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Livro liga videogame a violência, mas peca em análise criminológica

Publicação traz perspectiva histórica de jogos eletrônicos no Brasil e no mundo

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Videogame e violência: cruzadas morais contra os jogos eletrônicos no Brasil e no Mundo

  • Preço R$ 59,90
  • Autor Salah H. Khaled Jr.
  • Editora Civilização Brasileira

Quase todos os usuários do Windows e/ou de consoles de videogame já devem ter se deparado com a famigerada "Blue Screen", também conhecida como "Tela Azul da Morte" (Blue Screen of Death ou BSoD, em inglês).

Trata-se de um erro fatal de sistema que trava os comandos e que coloca todos os dados do usuário em risco; um erro de conceito que boicota uma boa solução ou projeto.

E este parece ser o caso por trás de "Videogame e violência: cruzadas morais contra os jogos eletrônicos no Brasil e no Mundo", de Salah H. Khaled Jr.

O livro parte de forte inquietude do autor sobre a relação de causalidade entre videogames e violência e de como ela é operada para a disseminação do "pânico moral", que tende a se instalar em determinados momentos históricos nas sociedades modernas a partir da interação em espiral de um problema social (drogas, games, arte, música) com as reações que provoca na opinião pública, imprensa, grupos de interesse e políticos.

Garota joga vídeo game em feira de jogos em Boston (EUA) durante convenção Comic-Con - Jessica Rinaldi/Reuters

Porém, talvez na ideia de ocupar espaços nas disputas epistemológicas e até ontológicas que hoje são travadas entre diferentes teorias do conhecimento que informam os estudos sobre crime, violência e Justiça no Brasil, o autor radicaliza uma abordagem da Criminologia Cultural de hiper-relativização dos paradigmas científicos que valorizam o rigor estatístico e a produção de evidências e tenta construir uma aproximação do problema na lógica da produção de sentido do que é percebido como perigoso, violento ou criminoso.

E isso porque, para a Criminologia Cultural, a investigação não pode ser reduzida por modelos "ortodoxos" da metodologia científica e precisa buscar não tratar a experiência do desvio como um "objeto".

O desafio do pesquisador é produzir uma descrição densa do fenômeno analisado. Mas, a meu ver, não foi isso que "videogame e violência" fez.

O texto fica no meio do caminho entre uma instigante história dos videogames e das estratégias de marketing da indústria cultural e uma análise criminológica robusta acerca do papel que esses produtos de consumo assumem na produção de sentidos e de moralidades.

Não há discussão prévia sobre rotulação e significados que novas mídias ou comportamentos assumem nas representações sobre certo e errado que, no limite, são as bases morais e políticas da realidade.

Se assim o fizesse, o autor teria que ter dado mais destaque ao fato de que a sociedade ocidental tende a criminalizar o novo, o incerto e, por conseguinte, teria que ressaltar com mais ênfase que o pânico moral é operado por duas características-chave da contemporaneidade: risco e incerteza.

Ele não é produto de nenhuma conspiração "moralista" ou "conservadora" da grande mídia, muitas vezes vista de modo muito pejorativo no livro.

Dito de outra forma, a rotulação de algo como violento não corresponde apenas à experiência do real. Contudo, ao tentar denunciar este processo social e enaltecer os videogames, o livro acaba por reificar àquilo que ele próprio busca criticar.

O autor não percebe que o território de disputa de sentido do videogame não é o da moralidade, mas o da ética e o da política. Serão elas que vão determinar o significado histórico de uma inovação tecnológica ou cultural.

Infelizmente Salah posiciona a análise naquilo que acha certo e passa a ver a ação política dos legisladores e dos órgãos reguladores como ilegítima. Com isso, o livro perde fôlego.

Seja como for, se lido na perspectiva de história dos videogames no Brasil e no mundo, o livro nos traz um panorama minucioso de como esta mídia foi explorada pela indústria cultural e recebida pelos consumidores. É ótimo guia para a compreensão de alicerces do chamado "universo geek".

Renato Sérgio de Lima

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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