Motos a até 220 km/h nas marginais de SP deixam gestão Covas em alerta

Vídeos de infratores exaltam alta velocidade nas pistas expressas

Thiago Amâncio
São Paulo

"Motociclista faz manobras SUPER ARRISCADAS e OUSADAS no meio do trânsito, é loucura total, o cara é PURA ADRENALINA, assista esse vídeo mais nunca tentem fazer o que esse cara faz! (sic)"

Essa é a descrição de um vídeo intitulado "Motoqueiro Maluco a 250 km/h em pleno transito... loucura d++++", que mostra um motociclista na marginal Pinheiros, em São Paulo, e que tem 1,3 milhão de visualizações no YouTube.

No vídeo "Marginal a milhão radar nem me viu buscando nova moto do Race ZX10-r", com 45 mil visualizações, pode-se ver o velocímetro da moto passando dos 175 km/h na também marginal Pinheiros. O motociclista alerta "mais uma vez, não façam isso, galera", entre risadas e comemorações. Em mais de um momento, ele cruza com ambulantes no corredor entre carros a mais de 70 km/h.

Vídeos como esses, que exaltam altíssimas velocidades de motos nas marginais paulistanas, viraram motivo de dor de cabeça para a gestão Bruno Covas (PSDB), que decidiu acionar a polícia para tentar inibir os infratores e, nas últimas semanas, flagrou casos a 209 km/h e a 220 km/h.

Embora esse problema se repita em outras avenidas e principalmente rodovias, as pistas da Tietê e da Pinheiros entraram no centro das atenções desde a elevação dos limites de velocidade, em janeiro de 2017, pelo ex-prefeito João Doria (PSDB) —que havia feito a promessa nas eleições, sendo criticado por técnicos.

A máxima permitida, na ocasião, foi de 70 km/h para 90 km/h nas expressas.

No ano passado, a quantidade de mortes nessas vias subiu 31% em relação a 2016 —de 26 para 34, sendo que 22 deles eram motociclistas.

O secretário dos Transportes da gestão Covas, João Octaviano Machado Neto, diz já ter procurado a polícia para tentar agir contra motociclistas que abusam da velocidade e exaltam a prática na internet.
Um deles, afirma, já foi identificado. "Nós já pegamos o IP [do computador] dele, e a polícia vai prender esse menino aí", disse o secretário em evento da Folha na última semana.  

"Que elemento de fiscalização, de sinalização, de planejamento, supera a imbecilidade de um sujeito desses? Não tem", disse Machado Neto. "O cara, para andar a 200 km/h na marginal, o que vai acontecer? Ele vai virar estatística."

Agentes fiscalizadores afirmam que não podem multar os motociclistas por alta velocidade com base nos vídeos.

A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), ligada à prefeitura, diz que "não é permitido fazer autuação com base em imagens ou vídeos de terceiros disponíveis na internet", mas só quando a infração é presenciada.

Segundo a Secretaria da Segurança Pública, ligada à gestão Márcio França (PSB), "a autuação não pode ser feita com base nos vídeos do YouTube ou redes sociais". A PM pode autuar pessoalmente ou por videomonitoramento no momento da infração, mas é obrigatório o uso de radar para multar por alta velocidade.

Para o advogado Maurício Januzzi, presidente da comissão de direito viário da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), os vídeos servem de "começo de prova" para apurar eventual crime de trânsito de direção perigosa. "Eu posso baixar esse vídeo e encaminhar ao Ministério Público, que deverá requisitar a instauração de inquérito policial para apurar aquele crime", afirma. "O filme vai dar ensejo à investigação."

Segundo o promotor Arthur Pinto de Lemos Jr., é "de todo exigível que o fato criminoso seja apurado, mesmo que originário de vídeos divulgados pela internet".

Ele diz haver precedentes de investigações feitas pela Polícia Militar Rodoviária em Araçatuba a partir de vídeos publicados no Facebook. A denúncia pode ser feita ao Centro de Apoio Operacional da Promotoria, que ele coordena.

Em outubro passado, um motociclista foi pego pela polícia após repercussão de vídeo em que dirigia a mais de 400 km/h na rodovia dos Bandeirantes. Ouvido pela polícia em Jundiaí, perdeu a habilitação e teve a moto apreendida.

Participar de corrida ou disputa em via pública ou fazer manobras que coloquem pessoas em risco pode causar detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão do direito de dirigir, segundo o Código de Trânsito Brasileiro.

Motos são proibidas de circular nas pistas expressas das marginais e, desde junho do ano passado, também na central da Tietê, das 22h às 5h.

Em São Paulo, no ano passado, 311 motociclistas foram mortos no trânsito, quase três vezes mais que a quantidade de vítimas em carros (118) e atrás só de pedestres (331). Do total de vítimas (mortos e feridos), as motos somaram quase 50% dos acidentes.

Em 2017, 500 mil motociclistas foram flagrados em radares com velocidade excessiva, segundo dados da prefeitura, dos quais 8.278 estavam acima de 50% do permitido.

Ainda assim, motos são menos multadas do que carros. Com 13,5% da frota paulistana, elas representaram só 5,6% das infrações na cidade.

A principal explicação para isso é a dificuldade de fiscalização das motocicletas —tanto devido à ação de condutores que escondem as placas até mesmo com as mãos nos pontos onde há radares como às limitações dos equipamentos comuns para identificá-las.

Com isso, a CET contratou um sensor específico, chamado de radar-pistola, voltado para motos —mas que depende da presença de agentes.

O presidente do Movimento Brasileiro de Motociclistas, Luiz Artur Cane, chama a publicação desse tipo de conteúdo na internet de "extrema irresponsabilidade". "Eles prestam um desserviço à garotada que está começando a pilotar moto. Geram uma imagem negativa também", afirma.

"Essa falta de responsabilidade não é só de motociclistas", Cane ressalva. "O que mais tem também é vídeo de carro tirando racha", diz.

Existem vídeos dos dois tipos de veículo cometendo infrações juntos, como "Rachinha com Camaro amarelo -- acelerando muito forte!", com 2,6 milhões de visualizações.

Do mesmo canal do Camaro, há outro vídeo intitulado "Fui jogado para o acostamento por um caminhão quando eu estava a mais de 120 km/h" (1,8 milhão de visualizações). A reportagem tentou entrar em contato com o motociclista, mas não obteve retorno.

Na opinião de Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio e colunista da Folha, "é muito provável que vídeos como esses violem não só a lei mas os termos de uso das plataformas onde estão sendo postados". "Dessa forma, em caso de notificação, em geral o vídeo é removido", afirma.

"A questão é que é difícil fiscalizar, devido ao volume de conteúdo postado diariamente. No entanto, como recomendação, como regra geral, ajuda o fato de que qualquer usuário pode notificar a plataforma sobre essa questão, o que provavelmente levará à remoção do vídeo", completa.

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