Espaço para moradores de rua perde a sua freira 'gerentona' em São Paulo

Maria Aparecida Azevedo, a irmã Rosina, 92, fundou um centro de convivência

Thaiza Pauluze
São Paulo

Francisco Divino da Paz, 57, anda uma hora todos os dias do centro de acolhida para moradores de rua da prefeitura na Mooca, na zona leste, até a alameda Dino Bueno, na região central de SP. O local é próximo ao fluxo de viciados da cracolândia, onde costumava viver. Há um ano, porém, o destino é outro: almoçar no Centro de Convivência São Vicente de Paulo.

Não é por falta de outras opções. “Eu faço questão de andar porque aqui é diferenciado, sabe?”, diz o ex-caminhoneiro, evangélico e nascido em Quatá, no interior paulista.

A diferença para Francisco e tantos outros é Maria Aparecida Azevedo, a irmã Rosina, freira vicentina que abriu a casa há 21 anos. Ela comandava pessoalmente, de segunda a sábado, de 6h30 às 18h, o trato de 600 moradores de rua, com café e almoço (para os acima de 55 anos), e a sopa à tarde (para os mais jovens).

Cuidou, até os 92 anos, de várias frentes: preparação da comida, controle de estoques, finanças, doações e recepção.

Dorival Ferreira, 60, conhece a rua há 15 anos e o espaço há uma década. Segundo ele, com Rosina, “não tinha discriminação, julgamento, não queria saber se você era a, b, c, negro, sujo”. Tampouco perguntava passado ou religião, diz o paulistano, que não segue nenhuma doutrina. “Aqui a gente tem refeição, roupa limpa, podemos tomar banho, fazer documentos, cortar o cabelo. Dignidade, né?”

Rosina ensinou os 17 funcionários envolvidos na logística o seu jeito de cozinhar, “como se fosse na minha casa”, dizia. Às 11h30 desta terça (31), o cardápio era picadinho de carne, abóbora, arroz e salada de alface. A sobremesa, mamão.

Francisco elogia o menu. “A comidinha é saudável, bem temperada, feita com carinho mesmo.” Está demorando para sair, mas a feijoada é excepcional, ele dá a dica.

Só que tem mais motivos para gostar tanto do local. Em outros centros de acolhida, o ex-caminhoneiro diz ter encontrado violência e descaso. “Tem briga, não nos tratam bem.” Já a religiosa, “queria nos ver longe daqui, mas numa coisa melhor, né? Sempre vinha dar uma palavra de apoio, incentivo”.

O embrião do centro criado por Rosina começou na alameda Barros, ali perto. Numa das casas da congregação belga Irmãs Vicentinas de Gysegem, a irmã usava um corredor para cozinhar e servir os mais pobres, que faziam fila.

Ela sofria pressão dos moradores do bairro de classe média, mas sabia que para muitos aquela era a única refeição do dia e se recusou a parar até ter o espaço atual.

Rosina levava a sério suas atividades filantrópicas. Nascida em Mogi das Cruzes (SP) e mandada para um internato na capital após a morte do pai, a irmã fez os primeiros votos de pobreza, castidade e obediência em 1947.

“Ela sentia como se fosse definitivo, porque já tinha certeza da vida religiosa e da missão de trabalhar com os pobres”, conta Maria Enir Loubet, 71, a irmã Enir, que agora assume o comando do centro de convivência.

Nos anos 1960, terminado o Concílio Vaticano 2º, que instituiu uma renovação na igreja, seria irmã Rosina a responsável por rever a maneira como o braço brasileiro da congregação belga lidaria com os marginalizados. Uma das medidas foi simplificar o hábito usado por elas, para aproximá-las das pessoas.

Nessa época, a religiosa já era incansável na defesa de crianças ajuizadas —fundando um centro para acolher 120 delas. E atuava como diretora nos primeiros anos do Amparo Maternal. A maternidade gratuita, na Vila Clementino, zona sul, acolhia mulheres vulneráveis num albergue ao longo da gravidez e fazia cerca de 40 partos por dia.

Aos poucos, Rosina percebeu que era o dinheiro do aluguel que sacrificava a renda e até a alimentação dessas mulheres. Fundou, então, a ONG Sociedade Pró Moradia.

E se engana quem pensa que a vicentina guardava os domingos —dia sagrado de descanso para os católicos. Era quando preparava, em casa, quentinhas para moradores de rua que iam à sua porta. Nas poucas horinhas vagas, sentava em frente à TV e fazia crochês de mantas para crianças carentes ou para vender no bazar em benefício das obras filantrópicas. 

Irmã Rosina morreu no dia 21 de julho, aos 92, após luta contra um câncer no intestino. Seu velório e sua missa ficaram lotados daqueles que ajudou em vida. "O princípio de Deus era o amor, era olhar para o outro como seu semelhante. Era o que ela fazia. E isso não tem preço", diz Francisco.

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