Mistério de enforcamento de militar move fiéis em capela no centro de SP

Chaguinhas se tornou santo popular ao ter 'resistido' a duas tentativas na forca

Santos e quadro de santo em parede
Quadro de "Chaguinha", em capela do século 18, no bairro da Liberdade - Eduardo Anizelli/ Folhapress
Fabrício Lobel
São Paulo

Ao final da missa na capela dos Aflitos, na Liberdade, Maria Bernardina, 83, segue até uma porta sempre fechada, à esquerda da construção. Ela bate três vezes na porta, fecha os olhos e faz um pedido.

A tradição dos três toques na porta remonta a uma passagem misteriosa sobre a execução do cabo Francisco José das Chagas, o Chaguinhas. Condenado à forca em 1821, se tornou santo popular em SP.

Nas frestas dessa madeira da porta, estão dezenas de bilhetinhos dobrados. São todos pedidos ou agradecimentos de fiéis a Chaguinhas.

“Meu filho não conseguia mais trabalhar com o carro, que não saía da oficina. Pedi para o Chaguinhas, aí teve conserto, e ele voltou a trabalhar”, conta Bernardina. Outros fiéis contam ter conseguido emprego e cura de dores.

Senhora de costas com porta de madeira cheia de bilhetes de papel
Fiéis deixam pedidos ao santo "Chaguinha", na porta onde foi sua cela em capela do século 18, no bairro da Liberdade - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Chaguinhas participou de um levante militar devido a salários atrasados em Santos. O caso ocorreu às vésperas da Independência, quando São Paulo vivia dias de conflito entre apoiadores de Portugal e adeptos da separação.

Depois de derrotado o motim, seus líderes foram sentenciados à morte. Entre eles, estava o cabo Chaguinhas.

O cabo foi levado ao Campo da Forca, onde hoje fica a praça da Liberdade. Quando ele ia ser enforcado, a corda teria arrebentado, sem matar Chaguinhas. O público pediu por clemência, acreditando ter visto uma intervenção divina. O governo local ordenou nova execução. Pela segunda vez, a corda arrebentou.

Uma nova ordem de execução foi expedida, e Chaguinhas então morreu enforcado. Ele teria sido sepultado no cemitério da rua dos Aflitos.

O relato sobreviveu à tradição oral e foi registrado em 1900 pelo Instituto Histórico e Geográfico. Depois, outros estudos contestaram detalhes da narrativa. De qualquer forma, até hoje histórias semelhantes são recontadas na capela dos Aflitos. 

Alguns dizem que, enquanto tentavam executar Chaguinhas, a população gritava por liberdade, o que teria dado nome à praça e ao bairro paulistano. A história oficial diz que o nome do local faz referência à abdicação de Dom Pedro 1º ao trono brasileiro.

Segundo outra crença, Chaguinhas não foi examinado após a terceira tentativa de enforcamento, alimentando a lenda de que ele fugiu.

 

A  capela dos Aflitos é  tudo o que sobrou do primeiro cemitério público de São Paulo, na Liberdade. Uma demolição irregular em um terreno vizinho abalou a estrutura da igreja, que ganhou novas rachaduras. Preocupados com o risco de a capela ruir, fiéis fundaram uma associação, que agora pressiona Igreja, prefeitura e os departamentos do patrimônio histórico a restaurarem o templo. Por anos, a construção ficou sem manutenção —um projeto de restauração foi aprovado em 2011.

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