“Foi um acidente, não queria matar ninguém!” e “Mulheres estão morrendo, precisamos descriminalizar o aborto!”.
Há alguma conexão entre essas duas frases, além da dura referência à morte?
Permitam-me lançar um olhar sobre uma lei que recentemente completou 10 anos, a Lei Seca, que estabelece que constitui crime dirigir sob a influência de álcool, e outra que é de 1940, o Código Penal Brasileiro, que alguns demandam modificar, nos artigos referentes ao aborto, porque, dizem, “não adianta criminalizar, as mulheres continuam fazendo, mas de forma insegura”.
A Lei Seca foi, com razão, aplaudida pela sociedade brasileira, por buscar inibir um comportamento em que a pessoa coloca em risco a vida alheia e a própria. Depois de dez anos de sua implantação, houve redução em mais de 14% no número de mortes por acidentes de trânsito.
Este ano entrou em vigência outra lei, que aumentou a pena para quem, dirigindo embriagado, provoca morte ou lesão corporal em outrem.
Todos os dias, entretanto, inúmeros motoristas são flagrados com a mistura de álcool e direção. Será esse um indicativo de que essas leis são inúteis e deveriam ser revogadas? A meu ver, apenas se evidencia a complexidade do comportamento humano e a demanda por políticas públicas que superem, sem omiti-la, a simples punição.
É necessário um árduo trabalho de mudança de mentalidade, que construa a consciência de que somos livres para beber e para dirigir, mas não podemos fazer ambos ao mesmo tempo.
Proibi-lo não é desrespeito à liberdade individual, é reconhecimento de que dirigir embriagado é ato danoso à sociedade e com potencial de ceifar vidas, mesmo que não haja intenção direta de matar.
Já o aborto sempre ceifa uma vida humana inocente, com o agravante de ser a do próprio filho ou filha.
O número de semanas contadas a partir da fecundação, que é sempre o ponto de referência, impossível utilizar outro, e o estágio de desenvolvimento desse filho ou filha pouco interfere na realidade de que foi ceifado o seu futuro, certamente muito mais rico do que o seu presente.
Dizer que temos direito à vida é justamente garantir o nosso futuro. Ter vivido mais anos, ou mais semanas, não nos dá mais direito à vida. Em uma calamidade, procuram-se salvar primeiro as crianças, não porque tenham mais direito, mas de certa forma porque tem mais vida a perder. É lei da natureza que as gerações se sucedam.
E não por acaso usa-se essa mesma palavra, geração, para significar o momento da fecundação e o conjunto de pessoas de idades próximas. É a “passagem de bastão” da humanidade, rumo ao futuro.
Alguns preveem futuros sombrios para as crianças que são abortadas, como se tirar-lhes a vida fosse quase fazer-lhes um favor. Mas a vida sempre surpreende, e se um futuro não vivido, porque ceifado, fica em hipótese, vidas reais mostram quanto pode ter-lhes sido tirado.
Temos o testemunho de pessoas que escaparam por pouco do aborto, e aí se contam Cristiano Ronaldo, Rogério Ceni, Thiago Silva, Celine Dion, Andrea Bocelli... Steve Jobs, fundador da Apple, foi dado para adoção.
Como podemos dizer que não seria crime roubar-lhes o futuro, quando ainda no ventre de suas mães?
Quantos casais aguardam nas filas de adoção por uma criança à qual possam chamar de filho. Sempre existem alternativas diferentes do aborto, por isso a simples dicotomia entre aborto legalizado ou clandestino não atende à complexidade da questão.
É evidente que, como no caso da Lei Seca, criminalizar não basta para inibir a prática, mas é um componente essencial da política pública, que não pode omitir outras ações, como a educação para se evitar a gravidez indesejada, o apoio a gestantes em crise e o desenvolvimento de uma cultura que saiba valorizar a vida própria e a alheia.
Como diz a frase amplamente pronunciada na Argentina nos últimos dias: defendemos as duas vidas, a da mãe e a do filho.
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