Descrição de chapéu tragédia dos sem-teto

Um mês após tragédia, vítimas de desabamento vivem sob indefinição

Parte dos moradores segue dormindo em barracas na região central de SP

Desabamento no largo do Paissandu completa um mês e moradores ainda estão acampados próximo ao local da tragédia (Zanone Fraissat/FOLHAPRESS) - Folhapress
Mariana Zylberkan Tatiana Cavalcanti
São Paulo

Um mês após o incêndio e desabamento de um prédio invadido por sem-teto no centro de São Paulo, cerca de 30 famílias desalojadas pela tragédia continuam acampadas a poucos metros do local e sem perspectiva de definição sobre os seus destinos. 

O acampamento no largo do Paissandu é formado por ex-moradores que se recusam a ir para abrigos oferecidos pela prefeitura e que exigem serem contemplados com uma moradia. Eles afirmam que o auxílio-moradia, oferecido por estado e prefeitura e com parcelas mensais de R$ 400, é apenas um paliativo e não resolve o problema de não ter uma moradia fixa. 

O desabamento deixou ao menos sete mortos e 455 pessoas desabrigadas. Segundo a prefeitura, a maior parte das vítimas foi encaminhada para abrigos ou seguiu para casas de parentes e outras ocupações. 

De acordo com a prefeitura, equipes de assistência social convidam insistentemente as famílias restantes no largo do Paissandu para irem aos abrigos e que a maior delas não morava no prédio mas acabou atraída pelas doações às vítimas. O auxílio-moradia está sendo pago a 144 pessoas.

A primeira reação da prefeitura à formação do acampamento veio uma semana após o desabamento. Ofício enviado ao Ministério Público exigia providências urgentes para remover as famílias de lá. O documento citava a situação insalubre de sobrevivência a que as crianças estavam submetidas, diante da fumaça tóxica que ainda vinha dos escombros. 

A Promotoria, porém, respondeu apenas na semana passada, ao exigir da prefeitura um parecer detalhado da situação de cada família no acampamento para agilizar a tomada de providências. A prefeitura afirma que já atendeu ao pedido. Criou-se, então, um impasse diante da responsabilidade sobre o destino das famílias. 

Enquanto isso, a rotina das famílias que se recusam a sair da praça continua precária. As crianças dormem em barracas e não há banheiros próximos. Nos últimos dias, a situação se agravou. Com a queda da temperatura, a coordenação do acampamento tem reforçado os pedidos de doação de remédios para gripe, já que há muitas pessoas doentes. Moradores reclamaram, ainda, de sarna.

Além disso, as doações de comida, água e itens de higiene que chegavam aos montes têm sido cada vez mais escassas. Os voluntários têm tido dificuldade de ajudá-los devido à crise do abastecimento em todo país deflagrada pela paralisação dos caminhoneiros.  “Estamos abandonados. Não tem ajuda com higiene pessoal, precisamos disso também. Vivemos de doações”, afirma a auxiliar de limpeza Vera Lúcia Arcangelo dos Santos, que mandou os sete filhos para viver com a irmã, enquanto a situação dela não se define.

O corretor de móveis Marco Antônio Celindo, 54, afirmou que as crianças não conseguiam mais tomar banho no Sesc 24 de Maio, a poucas ruas dali. “Eles ajudaram esses dias. Mas a partir de hoje [ontem], as crianças não podem mais usar o banheiro lá. Nós adultos ainda nos viramos, mas os menores sofrem mais.” 

Em relação ao prédio, os escombros já foram retirados e resta interditado apenas um dos seis prédios vizinhos que ofereciam risco. 

Projetado na década de 1960, o edifício Wilton Paes de Almeida foi considerado marco de avanço na arquitetura de São Paulo e do país tanto por sua “pele de vidro”, em referência a sua fachada, como por suas novidades tecnológicas e estruturais. Inaugurado em 1966, o edifício de 24 andares e cerca de 11 mil metros quadrados foi encomendado pelo empresário Sebastião Paes de Almeida (1912-1975) para ser sede de uma empresa do setor de vidros, o que acabou não acontecendo.

Nos anos 1980, a construção passou para a União, que transformou o local na sede da Polícia Federal por 23 anos e, até 2009, numa agência do INSS.  Atualmente o edifício era propriedade do governo federal e passou por diversas tentativas de revitalização. Desde 2017, a Prefeitura de São Paulo e a União negociavam a instalação da secretaria paulistana de Educação no imóvel. Por isso, desde o ano passado, o prédio estava cedido à prefeitura.

 

TRAGÉDIA E INVESTIGAÇÕES

O que aconteceu?
Por volta da 1h30 do dia 1º de maio, um curto-circuito deu início a um incêndio no 5º andar do edifício Wilton Paes de Almeida. O fogo se alastrou rapidamente pelos outros pavimentos atingindo todo o prédio até que, às 2h50, ele desabou. O fogo chegou a atingir imóveis próximos.

O que iniciou o fogo?
Um curto-circuito numa tomada com três aparelhos ligados —TV, geladeira e microondas—, em um cômodo onde morava uma família de quatro pessoas. A mãe e um bebê conseguiram escapar, e o homem e a filha de três anos sofreram queimaduras graves.

Por que o prédio desabou?
Diversos fatores ajudaram na queda. Veja abaixo.

​​De quem era o prédio?
Era da União e havia sido cedido à prefeitura provisoriamente no ano passado, para abrigar a Secretaria de Educação e Cultura. No entanto, como estava abandonado, já sofria invasões desde 2012.

Os riscos eram conhecidos?
Sim, mais de um laudo já havia apontado a situação precária do imóvel. Uma vistoria dos bombeiros em nov.2016 constatou que o prédio não possuía medidas de segurança contra incêndio. Em jan.2017, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento também indicou que não havia extintores ou hidrantes e que existiam instalações elétricas improvisadas e rotas de fuga bloqueadas. 

Inquéritos para investigar a situação do imóvel já haviam sido instaurados pelo Ministério Público Estadual (em 2015) e Federal (em 2017). O primeiro pediu arquivamento em mar.2018 por entender que os problemas já estavam sendo tratados pela União e prefeitura, e o segundo recomendou à Superintendência do Patrimônio da União a reforma estrutural do prédio.

Quem está apurando o caso?
A Polícia Civil avalia as causas do desastre e quem pode ser responsabilizado pelos homicídios culposos (sem intenção) dos moradores quem morreram. O Ministério Público Federal instaurou um inquérito para apurar a responsabilidade pela tragédia, com eventual improbidade dos donos do prédio (que era da União). Já o Ministério Público de SP retomou o inquérito civil de 2015 para apurar a vistoria feita na ocasião.

Além disso, um inquérito foi instaurado no Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) para apurar a cobrança de aluguel de moradores de ocupações do centro de SP —a prática existe há décadas, e alguns grupos sem-teto dizem que ela visa custear a manutenção dos edifícios.

O que está sendo feito pelas famílias?
A prefeitura afirmou que deu início ao pagamento do auxílio-aluguel a 144 vítimas do desabamento que tinham sido cadastradas antes da tragédia. O benefício se resume a parcelas mensais de R$ 400 pagas até as vítimas serem atendidas com uma moradia. A primeira parcela é de R$ 1.200.

A Defensoria Pública de São Paulo e a Defensoria da União entraram com pedido de liminar que obrigava a prefeitura a oferecer melhor estrutura às famílias que permanecem no largo Paissandu, como a instalação de banheiros químicos. A medida também pedia que as famílias fossem encaminhadas a um dos prédios ociosos localizados no centro da cidade. A Justiça acatou apenas o pedido de instalação de banheiros químicos, o que ainda não foi feito pela administração. As famílias têm usado os banheiros que eram usados pelos bombeiros durante as buscas por sobreviventes.

A promotoria de Infância e Juventude notificou a prefeitura a fornecer informações detalhadas e individualizadas sobre a situação de cada uma das pessoas que permanecem no acampamento. Segundo a prefeitura, os relatórios foram fornecidos ao Ministério Público. 

A prefeitura afirma que assistentes sociais vão ao acampamento diariamente para convidar as famílias a irem para abrigos municipais. 

Por que as famílias não querem deixar o largo Paissandu?
Elas afirmam que o auxílio-aluguel é apenas uma ajuda de custo e não resolve o problema da falta de moradia. Elas esperam serem contempladas com uma casa ou apartamento.

Elas podem ser retiradas de lá a força?
Não. As famílias têm que ser convencidas a deixar o local. Voluntários abastecem o acampamento com doações de comida, água e itens de higiene. Com a crise do abastecimento deflagrado pela paralisação dos caminhoneiros, porém, as ajudas têm chegado com menos frequência

MORTOS E DESAPARECIDOS

Quantas pessoas viviam no prédio?
Antes de cair, o prédio era ocupado pelo MLSM (Movimento Social de Luta por Moradia), antigo LMD (Luta por Moradia Digna). Segundo cadastro da Secretaria de Habitação, eram 455 moradores de 171 famílias —10% deles estrangeiros e 38%, crianças ou adolescentes.

Quantos morreram?
Ao menos sete pessoas foram identificadas entre os escombros: a catadora de papelão Selma Almeida da Silva, 40, o advogado Alexandre de Menezes, 40, Walmir Sousa Santos (47),  Ricardo Oliveira Galvão Pinheiro, 38, Francisco Lemos Dantas, 56, e os gêmeos Wendel e Werner da Silva Saldanha, 10, filhos de Selma.

Quantos estão desaparecidos?
Duas pessoas foram notificadas como desaparecidas, mas não foram localizadas: a mulher de Walmir, Eva Barbosa Lima, 42, e Gentil Rocha de Sousa, 54. 

As buscas já foram encerradas?
Sim, elas terminaram no domingo (13). Os bombeiros já haviam descartado a existência de sobreviventes no dia 11, porque não havia mais células de sobrevivência nos escombros —vãos que se formam sob os destroços e possuem condições para uma pessoa viver, com temperatura adequada, oxigênio e espaço. Entenda abaixo como as buscas foram feitas.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.