Coreanos de SP replicam tradição com profecia e joia para bebês de 1 ano

Criança é exposta a série de símbolos que remetem a diferentes profissões

Thais Lazzeri
São Paulo

Ben, 1, será empresário. O vaticínio soa exagerado, mas não segundo a tradição sul-coreana. Foi durante a celebração de seu primeiro aniversário que o pequeno selou seu destino profissional.

Como manda a tradição, o bebê é exposto a uma série de símbolos que remetem a profissões, como médico, advogado, empresário, esportista e cantor, entre outras.

Para a profecia se concretizar, no entanto, a criança não pode segurar e soltar o objeto rapidamente.

Por isso, não entraram na conta as vezes em que Ben jogou longe o martelo de plástico azul, que simbolizava a carreira de advogado, o lápis com ilustração de Snoopy (escritor, quem sabe?), um microfone colorido para os artistas e uma bola de golfe, o esporte eleito da comunidade coreana. Futebol?

Ben nem quis saber da bola dourada, posicionada estrategicamente ao fundo da "mesa das profissões".

"As crianças na Coreia são reis. Principalmente os meninos", afirmou a mãe, Lis Ogata, 31. Para os coreanos —ou os casados com um, como Ogata, brasileira com ascendência japonesa—, comemorar a festa de um ano, com pompas, não é uma opção.

"Independentemente da classe social, todos fazemos. É um rito de passagem", afirma o pai de Ben, o empresário Doo Jin Kim, 33, que migrou com a família aos 3 anos. Após irem ao Paraguai, vieram para o Brasil, onde começaram a trabalhar com confecções —hoje controlam quatro lojas.

A explicação para tamanha celebração que se replica no Brasil —onde há uma comunidade coreana próxima de 50 mil pessoas— está no passado trágico do país asiático.

"A Coreia já teve um alto índice de mortalidade infantil. Então, valorizar o primeiro ano tornou-se uma tradição muito forte. Foi tão importante que na Coreia a criança, quando nasce, já conta como 1 ano de idade. Quando completa 12 meses ele já teria 2 anos de idade", afirma In Sung Park, do Consulado Geral da República da Coreia.

Agora, a taxa de mortalidade infantil no Brasil chega a 14 por mil nascidos vivos, contra menos de 4 na Coreia do Sul.

Em São Paulo, coreanos criaram uma rede de serviços para atender aos rituais de festas da comunidade —nascimento, primeiros cem dias de vida do bebê, primeiro ano, casamento e velório.

Na festa de Ben, as fotos foram clicadas pelas câmeras da Lolly n' Pop, empresa de coreanos especializada em bebês e famílias. O menor pacote de serviços, que inclui quatro horas de festa e entrega de todo material editado, custa R$ 750.

A Bonga ficou responsável pelas lembracinhas, os toks. Conhecido como doce da prosperidade, alguns são envoltos em uma camada escurecida cujo objetivo é espantar o mal olhado.

A decoração poderia ter saído de uma das três firmas especializadas (Park's Decorações, D-Day Eventos e Kindim Eventos), mas foi a tia materna de Ben, Priscila, quem se encarregou dos adornos.

No último dia 28, um sábado quente de julho, dentro de uma churrascaria uruguaia em Higienópolis, Ben recebeu os convidados para celebrar seu primeiro ano.

O bebê, como preza o ritual coreano, vestia um hanbok, traje típico usado na sociedade coreana há mais de cem anos. 

Mãe e avó paterna usavam a versão feminina da veste, composta por uma jaqueta curta, com fecho frontal em laço e mangas largas, e uma saia.

O hanbok da mãe de Ben, rosa com vinho, foi confeccionado pela estilista fashionista —e coreana— Lee Young Hee (1936-2018) por US$ 5.000 —traje que deve ser repetido em outras celebrações. Hee se especializou no traje para difundir a tradição no Ocidente.

Na festa, ao contrário dos brasileiros (que eram em torno de metade dos 60 convidados), os coreanos não levaram sacolas com presentes. Dentro das bolsas das mulheres, caixas de joias —algumas em formato de bichinho— ou pequenos pacotes de tecido recheados de dinheiro, o chamado buju, eram a lembrança.

"Os pais de amigos retribuem o que receberam. Em geral, funciona assim", diz Kim, sobre as prendas, que podem alcançar R$ 10 mil —e que também ajudam a pagar a festa.

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