Vira-lata ganha fama na av. Paulista após alertar moradores sobre incêndio

Cadela de morador de rua ficou conhecida na região

Angela Pinho
São Paulo

Antigo endereço da elite paulistana, a avenida Paulista, que já abrigou moradores com título de nobreza, recebe nos dias de hoje uma fidalga de outra espécie.

Com tons de bege e fita verde no pescoço, a vira-lata Duquesa, que já era conhecida na região, ganhou ainda mais prestígio —assim como ração, roupinhas e afagos— desde que ajudou a alertar para um incêndio no mês passado.

Eram 2h quando ela começou a latir e acordou seu dono, o morador de rua Pedro Paixão, o Max, 56, que há pouco mais de um ano dorme com ela na esquina da avenida com a rua Haddock Lobo, no bairro dos Jardins.

Assustado com o barulho, ele olhou para cima e viu: o apartamento do quinto andar pegava fogo. Tocou a campainha do prédio e passou a gritar para os moradores, com ajuda de um funcionário de uma construção.

Os vizinhos ouviram o ruído e conseguiram deixar o edifício a tempo de os bombeiros controlarem o fogo —duas pessoas foram socorridas após inalar fumaça.

Desde o ocorrido, as doações para Duquesa se avolumaram, conta Max. O cartaz colado por ele no carrinho de supermercado que traz consigo há tempos já fazia o pedido, com uma indireta bem direta: “A Duquesa é bem cuidada graças à sua ajuda.”

Para aumentar o alcance da mensagem, um dos frequentadores da avenida resolveu fazer um banner com dizeres semelhantes.

Duquesa não se satisfaz com pouco. Na última terça (27), enquanto Max esperava alguma refeição doada, ela se deliciava com seu pote de ração, mistura de um produto de marca com um mais barato para equilibrar preço e sabor.

“Ela é meio enjoada para comer”, explica ele, que, duas vezes por semana, serve à cadela “comida de gente”: “arroz, angu de fubá e pescoço de frango moído”.

O preparo é feito em um barraco perto da praça Marechal Cordeiro de Farias, também conhecida como praça dos arcos, ali nas redondezas. É onde guarda alguns bens e passa parte do dia, depois de catar latinha à tarde. A noite e a manhã ele passa na avenida.

Max conta que é sua segunda passagem pela Paulista. Natural de Bom Jesus dos Perdões, no interior de São Paulo, ele se mudou para a capital para trabalhar como cozinheiro.

Diz que perdeu o emprego há cerca de dez anos, após desenvolver incontinência urinária, mas não quis lembrar o que o levou a morar na rua.

Conta que foi já nessa situação que conheceu a cadela Duquesa, ainda no ventre da mãe, a Rainha. 
Max a conheceu em um dia de chuva no centro. “Olhei para ela e falei: ô minha rainha, vou cuidar de você.

O nome ficou.” Quando ficou prenha, ele não teve dúvida: “o primeiro que nascesse eu ia chamar de Príncipe, e o segundo, de Duque, porque é um título de nobreza que o príncipe dá ao irmão”, diz Max, ensino médio completo, antes de explicar: “sempre gostei de história”.

Nasceram duas fêmeas, a Princesa e a Duquesa. Rainha morreu no parto, e Princesa acabou fugindo. 
Duquesa ficou e teve duas ninhadas, cuidadas com a ajuda de frequentadores da região.

Eles pagaram vacinas e remédios, a castração após o parto, e se organizaram para procurar a cadela quando ela sumiu, no fim do ano passado. As crias foram doadas para moradores da região.

Entre os novos donos, um casal ainda leva o cão para visitar a mãe, conta Max. “São publicitários, falaram que vão fazer um biscoito com o nome da Duquesa. Preciso pensar na receita”, diz.

Ele também pensa em outro produto customizado, na onda da fama: canecas com foto da cachorra e os dizeres “a Duquesa é bem cuidada graças a esta caneca que você comprou.”

Enquanto Max contava os planos na última terça-feira, Duquesa se afastou para ver a movimentação na Haddock Lobo. Sem anunciar a interrupção na conversa, ele mudou o tom de voz e se dirigiu a ela. “Tô te vendo, viu”, disse.

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