Sarah desceu com o neto para a rua assim que o caminhão de frutas passou no centro de São Paulo, anunciando as melhores ofertas.
O menino atravessava em direção ao veículo quando tomou um puxão pelo braço: "Não, não. Continua em frente e não olha. Ele tem que chamar a gente". Dito e feito, e aquele era apenas o primeiro passo do processo de pechincha. "O maior prazer dela era conseguir um bom desconto", diz o filho Moysés.
Tornou-se uma hábil negociadora por necessidade. Estava na barriga da mãe quando os pais deixaram a região dos Cárpatos poloneses para vir ao Brasil, nos anos entre guerras. Do porto de Santos, os imigrantes judeus pegavam o trem para São Paulo e, ao descer na Estação da Luz, olhavam para o lado —o Bom Retiro— e se estabeleciam.
Nascida aqui, a menina teve mais facilidade com o idioma do que os pais. Assim, ainda criança passou a ajudá-los a conseguir preços melhores para a pequena confecção que tocavam para tirar o sustento.
A vida continuou batalhada mesmo após se casar, com Arnold. Os dois chegaram a beirar a privação alimentar, mas prosperaram, também na confecção e conseguiram que os dois filhos se formassem na USP —em engenharia e em medicina.
A resiliência de Sarah, porém, teve provações ainda mais duras. O pai morreu aos 68, por um infarto. Pouco depois, a mãe teve um AVC e ficou sob os cuidados da filha durante cerca de um ano antes de morrer. Arnold, o marido, também teve um infarto grave, aos 45, mas sobreviveu.
Theodoro, um dos filhos, contraiu o vírus HIV e definhou por Aids até a morte, numa época em que o tratamento ainda era incipiente. Arnold morreria anos depois. Foram muitos os golpes, mas ela cuidou de todos os seus "como uma leoa", diz o filho.
Brigadora, chegou a ser hospitalizada neste ano e passar pelo processo de ressuscitação por mais de uma hora, voltando lúcida para casa.
Morreu na terça (5), aos 91. Deixa o filho Moysés, quatro netos e oito bisnetos.
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