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Sem medo, famílias de SP criam abelhas em casa e produzem o próprio mel

Espécies se adaptam à 'cidade grande' e são mantidas por alguns moradores

Tatiana Cavalcanti
São Paulo | Agora

Criar abelhas sem ferrão em casa tem sido um hábito cada vez mais comum em São Paulo, apesar de a cidade grande ser um ambiente hostil para esses insetos por ter poucas árvores ocas, local que elas costumam buscar para fazer as colmeias. A fila de espera para adotar um enxame chega a dois anos.

Mesmo assim, várias espécies se adaptam às metrópoles, sendo normalmente encontradas em lugares inusitados, como buracos de muros, telhados e postes ocos.

Além de proporcionar mel puro, a criação de abelhas ajuda a polinizar as plantas. Os insetos são inofensivos, afirma o gerente de loja Sidi Lucena, 39, que mora em uma casa no Jardim Ângela (zona sul).

“As abelhas brasileiras não têm ferrão e são mansas. Elas nos proporcionam um mel mais puro e mais rico. É o puro néctar, sem passar por processos”, afirma.

As filhas de Lucena, Mariana, 4, e Beatriz, 14, convivem com as mais de 15 espécies de abelhas criadas pelos pais em casa e não têm medo. “Calculo que tenha mais de 50 mil abelhas na minha casa”, diz Lucena, que chama a atenção para a diminuição das abelhas. 

“Os desmatamentos acabam provocando uma redução desses animais fundamentais para o dia a dia”, afirma.

O aposentado Nilmar Souza, 69, tem abelhas jataí em casa desde os anos 1970, na Casa Verde (zona norte). “Elas chegaram e se instalaram na caixa de correios. Tive que tapar, porque sempre tentavam colocar cartas e destruíam a vedação de cera delas. Hoje elas seguem vivendo lá, polinizando minhas plantas”, afirma.

A formação de uma nova colmeia acontece quando a abelha rainha virgem faz o voo nupcial, em que cruza com os zangões. Eles morrem, porque perdem parte do órgão durante a copulação. E a rainha se estabelece em um local, onde surge a colmeia.

O empresário André de Matos Alves, 38, afirma que cultiva colmeias em sua casa, em Osasco (Grande SP), há três anos porque “fui adotado por um enxame de abelhas jataí”, a mais comum em São Paulo.

Alves diz que as abelhas se instalaram inicialmente em uma mesa, dentro de uma gaveta em que ele guardava itens de churrasco. Mas elas foram embora. Quando voltaram, um ano depois, ele retirou as coisas da gaveta e até parou de fazer churrasco.

“Não queria que a fumaça as expulsasse dali”, diz. E desde então, de acordo com ele, as abelhas vivem ali. Elas são as primeiras das cinco espécies que ele hoje cria.

Alves extrai mel das colmeias para uso da família. Ele explica que cerca de 500 abelhas mandaçaia conseguem fazer 4 kg de mel por ano. O filho dele, Victor Paixão, 8, adora e até vai junto com o pai em eventos em escolas para explicar sobre as abelhas. “O Victor ama as abelhas. Ele explica, na linguagem dele, que as abelhas não fazem mal e são inofensivas”, afirma o empresário.

A recomendação para quem encontrar um enxame de abelhas é preservar o local, segundo Gerson Luiz Pinheiro, presidente da SOS Abelhas Sem Ferrão. Depois, é preciso ligar para uma associação credenciada para resgatar os insetos.

“No começo, quem chamava para um resgate nunca queria o enxame. Hoje todos querem ficar com ele”, afirma. Ele diz que após a transferência do enxame para uma caixa, é preciso apenas observar. “As abelhas se viram sozinhas, já que conseguem produzir sua alimentação, o mel.”

O veneno das abelhas com ferrão é usado como alternativa no tratamento de dores no corpo e outros males, segundo associações de apicultura.

Em São Bernardo do Campo (ABC), o apicultor Antônio Padovani Júnior, 62, conhecido como Toninho das Abelhas, cria esses insetos e recebe cerca de dez pessoas por dia que buscam as picadas medicinais. “Elas ajudam a aumentar a imunidade do corpo, pois as toxinas têm componentes que agem como anti-inflamatórios”, afirma.

A apiterapia é método que utiliza as picadas e produtos feitos pelas abelhas, como o mel, segundo o Ministério da Saúde, que em março a incluiu como procedimento oferecido pelo SUS.

Criar abelhas em casa é saudável, na avaliação do biólogo Magno Botelho Castelo Branco, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, mas é preciso manter a higiene rigorosamente em dia para que o mel não seja infectado por bactérias.

Os insetos não podem ter acesso a material sanitário, como lixo e fezes, afirma. “As abelhas devem ter contato apenas com as flores, para polinização”, diz Branco. 

O especialista afirma que as abelhas são importantes no dia a dia. “Um mundo sem abelhas causaria um prejuízo enorme à eficácia dos alimentos. Cerca de 70% da nossa alimentação depende delas.”

Branco diz que as abelhas sem ferrão, como são as cerca de 300 espécies nativas do Brasil, não oferecem perigo de picadas ou toxinas.

Já as com ferrão devem ser criadas apenas por especialistas ou em sítios. Ele lembra que a importação de abelhas europeias causou muitas mortes nos anos 1960, por causa de um acidente biológico que permitiu o cruzamento dessas com espécies africanas, mais robustas. “O ataque dessas abelhas híbridas matou muita gente à época”, conta.

Sobre a apiterapia, ele diz que é preciso tomar alguns cuidados. “As toxinas delas têm potencial terapêutico. O veneno acaba virando remédio, mas precisa ser aplicado na dose certa por especialista e com recomendação médica.”

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