PF intima professor da UFSC após evento com críticas à polícia

Polícia viu ataques à honra de delegada em citações ao suicídio de ex-reitor

Retrato do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo no hall do Conselho da Reitoria da UFSC
Retrato do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo no hall do Conselho da Reitoria da UFSC - Caio Cezar/Folhapress
Wálter Nunes
São Paulo

A Polícia Federal investiga há cinco meses o professor de jornalismo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Aureo Mafra de Moraes, chefe de gabinete da reitoria, sob a suspeita de atentado contra a honra da delegada Erika Mialik Marena.

Erika deflagrou a operação Ouvidos Moucos da PF, que apurou supostos desvios de recursos federais na universidade. A delegada participou da Lava Jato, em Curitiba, até fevereiro de 2017, quando se transferiu para Florianópolis.

Já Aureo foi chefe de gabinete do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que, em outubro passado, atirou-se do sétimo andar de um shopping center da capital catarinense. O reitor havia sido preso 18 dias antes pela delegada, que o acusou de obstrução de Justiça —o reitor não era suspeito de desvios de recursos.

À época, Cancellier negou qualquer irregularidade e deixou um bilhete póstumo no qual responsabilizava a operação policial pelo suicídio. O professor Aureo nunca foi incriminado na operação.

O inquérito agora contra o professor foi instaurado porque policiais federais viram indícios de crimes de calúnia e difamação numa reportagem da TV UFSC, produzida por alunos, sobre o evento de aniversário de 57 anos da universidade, em dezembro.

O vídeo, de quase três minutos, mostra os festejos e registra uma “manifestações em defesa da universidade pública” e homenagens a Cancellier.

Aureo aparece na gravação em duas pequenas entrevistas. A primeira, de seis segundos de duração, resume-se a uma frase incompleta por causa da edição. “[A] reação da sociedade a tudo aquilo que nos abalou neste ano”, diz, numa referência à morte do reitor. Os policiais federais viram aí um indício de crime porque, atrás dele, havia uma faixa com críticas aos responsáveis pela Ouvidos Moucos.

 

“Agentes públicos que praticaram abuso de poder contra a UFSC e que levou ao suicídio do reitor” dizia o cartaz que estampava fotos de Erika Marena, da juíza Janaína Cassol, que decretou a prisão de Cancellier, e do procurador da República André Bertuol, responsável pela operação no Ministério Público Federal.

Também no vídeo aparecem uma faixa (“Não ao abuso de poder”) e pequenos cartazes onde se lê “Universidade rima com verdade e liberdade. Quem matou o reitor?”.

O chefe de gabinete da reitoria não faz menção à delegada nas entrevistas. Ao falar de Cancellier, Aureo diz que uma placa em sua homenagem “é um tributo a uma pessoa que nos deixou de forma tão trágica, tão abrupta, e que tinha um compromisso gigantesco com esta instituição, colocando no lugar de honra que todos os reitores desta instituição têm guardado, que é a galeria dos reitores”.

No mês passado, o delegado Germando Di Ciero Miranda intimou Aureo para que ele apontasse os responsáveis pelo evento, por autorizar a entrada dos cartazes e por coloca-los visíveis atrás dos entrevistados. Aureo declarou não saber responder essas questões e afirmou que a universidade não interfere e nem cerceia manifestações.

O delegado terminou a oitiva advertindo o professor. Ele estaria obrigado a comunicar a Polícia Federal sobre eventuais mudanças de endereço.

O atual reitor da UFSC, Ubaldo Balthazar, também foi questionado sobre o evento. Assim como Aureo, ele disse não ter responsabilidade pelas manifestações que aconteceram no local, mas que é política da academia não sufocar ou inibir qualquer protesto.

A investigação contra Aureo começou em 27 de dezembro, quando o agente federal Renato Rocha Prado informou à direção da PF em Santa Catarina sobre a existência do vídeo onde aparece a faixa com o rosto de Erika. No dia seguinte, o delegado Luiz Carlos Korff Filho concluiu se tratar de “possível ocorrência de crime contra a honra (calúnia ou difamação)”, mas que, para o caso seguir, era necessária a representação da ofendida.

Então, em 22 de janeiro, a delegada Erika solicitou oficialmente a instauração do inquérito policial contra os autores do protesto e dos gestores da universidade, que, segundo ela, teriam “aparentemente” participado e dado aval às manifestações. Em 13 de março a investigação foi oficialmente instaurada.

O relatório final da operação Ouvidos Moucos foi enviado pela PF para o Ministério Público Federal em 25 de abril de 2018. O documento foi assinado pelo delegado Nelson Napp, já que Erika havia sido transferida para chefiar a PF de Sergipe, em março.

O delegado acusa Cancellier de ter nomeado ou mantido em cargos de destaque um grupo de professores que abastecia uma suposta política de desvios de verbas de bolsas de estudo na UFSC e diz que o reitor só não foi indiciado por conta de sua morte. O delegado não apresentou nenhuma prova de que Cancellier teria se beneficiado de um suposto esquema criminoso.

Os desvios, segundo a Ouvidos Moucos, aconteceram de 2008 a 2016. Cancellier, porém, foi o único ex-reitor incriminado pelo delegado Nelson Napp, apesar de ter assumido o cargo em maio de 2016. Os reitores que comandaram a UFSC nos oito anos em que a suposta quadrilha atuava, Alvaro Toubes Prata (2008 a 2012) e Roselane Nekel (2012 a 2016), não foram alvo do relatório da Polícia Federal.

A Folha informou o departamento de comunicação da Polícia Federal de Santa Catarina sobre o teor da reportagem, questionou sobre o andamento do inquérito e enviou perguntas sobre a investigação. Não houve resposta.

A comunicação da Polícia Federal em Brasília também recebeu essas informações e questionamentos e informou que não pode se manifestar pois o caso é de responsabilidade da PF catarinense. 

Entenda o caso da UFSC

O que é a Ouvidos Moucos?

Operação da PF que investigava desvios de verba em bolsas de estudo da UFSC

Prisão Em 14/9/17, a pedido da delegada Erika Marena, operação prende seis professores e o reitor, Luiz Carlos Cancellier, por obstrução da Justiça

Soltura No dia seguinte, juíza determina a soltura, mas mantém decisão que os proibia de frequentar a UFSC

Suicídio Em 2 de outubro, 19 dias após a prisão, Cancellier se joga do 7º andar de um shopping de Florianópolis

Conduta Em novembro, é aberta uma investigação interna na PF para apurar a conduta dos policiais no caso. A sindicância concluiu que não houve irregularidades 

Honra Em março, PF instaura inquérito contra o professor Aureo de Moraes, ex-chefe de gabinete de Cancellier, por atentado contra a honra da delegada

Relatório Em abril de 2018, PF envia relatório final da operação à Justiça, indiciando 23 pessoas

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