Em protesto, policiais invadem Palácio da Liberdade, sede do governo de MG

Grupo deixou o local na noite desta quarta, após receber notificação judicial

Carolina Linhares
Belo Horizonte

​Centenas de servidores da segurança pública invadiram na tarde desta quarta (6) a área externa do Palácio da Liberdade, na região centro-sul de Belo Horizonte, uma das sedes do governo de Minas Gerais (a única operante devido a contenção de gastos). 

Entre os manifestantes estavam policiais civis e militares, bombeiros e agentes carcerários. A categoria chegou a afirmar que permaneceria acampada e passaria a noite no local para cobrar uma negociação com o governador Fernando Pimentel (PT).

Os servidores pedem reposição salarial, fim do parcelamento dos salários e pagamento ao instituto de previdência. Caso não sejam atendidos, há possibilidade de greve. 

Porém, por volta das 21h30 ​, diante da notícia de uma decisão judicial que determinou a reintegração imediata do prédio, os líderes de sindicatos e associações de policiais, bombeiros e agentes carcerários decidiram deixar o palácio assim que recebessem a liminar oficialmente.

"Nós somos diferentes do bandido que ocupa a cadeira de governador, somos legalistas e vamos cumprir a ordem judicial", disse o deputado estadual de oposição Sargento Rodrigues (PTB), um dos líderes da manifestação.

A decisão de reintegração do palácio estabeleceu multa de R$ 50 mil por hora de descumprimento para as lideranças e associações que fossem identificadas na invasão e autorizou o uso de força para retirar os manifestantes se necessário.

Por volta das 22h25, um oficial de Justiça chegou ao palácio acompanhado do advogado-geral do estado, Onofre Batista, e do secretário de segurança, Sérgio Menezes, para comunicar a decisão judicial. 

As lideranças de sindicatos e associações, acompanhados de cerca de cem manifestantes que ainda permaneciam no protesto, deixaram a área externa do palácio para assinar o recebimento da ordem judicial em uma van da associação de cabos estacionada na rua.

Após as assinaturas, já por volta das 23h, não havia mais servidores na área do palácio e policiais militares que fazem a segurança do local fecharam o portão. O carro de som dos manifestantes também deixou a Praça da Liberdade.

Aos gritos de "Pimentel ladrão", o deputado Sargento Rodrigues disse respeitar as instituições do estado, mas não o governador, a quem chamou de corrupto. Ele afirmou que as mobilizações dos servidores continuarão. 

A AÇÃO

Por volta das 15h, cerca de 500 manifestantes, em estimativa da Polícia Militar, forçaram o portão do entorno do palácio e, já na área do jardim, cantaram o hino nacional. 
Policiais militares isolaram as entradas do edifício, que foi esvaziado. O governador Pimentel não estava no local no momento da invasão.

O entorno da praça da Liberdade ficou fechado para os carros e houve confusão quando guardas de trânsito tentaram liberar pistas no início da noite. Os manifestantes gritaram "o palácio é nosso" e "Pimentel ladrão", fazendo carros recuarem.

Durante a noite, quando o número de manifestantes caiu mais da metade, os servidores de segurança chegaram a armar barracas e pedir apoio de comida e água para passarem a noite ali. 

Segundo o deputado Sargento Rodrigues, a política de Pimentel para a segurança pública é "um desastre completo". "Não é feito o arroz com feijão, que é efetivo, estrutura, armamento, viatura. No interior, falta rádio, falta papel higiênico", diz. 

Rodrigues diz que houve redução no efetivo da polícia e dos agentes carcerários, além de cortes na verba para o setor.

Ele calcula em 25% a perda salarial com a falta de reajuste pela inflação em quatro anos. Além disso, desde 2016, o salário dos servidores é pago de forma parcelada devido à crise financeira do estado. 
"Tive que recorrer ao cheque especial e pagar juros altíssimos para pagar o financiamento do meu imóvel, de R$ 1.600 por mês", afirma o policial civil Adilson Bispo.

"Não tem data certa de pagamento, é atraso em cima do atraso. Está todo mundo com dívida até o pescoço, trocando a data do vencimento do cartão", diz a policial civil Mag Dionísia.

Os servidores reclamam ainda que o governo desvia verba destinada ao instituto de previdência, que é descontada na folha de pagamento, mas não é repassada à entidade que cuida do atendimento e convênios de saúde. Segundo Rodrigues, o rombo é de R$ 3 bilhões.

Policial civil há 26 anos em Varginha (MG), Cláudia Márcia, diz que teve o atendimento médico negado em um hospital particular da cidade. "Cheguei com meu filho com asma e não me atenderam porque o governo não repassou a verba para o hospital."

RESPOSTA

Em nota, o governo Pimentel criticou o deputado Sargento Rodrigues por ter liderado a ação."O governo estadual condena veementemente a irresponsabilidade do ex-policial, já protagonista de outros episódios vergonhosos, que insuflou nesta quarta-feira uma claque a invadir o Palácio da Liberdade", diz o texto. 

O governo afirma que o cenário de queda dos índices de criminalidade no estado se deve ao trabalho da Polícia Militar e condena o que chama de "oportunismo político que ignora a crise herdada em gestões anteriores".

"A tentativa de desestabilizar a área de segurança, que apresenta os melhores resultados dos últimos sete anos, é ainda mais perigosa diante dos ataques criminosos a ônibus em 26 municípios mineiros", diz a nota.

Segundo Rodrigues, a manifestação não tem relação com os recentes ataques de facção criminosa no estado e já estava marcada há um mês. 

Em relação às reivindicações dos manifestantes, o governo de Minas afirmou que o parcelamento dos salários dos servidores ativos e inativos do Executivo está atrelado à atual crise econômica que levou a gestão Pimentel a decretar estado de calamidade financeira.

"Portanto, as datas estabelecidas no parcelamento estão diretamente relacionadas à possibilidade real de desembolso do Tesouro Estadual, considerando-se a entrada de recursos, sempre priorizando o compromisso de pagamento da folha", diz o governo.

O governo afirmou ainda que o parcelamento só atinge 25% do funcionalismo, aqueles que recebem mais de R$ 3 mil líquidos. E que não há previsão para o retorno do pagamento dos salários no quinto dia útil.

Sobre reajustes e reposição de perdas salariais, o governo diz estar impedido de concedê-los, pois já atingiu o limite com gastos de folha de pagamento estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. 

"Entretanto, é importante ressaltar que aumentos concedidos na gestão anterior —sem a devida previsão orçamentária— têm sido honrados pela atual gestão, numa demonstração de valorização dos servidores da Segurança Pública", diz a nota.

"Mesmo no cenário de crise, o governo honrou aumentos concedidos antes de 2015 e chegou a reajustar em 15% os salários dos policiais militares em abril daquele ano. O mesmo compromisso tem sido demonstrado com os pagamentos referentes a pensão e saúde", completa.

​REAÇÃO NEGATIVA

Em nota conjunta, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros afirmaram que o movimento, da forma como foi feito, prejudica e interrompe as negociações que o comando das corporações vinha fazendo com o governo e que tinha perspectivas positivas. 

"Ao percorrermos os sites da imprensa e redes sociais, constatamos uma reação extremamente negativa da população em desfavor do movimento, colocando de maneira contundente a opinião pública contra os integrantes das instituições de segurança do estado", diz o texto. 

"Fica evidente que o movimento foi organizado por pessoas que possuem interesses meramente eleitoreiros e político-partidários, e que a forma como foi conduzido em nada acrescenta aos interesses da classe da segurança pública."

A nota pede que os servidores reflitam e tenham responsabilidade e temperança, ressaltando que a livre manifestação e a luta por direitos são constitucionais. "Toda manifestação pública deve ser pacífica e ordeira, seguindo os ditames constitucionais, especialmente quando realizada por aqueles que têm como missão a manutenção da ordem pública."

O texto afirma ainda que, apesar dos direitos em atraso, o governo atendeu outras demandas mesmo em grave crise financeira e que as corporações militares tiveram tratamento diferenciado.

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