Abismo social divide cidades mais violentas das mais seguras no país

123 municípios mais violentos do país concentram 50% dos homicídios, aponta estudo

Jovem foi executado dentro de casa, por dois homens que chegaram em uma moto, em Ananindeua, na Grande Belém
Jovem foi executado dentro de casa, por dois homens que chegaram em uma moto, em Ananindeua, na Grande Belém - Bruno Santos/ Folhapress
 
Fernanda Mena
São Paulo

Um abismo social, econômico e de infraestrutura separa os dez municípios brasileiros que têm as menores taxas de homicídio do país (6,3 mortes por 100 mil habitantes, em média) das dez cidades que concentram os maiores números de assassinatos do Brasil (103 mortes por 100 mil habitantes, em média).

​É isso o que aponta novo relatório do Atlas da Violência 2018, publicação do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O documento mapeou as mortes violentas nos municípios brasileiros com população superior a 100 mil residentes, em 2016, com base nos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, e cruzou essas informações com indicadores de educação infantojuvenil, pobreza, mercado de trabalho, habitação, gravidez na adolescência e vulnerabilidade juvenil.

 

Se a distância entre as taxas de homicídios (6,3 no primeiro grupo contra 103 no segundo) desses municípios impressiona, a comparação dos demais índices desses locais aponta igualmente para extremos, sugerindo que paz ou violência se alimentam de fatores como escolaridade, saneamento básico e ocupação de jovens adultos.

 

Percentual de crianças pobres? Nas cidades com menos mortes, 6,2% das crianças são pobres, nas cidades violentas, 25,3%.

Pessoas vivendo em domicílios sem água encanada nem esgoto adequados? Onde há paz, apenas 0,5% moram nessas condições; onde há violência, são 5,9% das pessoas.

Quantidade de jovens "nem-nem", aqueles que nem estudam nem trabalham, de 15 a 24 anos? Nos municípios com menos mortes, há 4,3% deles. Já naqueles onde mais se morre e se mata, eles são 14,1% do total desta faixa etária.

"Há uma clara correlação entre as condições de desenvolvimento humano e as taxas de mortes violentas", explica o economista Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea que coordenou o estudo.

Boa parte dessas condições de desenvolvimento são consideradas criminogênicas, ou seja, onde elas falham, há um favorecimento da incidência de crimes.Entre as dez cidades mais pacíficas do país há duas em Santa Catarina, duas em Minas Gerais e seis em São Paulo, entre elas Brusque (SC), Atibaia (SP) e Varginha (MG).

Entre os dez municípios mais violentos há cinco na Bahia, dois no Rio de Janeiro, um no Pará, um no Ceará e um no Paraná. O caso mais agudo é de Queimados (RJ), com taxa de homicídio de 135 mortes por 100 mil habitantes, seguido de Eunápolis (BA), Simões Filho (BA), Porto Seguro (BA) e Lauro de Freitas (BA).

 

Segundo Cerqueira, no entanto, este não é um destino inescapável. Pelo contrário, ao indicar que os homicídios no Brasil estão concentrados em um percentual restrito de cidades, o Atlas aponta para a possibilidade de intervenções focalizadas que possam promover mudanças no curto e médio prazos.

"Verificamos que 123 municípios mais violentos do país concentram 50% dos homicídios brasileiros. E, como é muito difícil mudar o Brasil de uma hora para outra, isso indica que, a despeito de uma política universal, é preciso pensar em ações territoriais nestas cidades."

O pesquisador evoca outro estudo do Ipea que demonstrou que 10% dos bairros dos municípios mais violentos do país eram responsáveis por mais da metade das mortes daquela cidade. "Ou seja, concentrando as atenções nessas comunidades, podemos mudar o seu quadro e o do país."

 

O relatório destaca que, no Brasil, ainda confundimos política de segurança pública com polícia, quando se trata de uma questão multifatorial que não pode ser de responsabilidade de uma única instituição.

"A polícia é um meio, e não um fim em si mesma. Foca-se e exalta-se o número de abordagens policiais ou de apreensão de drogas, por exemplo, que podem não ter nenhum efeito para produzir segurança, ou pior, podem mesmo concorrer no sentido contrário, para fazer aumentar o número de mortes violentas, as balas perdidas e o medo", informa o documento.

Entre os exemplos citados no relatório está o investimento na chamada primeira infância, apontada por pesquisadores da envergadura do Nobel de Economia de 2000, James Hackerman, como condição insubstituível para a promoção do desenvolvimento econômico e do bem-estar de uma sociedade.

De acordo com o Atlas 2018, estudos apontam que crianças que nascem em ambientes hostis, onde não há estímulos corretos e também vigora a violência, seja doméstica ou comunitária, têm maiores chances de desenvolverem problemas comportamentais e dificuldades de aprendizado que comprometerão suas vidas escolares e profissionais.

O documento lista algumas das características comuns às ações e políticas de segurança pública que conseguiram reduzir homicídios no curto prazo em lugares como Nova York (EUA), Medelin (Colômbia), Ciudad Juarez (México) e Espírito Santo.

São elas: comprometimento do principal político (presidente, governador e prefeito) como indutor de mudanças; mobilização e articulação atores sociais, entre instituições públicas, empresas e terceiro setor; organização de programas com base no método científico e em evidências empíricas; controle e retirada de circulação de armas de fogo e munições; criação e disseminação de espaços de mediação de conflitos; e mudança do modelo de intervenção policial de reativo para uma repressão qualificada, baseada em investigação e inteligência, de modo a inverter o eixo de prisões de baixa qualidade feitas em flagrante, a partir do policiamento ostensivo, para a identificação e prisão de criminosos que mais danos causam à sociedade.

O primeiro relatório do Atlas 2018, divulgado há duas semanas, mostrou que o número de homicídios de jovens de 15 a 29 anos no Brasil cresceu 23% de 2006 a 2016, quando atingiu o pico da série histórica, com 33.590 vítimas nesta faixa etária. 

Com isso, em 11 anos, o Brasil enterrou 324.967 jovens assassinados —quase sete vezes o número de soldados americanos mortos em ação (47.434) em 20 anos da Guerra do Vietnã (1955-1975).

Segundo o documento, 62.517 mil homicídios ocorreram em 2016, impondo custo de cerca de 5,9% do PIB (Produto Interno Bruno). 

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