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Interventores reveem promessa no RJ e acirram embate entre as polícias

Permissão para que PM registre crimes leves deve ser retirada de plano inicial

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São Paulo

O Gabinete de Intervenção Federal do Rio de Janeiro voltou atrás e decidiu reavaliar um assunto que é alvo de histórico debate entre as polícias no país: o Termo Circunstanciado de Ocorrência feito pela Polícia Militar.

A medida permitiria que policiais militares registrassem (em tablets, por exemplo) infrações leves no momento da ocorrência e mandassem as informações diretamente à Justiça, sem precisar levar o suposto autor a uma delegacia. Hoje esse serviço é feito só pela Polícia Civil no RJ.

O estado está sob intervenção federal na segurança desde 16 de fevereiro, o que significa que as polícias e o sistema penitenciário estão sob a responsabilidade do governo federal. A medida é inédita no país e vale até dezembro.

A mudança na função da PM estava prevista no Plano Estratégico da Intervenção, documento que detalha todas as metas e ações que o general Walter Braga Netto, nomeado pelo presidente Michel Temer (MDB), pretende cumprir até deixar o comando.

Agora, porém, a alteração está sendo reavaliada pelo gabinete, segundo uma declaração entregue à associação de delegados do RJ e assinada pelo assessor de inteligência da intervenção, coronel Carlos Augusto Ramires Teixeira.

A justificativa no texto é que "a complexidade do tema carece de estudos mais aprofundados" e que a reavaliação será feita para "verificar a plausabilidade ou não de implementação" da prática.

A quatro meses de seu fim, a intervenção prepara uma revisão do Plano Estratégico, prevista para ser divulgada em setembro. A possibilidade de a PM registrar crimes de menor potencial ofensivo deve ser um dos pontos excluídos na nova versão.

De um lado, o recuo frustrou entidades que representam policiais militares. De outro, foi comemorado por associações de delegados. É mais um capítulo de uma antiga briga cultural e judicial por atribuições entre as polícias.

"Há uma teimosia da classe de delegados, não se considera o cidadão", diz o coronel Marlon Jorge Peza, presidente da Feneme (federação nacional de oficiais militares estaduais), que defende a pauta da PM há anos.

"Existe uma visão classista da PM. O que se pretende é exercer atribuições da Polícia Civil, não é uma pauta da sociedade", rebate o delegado Rafael Barcia, presidente do Sindelpol (sindicato dos delegados do RJ) e um dos autores de um requerimento que a intervenção considerou antes de rever a medida.

O principal argumento da PM para que possam registrar os crimes leves é a eficiência: se economizaria tempo, dinheiro e recursos humanos, e os policiais civis se concentrariam em investigações maiores.

Também se alega que o Termo Circunstanciado é só um registro, e não uma investigação, que seria função da civil. E ainda que a medida reduz a subnotificação de delitos e valoriza o policial, que se sente mais respeitado e usa menos a força.

"No Rio a pessoa é levada à delegacia por lesão corporal leve. Em Santa Catarina isso soa até mal. A pessoa preenche um formulário online impresso na hora e já sai com senha e data para comparecer ao juizado especial", diz o coronel Marlon.

Segundo a Feneme, atualmente dez estados e o Distrito Federal adotaram a medida. Os exemplos mais citados são SC (o único com sistema 100% informatizado), Rio Grande do Sul e Rondônia, que adotam a medida em todas as suas comarcas judiciais. Em São Paulo, a adoção também esbarra numa disputa entre Polícia Militar e Polícia Civil.

 

Para representantes da Polícia Civil, porém, tenta-se vender uma visão muito simplista do que é o registro da ocorrência leve. "Para começar existem mais de cem tipos penais de menor potencial ofensivo, a PM não tem preparo para isso", diz Wladimir Reale, presidente da Adepol e também autor do requerimento à intervenção federal no Rio.

 
 

O delegado Rafael Barcia também cita a eventual perda da mediação do policial civil em casos de desacato, por exemplo. Mas, para ele, o maior problema seria uma "gigantesca lacuna" de informações para a Polícia Civil, fundamentais para investigações maiores, como dados de usuários drogas em casos de quadrilhas de tráfico e ameaças em casos de homicídios.

"Se aquele policial não faz parte da investigação, o dado que ele vai coletar é muito pobre. O delegado é que vai perguntar onde comprou, vai saber quem está na boca de fumo, vai saber que aquilo é um contexto de milícia", afirma. "Não é um fato isolado, que você assina e pronto."

O debate já rende 23 anos, desde que uma lei federal de 1995 versou sobre o tema. É alvo de diferentes interpretações de decisões do Supremo Tribunal Federal, do Conselho Nacional de Justiça e de Tribunais de Justiça estaduais.

No Rio, o juiz e auxiliar da Presidência do TJ Marcelo Oliveira informou em nota que, "apesar de o STF já ter se posicionado ao admitir a lavratura do termo circunstanciado pela PM", o TJ acredita que a questão deva ser resolvida na esfera política, entre as polícias e a secretaria de segurança.

O Ministério Público e a PM do Rio já negociavam um convênio para a implementação. Segundo a Folha apurou, um documento do Comando Geral inclusive já havia sido redigido, mas não foi enviado ao gabinete de intervenção.

Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO)

O que é o TCO? Espécie de boletim de ocorrência para crimes de menor potencial ofensivo

O que acontece depois do registro? O TCO é encaminhado ao Juizado Especial Criminal mais próximo, que analisa o caso. O suposto autor deve assinar e assumir o compromisso de comparecer ao juizado

O que são crimes de menor potencial ofensivo? Contravenções penais (como racismo) e crimes com pena de até 2 anos (como desacato

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