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Modelo de OSs na saúde avança com menor custo mas é alvo de polêmica

Parceria de organizações sociais com poder público completa 20 anos no país

Médicos em sala de cirurgia do Hospital de Transplantes do estado de São Paulo, que ganhou mais eficiência sob a administração de OSs
Médicos em sala de cirurgia do Hospital de Transplantes do estado de São Paulo, que ganhou mais eficiência sob a administração de OSs - Patricia Stavis/ Folhapress
Cláudia Collucci
São Paulo

Ao completar 20 anos, o modelo de parceria entre o poder público e as Organizações Sociais (OSs) está sob escrutínio de uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo que investiga irregularidades em serviços prestados em hospitais e unidades de saúde estaduais.

Criado por lei federal em maio de 1998, esse modelo está presente em 24 estados e mais de 200 municípios do país, tornando-se uma das principais alternativas de gestão no SUS.

São Paulo foi o primeiro estado a adotá-lo, ainda em 1998. Hoje existem cerca de 8.400 contratos de gestão (envolvendo estado e municípios paulistas), por meio do qual o poder público estabelece serviços a serem prestados e metas a serem atingidas.

Estudos da Secretaria de Estado da Saúde apontam que os hospitais sob gestão das OSs conseguem ser até 52% mais produtivos e custam 32% menos do que os da administração direta. Mas o modelo é alvo de muitas polêmicas.

Em São Paulo, um relatório do Tribunal de Contas do Estado enviado à CPI aponta 23 problemas em serviços de saúde geridos pelas OSs, como o descumprimento de metas estabelecidas e médicos em número insuficiente e desrespeitando escalas de trabalho.

Segundo o TCE, essas entidades receberam mais de R$ 50 bilhões dos cofres públicos paulistas (estado e municípios) nos últimos cinco anos —R$ 38 bilhões somente do governo do estado.

Para o conselheiro Renato Martins, presidente do TCE, o governo do estado falha na fiscalização dos contratos das OSs. “Não existe qualquer controle prévio para prevenir desvios ou descumprimentos”, disse ele à CPI, em maio.

Martins afirma que, embora haja fiscalização por parte do TCE, isso ocorre, em geral, apenas um ano ou mais depois que o problema já ocorreu.

Segundo o depu­tado Edmir Chedid (DEM), que preside a CPI, ao final dos trabalhos, a comissão deve propor mudanças na legislação, tornando mais rigorosos e transparentes os contratos firmados entre o poder público e as OSs.

“O controle hoje é muito frágil, baseado em prestação de contas via software”, diz. A CPI deve seguir até outubro.

Ele explica que foram descobertos casos de empresas controladas por servidores públicos que prestam serviços em hospitais administrados por OSs. 

“A legislação é clara. Servidor não pode ter relação comercial com o estado”, afirma.

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde diz que preza pela total transparência na gestão de seus serviços e que dispõe de mecanismos de monitoramento, fiscalização e controle dos serviços prestados pelas OSs. 

Reforça ainda que o “cumprimento dos contratos e as prestações de contas são rigorosamente verificados”.

NÃO HÁ COMPARAÇÃO

Na segunda (28), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que sancionou a lei das OSs, defendeu o modelo em evento comemorativo de duas décadas da criação.

“Ele [o modelo] não veio para substituir o Estado, mas para flexibilizar a gestão, permitir inovação. O setor privado pode e deve ajudar o público, desde que tenha controle e fiscalização”, disse.

Durante o evento, foram também apresentados diferentes exemplos de hospitais públicos que ganharam mais agilidade e eficácia com a gestão por meio de OSs.

O Hospital de Transplantes do Estado de São Paulo (antigo Hospital Brigadeiro) é um deles. Após passar do modelo de administração direta para o de OSs, em 2010, houve aumento de consultas, exames, cirurgias e transplantes.

Em 2009, quando ainda era administrado pelo estado, realizou 3.114 cirurgias. Em 2011, já sob gestão da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), o número pulou para 6.000. Em 2017, fechou com 7.636 cirurgias.

Além do aumento na produção, o hospital tem investido em novas tecnologias. 

Por exemplo, detém atualmente um aparelho único no SUS para tratamento do câncer de próstata. Faz operações de até uma hora e meia, com menor risco de complicações como impotência, incontinência urinária ou infecções comuns em cirurgias convencionais.

“O contrato de gestão por OSs é um excelente instrumento, traz metas quantitativas e qualitativas. Você não vê isso num hospital de administração direta. Isso traz uma transparência de quanto de dinheiro está entrando e quanto está saindo de produção e de qualidade assistencial”, declara Nacime Salomão Mansur, superintendente de hospitais filiados à SPDM.

Do ponto de vista científico, no entanto, não há estudos globais mostrando a superioridade de um modelo sobre o outro. 

“Como não há avaliação séria e consistente, nem defensores e nem adversários das OSs têm razão”, diz o professor da USP Mario Scheffer, um dos autores de estudo de revisão sobre o tema.

A médica Ana Maria Malik, coordenadora do FGVSaúde, concorda. Para ela, ainda não é possível medir resultados das OSs no país como um todo. 

“Há experiências positivas, mas cada local adota critérios diferentes. O resultado depende de como são estabelecidos os contratos, do que se pede e de como são seguidos.”

De acordo com Renilson Rehem, presidente do Ibross (Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde), o modelo cresceu de forma desordenada no país.

“Não é solução mágica. Exige a presença e o controle do estado para que dê certo.”

Segundo ele, o poder público não tem explorado todo o potencial das OSs. Se o gestor quiser, pode saber o que está acontecendo diariamente no hospital, por exemplo.

“Se uma secretaria deixa para descobrir três meses depois que existe um rombo de R$ 20 [milhões], R$ 30 [milhões], R$ 40 milhões é porque falhou. A OS agiu mal por incompetência ou má-fé e o Estado igualmente agiu mal por incompetência ou má-fé.”

Sobre as denúncias de irregularidades envolvendo OSs em várias regiões do país, Rehem diz que é preciso “separar o joio do trigo”.

“Há empresas disfarçadas de OSs que entram para ganhar dinheiro”, afirma.

O Ibross, que reúne as 20 OSs da saúde mais representativas do país, lançou recentemente um selo de acreditação às organizações que cumprem várias normas de segurança e de qualidade. O objetivo é atestar e reconhecer aquelas que têm um trabalho sério.

A ideia é que isso sirva de parâmetro para o gestor público na hora de escolher uma organização como parceira.

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