Gastos com melhorias em parques de São Paulo ficam 5 anos congelados

Apenas R$ 6,8 mi de R$ 251 mi previstos foram investidos pela prefeitura

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Parque da Luz, na região central; capital dispõe de 22,6 m² de área verde por habitante
Parque da Luz, na região central; capital dispõe de 22,6 m² de área verde por habitante - Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo

A Prefeitura de São Paulo planejava investir mais de R$ 251 milhões na reforma e adequação dos 106 parques municipais entre 2014 e 2017. No entanto, gastou somente R$ 6,8 milhões —2,7% do previsto no PPA (Plano Plurianual), que contém a orientação e as prioridades das gestões.

Esse volume de investimentos ao longo de quatro anos, três sob Fernando Haddad (PT) e um sob João Doria (PSDB), mal seria suficiente para construir uma só creche. Com ele, não é possível bancar nem sequer um dia de subsídios à tarifa dos ônibus.

Na prática, houve congelamento de melhorias nos parques paulistanos. Ao final de 2018, sob Bruno Covas (PSDB), mesmo com a ampliação de gastos, serão completados cinco anos de investimentos tímidos nessas áreas verdes, que ainda têm seu futuro em xeque com a indefinição no plano de concedê-las à iniciativa privada.

Pela promessa de Doria, os usuários sentiriam mudanças com a desestatização, a partir de 2017. O plano atrasou e, neste mês, ficou em risco com a decisão do governador Márcio França (PSB) de barrar a cessão de parte do parque Ibirapuera, a “joia da coroa”.

Em meio ao imbróglio, os parques não recebem investimentos públicos, enquanto a expectativa de que serão reformados pelo setor privado está cada dia mais incerta. Os reflexos são sentidos em passeios, lagos e prédios em condições precárias.

Nos lugares distantes do centro, os problemas são mais visíveis. O caso do Jacques Cousteau, conhecido como parque do Laguinho, em Interlagos (zona sul), é emblemático da falta de investimentos.

O lago, principal referência do parque, recebe água de cinco galerias pluviais instaladas na região. Com a água da chuva chega também sujeira, esgoto e lixo, levando ao assoreamento das águas.
Segundo Maria Saharovsky, membro do conselho gestor do parque, o volume de água do lago já caiu pela metade.

O assoreamento fez com que o lago fosse tomado por uma infestação de plantas aquáticas (macrófitas), tornando-o predominantemente verde e parado para quem olha. 

Segundo Saharovsky, o nível de oxigênio da água também baixou, o que prejudica a sobrevivência dos animais que vivem no lago e também dos que passam por ali, como aves que vêm da Patagônia.

“Os recursos estão parados, não se faz desassoreamento, que seria uma medida importante enquanto não são retiradas as galerias. A Secretaria do Verde só envia funcionários para fazer roçagem, não 
faz a lição de casa. Não há um plano de manejo de espécies vegetais ou animais. O lago está morrendo”, explica.

Ela lista ainda problemas na fiação elétrica e nos encanamentos que, antigos, têm gerado curtos-circuitos e interdição de banheiros. 

O parque foi fechado para visitação após desentendimento entre prefeitura e associações locais, que acreditam que a administração tem que dar garantias de que o local não terá área verde prejudicada caso seja aberto para uso.

Os parques mais conhecidos também sofrem com a falta de investimentos. A despeito de receberem mais atenção em termos de manutenção e operação (R$ 418,4 milhões foram gastos entre 2014 e 2017), a sensação é a de que pararam no tempo, com intervenções pontuais advindas de fontes que não a gestão municipal, como doações de empresas e de organizações civis.

No caso do Ibirapuera, parque mais frequentado da cidade, com mais de 14 milhões de visitantes por ano: faltam locais para as pessoas se sentarem e se reunirem, como bancos e mesas, que estão quebrados, fora de padrão ou inexistem; falta vegetação em diversas áreas; há edificações abandonadas, como a antiga sede, na praça do Leão, com parte do telhado destruída.

“O Ibirapuera é um recorte do Brasil, inchado na operação com contratos ineficientes e sem investimento em melhorias estruturais. O departamento de parques não olha para a transparência como deveria e vive de esmolas em formatos de contrapartidas das taxas de eventos ou emergências para obras maiores”, afirma Thobias Furtado, diretor presidente da Parque Ibirapuera Conservação, organização sem fins lucrativos que desenvolve atividades de melhoria do parque.

“A qualidade dos córregos e do lago está esquecida e também a qualificação de bosques e áreas verdes”, completa Thobias, para então criticar o modelo de concessão proposto pela atual gestão municipal.

“O caderno de encargos [para a empresa que assumir o parque] parte desse modelo falho de concessão administrativa proposto: engessa investimentos importantes e não contempla melhorias vitais para o parque. Por outro lado, contabiliza e prioriza investimentos pesados em entretenimento que não foram legitimados como de interesse do parque pela população.”

O PPA, elaborado na gestão Haddad, previa R$ 74 milhões na readequação de parques em 2017 —ano em que Doria não aplicou recursos na ação.

Em relatório, o Tribunal de Contas do Município mostra preocupação com a falta de investimentos e aponta que a existência de parques que não respeitam critérios básicos de acessibilidade “pode colocar em risco a segurança dos usuários, além de privar alguns usuários de utilizar essas estruturas de lazer e contato com a natureza.”

A expansão do número de parques de 34 para mais de 100, realizada durante a passagem de Eduardo Jorge pela secretaria do Meio Ambiente (2005 a 2012, nas gestões Serra e Kassab), foi sucedida por uma redução da importância da pasta no orçamento da cidade, o que ajuda a compreender a precarização montante dos espaços.

Para os próximos anos, a projeção é modesta. No PPA elaborado pela gestão tucana para o quadriênio 2018-2021, projeta-se o investimento de R$ 13,8 milhões na ampliação, reforma e requalificação de parques. Em 2018, R$ 11,2 milhões serão gastos segundo esse cálculo. Em 2021, R$ 56 mil.

O parque da Aclimação, na zona sul, recebe esporadicamente investimentos de fontes alternativas, como emendas parlamentares. No entanto, muitas vezes o serviço não é executado de maneira satisfatória.
A advogada Eliana Lucania, presidente da associação de moradores do bairro e integrante do conselho gestor do parque, conta os problemas recentes na reforma do prédio da administração.

“Foi uma obra de quinta categoria com uma emenda parlamentar. Trocaram apenas metade das telhas do refeitório. Mantidas as telhas velhas, hoje ainda chove dentro do espaço”, explica.

Eliana diz que o parque não utiliza água de reúso e gasta muita eletricidade com instalações antigas. Segundo ela brinquedos dos parquinhos quebram e precisam ser trocados, a área de piquenique não tem estrutura mínima, mas falta verba. A advogada afirma ter dez projetos de revitalização de diferentes áreas do parque, mas que estão parados por falta de recursos.

O vereador Gilberto Natalini (PV) foi secretário do Verde da gestão Doria por oito meses e diz não ter conseguido “um centavo” da prefeitura para melhorar os parques.

“É um desastre. A questão ambiental tem importância ínfima para as gestões Haddad, Doria e Covas. Tive que organizar 105 mutirões populares em 76 parques para mantê-los funcionando”, afirma.

“Se eles não liberam recursos para custeio, imagine para investimento. É uma visão míope, que ignora a importância dos parques para a vida da cidade, para a qualidade do ar, na preservação de nascentes”, completa.

A falta de investimento alinha-se ao projeto de conceder os parques à iniciativa privada. Na iminência de repassá-los, não faria sentido colocar dinheiro em um momento de restrições orçamentárias.

No entanto, dificuldades têm se acumulado na concessão. Diante de pressão do governador Márcio França, Covas se viu forçado a retirar área pertencente ao estado do projeto de desestatização do Ibirapuera.

Ao obedecer a França, que disputará com Doria o posto de governador pelos próximos anos, o prefeito também tirou quatro parques periféricos do pacote de concessão. A empresa que eventualmente assumir o Ibirapuera terá que cuidar somente do parque Lajeado, no extremo leste, como contrapartida.

Gestões Haddad e Covas citam restrições orçamentárias

Em nota, a gestão Haddad diz que os poucos recursos destinados à readequação de parques entre 2014 e 2016 têm relação “com a crise econômica e o necessário contingenciamento de investimentos”.

“Foram readequados seis parques durante a gestão. O PPA foi elaborado numa perspectiva econômica absolutamente distinta do que se efetivou em termos de arrecadação. Garantiu-se o funcionamento do que existia.”

A atual Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, da gestão Covas, diz que o valor do orçamento aprovado para a Câmara para o ano de 2017 foi de R$ 68,5 milhões, “sendo que 27,74% deste valor foi disponibilizado para uso.”

A secretaria ainda complementa que o contingenciamento decorre, em parte, “do crescimento acelerado dos gastos com a Previdência, que tem comprometido a capacidade de investimento da prefeitura. O déficit previdenciário tem crescido cerca de R$ 80 milhões por mês, quantia que seria suficiente para realizar a manutenção de todos os parques por seis meses”.

A secretaria ainda complementa que não deixou de investir nas áreas verdes. Por meio de parcerias com a iniciativa privada, compensações ambientais e outras fontes teria conseguido melhorias no valor de R$ 21,5 milhões.

Por fim, afirma que o PPA prevê investimento de R$ 38,6 milhões para 2018, incluindo reformas, adequações e também a implantação de parques. No entanto, a pasta tem orçamento aprovado de R$ 3 milhões, sendo que com 95,19% do valor contingenciado. Sobre os valores reduzidos para os anos de 2019, 2020 e 2021, atribui ao processo de concessão de Ibirapuera e Lajeado.

Sobre o parque do Laguinho, diz que “já está em fase de viabilização de contratação do projeto básico para a obra de desvio das galerias pluviais”. Segundo a secretaria, a praça São Pancrácio, que faz parte do parque, está fechada para visitação “pois há a necessidade de adequações como acessibilidade, reparos no parquinho, nos equipamentos de ginástica e no deck elevado, que estão em fase de estudos.


Maior parte das regiões de SP têm índices baixos de verde

A situação ambiental da maior parte de São Paulo é crítica. Segundo levantamento de 2016 da Secretaria do Verde, 20 das 32 prefeituras regionais têm índices de área verde por habitante abaixo de 9 m², que é o recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

O índice engloba praças, parques e unidades de conservação. Na capital paulista como um todo, o índice é de 22,6 m² por habitante, turbinado por regiões como Parelheiros, com grande massa verde e índice de 358,79 m². Na área urbana, destaca-se negativamente Cidade Ademar (0,77 m²), na zona sul. Casa Verde/Cachoeirinha, na zona norte, (17,44 m²) tem valor elevado.

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