Ao completar 20 anos, o modelo de parceria entre o poder público e as Organizações Sociais (OSs) está sob escrutínio de uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo que investiga irregularidades em serviços prestados em hospitais e unidades de saúde estaduais.
Criado por lei federal em maio de 1998, esse modelo está presente em 24 estados e mais de 200 municípios do país, tornando-se uma das principais alternativas de gestão no SUS.
São Paulo foi o primeiro estado a adotá-lo, ainda em 1998. Hoje existem cerca de 8.400 contratos de gestão (envolvendo estado e municípios paulistas), por meio do qual o poder público estabelece serviços a serem prestados e metas a serem atingidas.
Estudos da Secretaria de Estado da Saúde apontam que os hospitais sob gestão das OSs conseguem ser até 52% mais produtivos e custam 32% menos do que os da administração direta. Mas o modelo é alvo de muitas polêmicas.
Em São Paulo, um relatório do Tribunal de Contas do Estado enviado à CPI aponta 23 problemas em serviços de saúde geridos pelas OSs, como o descumprimento de metas estabelecidas e médicos em número insuficiente e desrespeitando escalas de trabalho.
Segundo o TCE, essas entidades receberam mais de R$ 50 bilhões dos cofres públicos paulistas (estado e municípios) nos últimos cinco anos —R$ 38 bilhões somente do governo do estado.
Para o conselheiro Renato Martins, presidente do TCE, o governo do estado falha na fiscalização dos contratos das OSs. “Não existe qualquer controle prévio para prevenir desvios ou descumprimentos”, disse ele à CPI, em maio.
Martins afirma que, embora haja fiscalização por parte do TCE, isso ocorre, em geral, apenas um ano ou mais depois que o problema já ocorreu.
Segundo o deputado Edmir Chedid (DEM), que preside a CPI, ao final dos trabalhos, a comissão deve propor mudanças na legislação, tornando mais rigorosos e transparentes os contratos firmados entre o poder público e as OSs.
“O controle hoje é muito frágil, baseado em prestação de contas via software”, diz. A CPI deve seguir até outubro.
Ele explica que foram descobertos casos de empresas controladas por servidores públicos que prestam serviços em hospitais administrados por OSs.
“A legislação é clara. Servidor não pode ter relação comercial com o estado”, afirma.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde diz que preza pela total transparência na gestão de seus serviços e que dispõe de mecanismos de monitoramento, fiscalização e controle dos serviços prestados pelas OSs.
Reforça ainda que o “cumprimento dos contratos e as prestações de contas são rigorosamente verificados”.
NÃO HÁ COMPARAÇÃO
Na segunda (28), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que sancionou a lei das OSs, defendeu o modelo em evento comemorativo de duas décadas da criação.
“Ele [o modelo] não veio para substituir o Estado, mas para flexibilizar a gestão, permitir inovação. O setor privado pode e deve ajudar o público, desde que tenha controle e fiscalização”, disse.
Durante o evento, foram também apresentados diferentes exemplos de hospitais públicos que ganharam mais agilidade e eficácia com a gestão por meio de OSs.
O Hospital de Transplantes do Estado de São Paulo (antigo Hospital Brigadeiro) é um deles. Após passar do modelo de administração direta para o de OSs, em 2010, houve aumento de consultas, exames, cirurgias e transplantes.
Em 2009, quando ainda era administrado pelo estado, realizou 3.114 cirurgias. Em 2011, já sob gestão da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), o número pulou para 6.000. Em 2017, fechou com 7.636 cirurgias.
Além do aumento na produção, o hospital tem investido em novas tecnologias.
Por exemplo, detém atualmente um aparelho único no SUS para tratamento do câncer de próstata. Faz operações de até uma hora e meia, com menor risco de complicações como impotência, incontinência urinária ou infecções comuns em cirurgias convencionais.
“O contrato de gestão por OSs é um excelente instrumento, traz metas quantitativas e qualitativas. Você não vê isso num hospital de administração direta. Isso traz uma transparência de quanto de dinheiro está entrando e quanto está saindo de produção e de qualidade assistencial”, declara Nacime Salomão Mansur, superintendente de hospitais filiados à SPDM.
Do ponto de vista científico, no entanto, não há estudos globais mostrando a superioridade de um modelo sobre o outro.
“Como não há avaliação séria e consistente, nem defensores e nem adversários das OSs têm razão”, diz o professor da USP Mario Scheffer, um dos autores de estudo de revisão sobre o tema.
A médica Ana Maria Malik, coordenadora do FGVSaúde, concorda. Para ela, ainda não é possível medir resultados das OSs no país como um todo.
“Há experiências positivas, mas cada local adota critérios diferentes. O resultado depende de como são estabelecidos os contratos, do que se pede e de como são seguidos.”
De acordo com Renilson Rehem, presidente do Ibross (Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde), o modelo cresceu de forma desordenada no país.
“Não é solução mágica. Exige a presença e o controle do estado para que dê certo.”
Segundo ele, o poder público não tem explorado todo o potencial das OSs. Se o gestor quiser, pode saber o que está acontecendo diariamente no hospital, por exemplo.
“Se uma secretaria deixa para descobrir três meses depois que existe um rombo de R$ 20 [milhões], R$ 30 [milhões], R$ 40 milhões é porque falhou. A OS agiu mal por incompetência ou má-fé e o Estado igualmente agiu mal por incompetência ou má-fé.”
Sobre as denúncias de irregularidades envolvendo OSs em várias regiões do país, Rehem diz que é preciso “separar o joio do trigo”.
“Há empresas disfarçadas de OSs que entram para ganhar dinheiro”, afirma.
O Ibross, que reúne as 20 OSs da saúde mais representativas do país, lançou recentemente um selo de acreditação às organizações que cumprem várias normas de segurança e de qualidade. O objetivo é atestar e reconhecer aquelas que têm um trabalho sério.
A ideia é que isso sirva de parâmetro para o gestor público na hora de escolher uma organização como parceira.
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