Policiais de SP recebem até R$ 50 mil do PCC, aponta investigação

Pagamentos também funcionavam para garantir pontos de venda de droga

Luís Adorno Flávio Costa
UOL

Relatório final de um inquérito da Polícia Civil de São Paulo indica que criminosos com alto poder de decisão dentro do PCC (Primeiro Comando da Capital) pagam, de forma recorrente, propinas a policiais civis e militares. Um dos chefes da facção criminosa teria desembolsado R$ 50 mil para evitar que fosse preso.

O pagamento é feito também para garantir o funcionamento de pontos de venda de drogas, aponta a investigação que foi base da Operação Echelon, do Ministério Público paulista. 

Segundo a polícia, o suborno de agentes do estado faz parte da engrenagem que colabora para o funcionamento do tráfico de drogas e armas do grupo criminoso, além de facilitar que as ordens da cúpula do PCC, detida no presídio de Presidente Venceslau (SP), sejam executadas nas ruas pelos chamados "soldados", os integrantes de baixo escalão.

"A manutenção da organização criminosa, nesse patamar de expansão, somente se sustenta com a cooptação de agentes do estado corruptos", lê-se no documento.

Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo afirma que informações do relatório foram compartilhadas com setores de inteligência das corregedorias das polícias Civil e Militar e dos sistemas penitenciários de outros estados.

A descoberta do esquema de corrupção policial aconteceu quando investigadores monitoravam os passos de um dos líderes do PCC, Adriano Hilário dos Santos, 32, conhecido como Kaíque. Ele está atualmente preso em Presidente Venceslau, distante 565 km da capital paulista.

Kaíque foi capturado em 10 de maio de 2018, no aeroporto de Guarulhos, quando voltava de Camaçari (BA). Ele estava foragido desde o dia 23 de março de 2017, quando fugiu da penitenciária de Valparaíso (a 505 km de São Paulo).

Enquanto estava solto, o criminoso fora flagrado em escutas telefônicas da Operação Echelon. Os diálogos apontavam que ele seria o principal nome do crime organizado em Mato Grosso do Sul, além de manter uma rede de tráfico de drogas na Baixada Santista (SP).

Uma escuta telefônica do dia 14 de novembro de 2017 aponta que Kaíque pagou R$ 50 mil a policiais civis para não voltar à prisão. "Saí da mão dos caras hoje, ontem de madrugada né, irmão. A DIG (Delegacia de Investigações Gerais) me pegou. R$ 50 mil", disse ao telefone a um comparsa.

De acordo com a Polícia Civil, o suspeito "mantém contato com policiais que trabalham na região em que ele atua, tendo por algumas vezes mencionado ter sido capturado por estes policiais, sendo que para ser 'liberado' foi obrigado a pagar altas quantias em dinheiro”.

Kaíque chegou a ser sequestrado duas vezes. Na primeira, a suspeita é de que ele tenha sido mantido em cárcere privado por policiais militares de elite. Na segunda vez, policiais civis extorquiram dinheiro dele, aponta o inquérito.

PROPINA EM SANTA CATARINA

O chefe do PCC em Santa Catarina (estado estratégico para os negócios da facção por causa do porto de Itajaí) também precisa da corrupção policial para ter sucesso.

Segundo a investigação, Flávio Henrique Breve, o Bonito, 38, relatou, por telefone, o pagamento de propina em 6 de dezembro de 2017, durante uma conversa com uma mulher, que seria sua companheira.

O criminoso alertou a mulher para "ficar esperta" com um policial em específico porque o mesmo abordou sua filha e disse que iria prender toda a quadrilha dela. Ele teria dito que a polícia estava "batendo com frequência" na favela que comandava e sugeriu "cortar na bala os policiais".

"O alvo [Breve] citou que paga propina para vários policiais, sendo da Polícia Civil e Polícia Militar, e que, inclusive, já foram presos nove policiais que caíram no grampo por causa dele. Ele ainda disse que a polícia não iria conseguir prender sua filha, pois ela não anda com nada consigo", lê-se no relatório da Polícia Civil.

CRIMINOSO CRITICA CORRUPÇÃO POLICIAL

Em 22 de dezembro de 2017, Rafael Silvestre da Silva, o Gilmar, 47, outro integrante do PCC, ligou para Carlos Galdencio de Souza, o Souza, 46, que tem alto poder de decisão nas conduções determinadas pela facção nas ruas do país, segundo a investigação, e relatou ter sofrido um sequestro e extorsão praticados por policiais corruptos.

O inquérito da Operação Echelon revela que os policiais conheciam o papel de Gilmar no PCC e que sua situação era de foragido da Justiça. Por isso, pediram R$ 200 mil para que ele não fosse preso. Houve negociação e o integrante do crime organizado foi solto após acerto de R$ 20 mil, sendo R$ 5.000 no ato e, depois, parcelas semanais de R$ 1.500.

Escuta telefônica apontou que, durante a conversa entre eles, Gilmar ainda critica a postura do policial corrupto, apontando que o agente fumava maconha enquanto o extorquia. Veja:

  • Gilmar: Tava passando, daí... o negócio deles é que eles quer dinheiro, tá ligado? Aí fechou lá no acerto vinte cruzeiro, tá ligado?

  • Souza: Quanto?

  • Gilmar: Vinte, né?!

  • Souza: Caralho, mano, o bagulho, eu não tinha nem uma (incompreensível) pra te ajudar...

  • Gilmar: Daí, chegou cinco, né. Ontem, só chegou cinco, né, mano... e mil e quinhentos por semana... olha que palhaçada... os cara tudo na nóia. Usando droga na minha frente, tá ligado?

  • Souza: É?

  • Gilmar: Tudo sem futuro, tá ligado? Sem futuro...

  • Souza: Oh, irmão, mas agora você tem que mudar daí...

  • Gilmar: Eles quis pagar até um almoço pra mim, eu falei não quero, não. Eu já almocei, já. Mentira, nem tinha almoçado, mó neurose, mó ódio, tá ligado, mano?!

  • Souza: Você tem que mudar daí agora, mano...

  • Gilmar: É, eu vou mudar, né, eu vou mudar. Eu vou mudar porque os cara não é daqui, né, os polícia não sei da onde que eles são.

  • Souza: É porque os cara passa a bola, entendeu? Os cara passa a bola pra outro, entendeu? Aí é o seguinte: vai ficar pagando também, quando eles termina de pagar, eles passa a bola pra outro, entendeu?

 

A influência do PCC em cada estado brasileiro
A influência do PCC em cada estado brasileiro - A Guerra - Ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil

CORREGEDORIA 

Integrante do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), o promotor Lincoln Gakyia afirma que no caso da Operação Echelon o foco da investigação era o funcionamento das células do PCC nos estados.

"A ocorrência de eventual corrupção policial deverá ser apurada pelas respectivas corregedorias através de provas compartilhadas", disse.

"Como toda organização criminosa, o PCC também tem forte participação na cooptação e corrupção de agentes públicos, atividades típicas de máfias. Isso já ficou bem demonstrado com a Operação Ethos, do ano passado, com a condenação do vice-presidente do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana) por corrupção e participação em organização criminosa", afirmou o promotor.

Procurada pela reportagem, a SSP paulista enviou a seguinte nota abaixo:

Após investigações da Polícia Civil, no mês passado, foi desencadeada a Operação Interestadual Echelon em conjunto com a Secretaria da Administração Penitenciária e o Ministério Público. Durante a ação, 65 pessoas foram presas, sendo dois foram em flagrante e 63 por mandados. Do total, 51 pessoas já estavam detidas em unidades prisionais. Sete presos foram transferidos ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

No decorrer das investigações, foram apreendidas mais de uma tonelada de drogas. Embora não identifique nomes dos agentes, as informações do relatório foram compartilhadas com os setores de inteligência das corregedorias das polícias Civil e Militar e dos sistemas penitenciários de outros estados.

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