Troca de pastilhas antigas do Copan vira disputa entre prédio e prefeitura

Reforma do cartão postal tem sido adiada por briga sobre o revestimento

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Fillipe Mauro
São Paulo

Uma longa queda de braço entre moradores do edifício Copan e o Conpresp (conselho do patrimônio histórico da cidade de SP) tem postergado o fim da reforma do célebre cartão postal paulistano, inicialmente prevista para o final do ano passado.

O motivo do imbróglio, que se estende há quase quatro anos, é o material e a dimensão dos mais de 46 mil m² de pastilhas brancas e acinzentadas que revestem a fachada do prédio, concebido na década de 1950 pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

A administração do Copan quer usar pastilhas de vidro na reforma, mais baratas e compatíveis com o orçamento do condomínio. Já o Conpresp, que tombou o edifício em 2012, não abre mão das pastilhas cerâmicas originais –raras e até cinco vezes mais caras que as convencionais.

O dilema começou durante o processo de tombamento, quando pedaços da fachada começaram a despencar, riscando carros e ameaçando pedestres. Devido à ação do tempo, parte dos vergalhões da estrutura enferrujou e se dilatou, expelindo as pastilhas e fragmentos do reboco.

"Chamamos imediatamente engenheiros e fizemos testes. Todos concluíram que, tecnicamente, a escolha das pastilhas era indiferente, ainda que, a rigor, o material de vidro fosse mais impermeável contra infiltrações do que a cerâmica", afirma Affonso de Oliveira, síndico do Copan há mais de 20 anos.

De acordo com um parecer técnico emitido em 2015 pelo escritório Arco, uma das perícias contratadas pelo Copan, "os dois tipos de pastilha empregados não apresentaram diferença significativa quanto ao desempenho de aderência [...], sendo ambos adequados".

No entanto, no momento de realizar a reforma, o Conpresp suscitou questionamentos sobre os possíveis danos da reforma ao edifício.

À Folha a Secretaria Municipal de Cultura, responsável pela administração do Conpresp, afirma que a obra não foi autorizada porque as pastilhas de vidro propostas pelo Copan possuem "características visuais completamente diferentes do material cerâmico", o que produziria "impacto visual" e mudança da "percepção do bem tombado".

Questionada se haveria espaço para uma solução de consenso entre prefeitura e moradores, a secretaria disse que "obras de restauro permitem algumas alterações em relação à configuração original" e se coloca à disposição do condomínio para "analisar alternativas". Mas ressalva que, neste caso, é certo que "o material descaracterizaria o edifício, inviabilizando a aprovação".

Em 2017, o impasse parou nas mãos da promotora Claudia Cecilia Fedeli. Em audiência entre as partes, ela avalizou a interdição da obra pelo Conpresp e intimou a administração do Copan a instaurar edital para a compra das pastilhas originais. O síndico afirma que, em breve, abrirá a concorrência pública e que só não o fez ainda porque aguarda o resultado de mais alguns últimos orçamentos.

"A verdade é que tudo já era para estar pronto. Só quero mesmo é concluir essa reforma pelo amor que tenho ao Copan e depois ir embora pescar no interior", ele afirma. 

Obter as primeiras pastilhas do revestimento do Copan não é tarefa simples.

A fabricante original das peças foi a companhia Jatobá, com sede em Vinhedo, a 75 km de São Paulo, e que hoje está em processo de falência e recuperação judicial. 

Trata-se da mesma empresa que, no passado, revestiu outras emblemáticas construções de São Paulo, como o edifício Martinelli, o Viaduto Santa Efigênia, a Bienal do Ibirapuera e o edifício Altino Arantes, conhecido como prédio do Banespa.

Segundo o síndico, representantes da Jatobá lhe disseram ainda ser possível atender a demanda do Copan. "O problema é que a cor é a mesma, mas as medidas das pastilhas de hoje não batem em alguns milímetros com as de antigamente. Teriam que adaptar as formas, tornando o que era caro, exorbitante".

Pastilhas novas de vidro têm preço médio de R$ 40 por m², ao passo que as pastilhas originais cerâmicas chegam à faixa dos R$ 180 por m². A estimativa é que a renovação da fachada do Copan custe R$ 23 milhões ao condomínio. Hoje, Affonso afirma que sua administração já conta com R$ 17 milhões. Mas esses valores não incluem, por exemplo, a substituição dos caixilhos das janelas, que custariam cerca de R$ 7 milhões adicionais.

O Copan, localizado no número 200 da avenida Ipiranga, no centro de São Paulo, foi concebido pelo arquiteto Oscar Niemeyer em 1954, como parte das celebrações do quarto centenário da cidade.
A construção, no entanto, teve início apenas em 1957 e só foi concluída em 1966.

Trata-se da maior estrutura de concreto armado do Brasil, com 115 metros de altura, 32 andares e 120 mil m² de área construída. Um total de seis blocos abriga mais de mil apartamentos, nas mais diversas plantas. Estima-se em 5.000 o número de condôminos do edifício.


DEPOIMENTO: Varrer os quebra-sóis pode fazer despencar fileiras inteiras

Guilherme Genestreti

Quando desgrudam, as velhas pastilhas parecem tabletes de chocolate velho, daqueles que ficam duros e embranquecidos com o tempo. O mero ato de varrer os brise-soleils, os quebra-sóis que dão cara à fachada do Copan, pode fazer desprender fileiras de seis, sete, às vezes oito peças em pedações inteiros.

Isso quando elas não caem sozinhas, salpicando esse nosso horizonte de concreto. Vez ou outra, quem mora para o lado do prédio que dá para a avenida Ipiranga ouve um estampido: é mais uma das milhares (ou seriam milhões?) de pastilha caindo sabe-se lá de que andar e batendo contra o vidro da janela.

Antes da reforma, quando os primeiros fragmentos começaram a cair, um pedaço de reboco despencou e atingiu um cachorro que passeava no térreo. 

O bicho morreu e, desde então, uma rede de proteção envolve o prédio.

A tela é um perigo —não por causa dela, claro, mas porque tem muito morador que insiste em jogar bituca de cigarro pela janela. Se uma delas, acesa, resvalar na rede de proteção pode acontecer um incêndio.

Limpar o brise de onde se desprendem as pastilhas é tarefa infernal. Brotando das frestas delas, a sujeira incrustada dá um aspecto de quintal sujo ao quebra-sol que quase me impele a ligar um esguicho, para arrepio de qualquer consciência ambiental ou apreço pelos vizinhos de baixo.

Numa assembleia de moradores acontecida neste ano, consta que o síndico, o “seu Affonso”, foi emparedado sobre a demora da reforma, que se arrasta faz anos. Ele teria respondido que não há mais quem fabrique pastilhas nas dimensões e quantidades exigidas no projeto do edifício.

Do vizinho do bloco ao lado, o também jornalista da Folha Guilherme Magalhães, ouvi a história de que já se cogitou até salpicar o edifício com pastilhas brancas, mais baratas (as originais são cinzentas).

A ideia me dá um arrepio. Imagino o prédio reluzindo feito parede de banheiro em meio ao panorama cinza do centro da cidade.

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