Ao final da missa na capela dos Aflitos, na Liberdade, Maria Bernardina, 83, segue até uma porta sempre fechada, à esquerda da construção. Ela bate três vezes na porta, fecha os olhos e faz um pedido.
A tradição dos três toques na porta remonta a uma passagem misteriosa sobre a execução do cabo Francisco José das Chagas, o Chaguinhas. Condenado à forca em 1821, se tornou santo popular em SP.
Nas frestas dessa madeira da porta, estão dezenas de bilhetinhos dobrados. São todos pedidos ou agradecimentos de fiéis a Chaguinhas.
“Meu filho não conseguia mais trabalhar com o carro, que não saía da oficina. Pedi para o Chaguinhas, aí teve conserto, e ele voltou a trabalhar”, conta Bernardina. Outros fiéis contam ter conseguido emprego e cura de dores.
Chaguinhas participou de um levante militar devido a salários atrasados em Santos. O caso ocorreu às vésperas da Independência, quando São Paulo vivia dias de conflito entre apoiadores de Portugal e adeptos da separação.
Depois de derrotado o motim, seus líderes foram sentenciados à morte. Entre eles, estava o cabo Chaguinhas.
O cabo foi levado ao Campo da Forca, onde hoje fica a praça da Liberdade. Quando ele ia ser enforcado, a corda teria arrebentado, sem matar Chaguinhas. O público pediu por clemência, acreditando ter visto uma intervenção divina. O governo local ordenou nova execução. Pela segunda vez, a corda arrebentou.
Uma nova ordem de execução foi expedida, e Chaguinhas então morreu enforcado. Ele teria sido sepultado no cemitério da rua dos Aflitos.
O relato sobreviveu à tradição oral e foi registrado em 1900 pelo Instituto Histórico e Geográfico. Depois, outros estudos contestaram detalhes da narrativa. De qualquer forma, até hoje histórias semelhantes são recontadas na capela dos Aflitos.
Alguns dizem que, enquanto tentavam executar Chaguinhas, a população gritava por liberdade, o que teria dado nome à praça e ao bairro paulistano. A história oficial diz que o nome do local faz referência à abdicação de Dom Pedro 1º ao trono brasileiro.
Segundo outra crença, Chaguinhas não foi examinado após a terceira tentativa de enforcamento, alimentando a lenda de que ele fugiu.
A capela dos Aflitos é tudo o que sobrou do primeiro cemitério público de São Paulo, na Liberdade. Uma demolição irregular em um terreno vizinho abalou a estrutura da igreja, que ganhou novas rachaduras. Preocupados com o risco de a capela ruir, fiéis fundaram uma associação, que agora pressiona Igreja, prefeitura e os departamentos do patrimônio histórico a restaurarem o templo. Por anos, a construção ficou sem manutenção —um projeto de restauração foi aprovado em 2011.
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