estabelecer convênio com a Secretaria de Segurança para que a fiscalização dos Bombeiros seja exercida.
São Paulo tem convênio com a secretaria, mas a imensa maioria dos municípios não tem. Nestes, de modo geral, a questão é desconsiderada, visto que estas prefeituras não têm regras próprias e, como resultado, milhares de edifícios não dispõe do que poderia ser considerado básico, como extintores, alarme.
O Corpo de Bombeiros, desde 2015, busca junto ao governo do estado aprovação para uma nova regulamentação, que incluiria o poder de polícia e a aplicação irrestrita desta regulamentação em todos os municípios.

Os bombeiros deveriam ter poder de interdição de um prédio em situação de risco?
Deveriam, mas não têm. Este poder atualmente está restrito ao município. Aparentemente, mesmo na nova regulamentação tal poder não será incluído. Incluirá sanções na forma de cassação do auto de vistoria do Corpo de Bombeiros e multas associadas a prazos para correção dos problemas.

O Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do IPT foi criado após os incêndios no Andraus (1972) e no Joelma (1974). O que a cidade aprendeu com aqueles episódios?
É necessário mencionar os milhares de incêndios que desde 1972 vêm assombrando nossa cidade, afetando grandes indústrias e depósitos, lojas e centros comerciais e, especialmente, moradias. Houve uma escalada de incêndios em locais de reunião de público nos últimos anos. 
O Museu da Língua Portuguesa, o auditório do Memorial da América Latina, o teatro Cultura Artística, o Museu do Liceu de Artes e Ofício. Frente a esta realidade adversa, percebe-se que o aprendizado da cidade se dá de maneira lenta, incompatível com a magnitude do problema que se enfrenta por aqui.
Entendo por cidade não apenas as autoridades, mas também todos os envolvidos no processo de produção dos edifícios, no projeto, na construção e na manutenção, bem como os responsáveis pela operação dos mesmos. É importante destacar que parte importante dos sistemas de proteção contra incêndio na cidade é mal projetada, mal instalada e mal conservada.

Os prédios antigos são os maiores problemas? 
A regulamentação de segurança contra incêndio surgiu aqui em 1974, poucos dias após o incêndio no Joelma, propondo regras para o projeto, a construção e o uso das edificações. 
A primeira regulamentação consistente do Corpo de Bombeiros foi publicada apenas 9 anos depois, em 1983. Os projetos de edificações elaborados anteriormente a essas datas não precisavam atender a quaisquer regras. Apesar disto, a partir do momento em que se estabeleceu a necessidade do auto de vistoria dos Bombeiros, criaram-se regras para adaptação dos mesmos, de maneira a incorporarem obrigatoriamente um conjunto básico de medidas de proteção (extintores, iluminação e sinalização de emergência, alarme de incêndio etc).
Note-se que não estão incluídas as exigências de compartimentação vertical e as de resistência ao fogo da estrutura.

O que um morador pode observar para saber se o seu prédio está em situação de risco ou se cumpre as regras? 
O IPT elaborou com o Secovi em 2004 um manual de incêndio para orientar os responsáveis pela segurança nos edifícios sobre ações de inspeção e manutenção de sistema de proteção. Orientações importantes podem ser obtidas ali, mas sempre será necessário contar com os serviços de profissionais habilitados. O risco de incêndio deve ser objeto de preocupação constante e todos os ocupantes devem ser conscientizados a respeito da prevenção do risco e das ações que devem ser adotadas em caso de emergência.

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