Prefeito é condenado após usar verba para viajar à França e ver uma gruta

Ele disse querer em Porto Feliz (SP) uma 'réplica fiel' do santuário europeu de Nossa Senhora de Lourdes

Thaiza Pauluze
São Paulo

Nos anos 1920, dois padres franceses viram semelhança entre o paredão do Parque das Monções, no centro de Porto Feliz (município do interior de SP), e a Gruta Nossa Senhora de Lourdes, na cidadezinha de homônima da santa, no sudoeste da França. Logo a gruta à brasileira foi escavada na rocha.

Em 2010, o então prefeito Cláudio Maffei, em seu segundo mandato pelo PT, decidiu que a gruta deveria ser uma "réplica fiel" da originária europeia. Partiu ele próprio em missão oficial para o Grand Hôtel de la Grotte, um cinco estrelas com vista direta para o Rio Gave e o santuário cristão —um dos mais populares do mundo.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, no entanto, viu irregularidades na viagem do ex-prefeito: não houve cotação de preços com outras empresas de turismo, o político não tinha formação técnica que permitisse fazer um estudo arquitetônico, e a obra, no fim das contas, não ficou em nada parecida com o algar francês.

Segundo a defesa de Maffei, era necessário "conhecer o local a fim de executar a revitalização". Os gastos da verba municipal estavam, portanto, “revestidos de interesse público”.

A gruta porto-felicense ganhou um novo piso de mármore e rampa de acesso para portadores de necessidades especiais. As antigas grades de proteção foram removidas para o acesso de turistas ao altar, assim “como na França”, disse a gestão municipal. 

Nesta terça-feira (21), o tribunal julgou recurso da defesa do ex-prefeito contra a sentença em primeiro grau, que determinou a devolução do valor gasto com a viagem para os cofres públicos. Corrigidos, os R$ 4.975 à época, hoje somam valor aproximado de R$ 8.418,93. 

Segundo o revisor do caso, o conselheiro Dimas Eduardo Ramalho, é o próprio gestor quem afirma que a viagem era requisito essencial à execução da obra, mas, sendo uma etapa técnica de um projeto, deveria "ter como protagonista um profissional da área de exatas, engenheiro ou arquiteto". O ex-prefeito é professor de história.

Ele também critica a "ausência de orçamento prévio da despesa" e "nenhuma justificativa em relação à escolha de uma operadora" para aquisição da passagem aérea e reserva do hotel.

Hotel que, aliás, continua: "demonstrou ostentar padrão luxuoso, afrontando o necessário comedimento imposto ao agente político nos dispêndios de recursos".

Para o conselheiro, o ex-prefeito também não mostrou ser impossível um estudo da gruta francesa por meio de fotos de materiais turísticos ou mesmo da internet, onde o local é "retratado de todos os ângulos possíveis".

Além do que, de nada valeu o deslocamento internacional, segundo Ramalho. "À exceção de uma sutil correlação geológica, não guardam entre si nenhuma fidedignidade estrutural", a gruta do interior paulista e a europeia.

"Até eu estou convencido de que é improcedente", disse o auditor substituto na sessão Márcio Martins de Camargo, antes declinado a votar a favor do ex-prefeito, já que o valor arrolado no processo é "irrisório".

Ramalho defendeu a cobrança do tribunal como uma punição exemplar aos outros prefeitos. "É um exemplo para os gestores públicos nesse Brasil que vivemos hoje. Uma lição para o estado de São Paulo", disse à Folha.

"Numa cidade pequena, em que falta recursos, o prefeito vai gastar R$ 5.000 numa viagem ao exterior? Sendo que esse dinheiro poderia reverter numa benfeitoria para o município?", afirmou o conselheiro do tribunal de contas. "Qualquer valor merece ser reprovado, ele tem que devolver, porque gastou mal o dinheiro público."

Por 3 a 0, o tribunal decidiu manter a condenação do ex-prefeito de Porto Feliz. Claudio Maffei foi eleito para a gestão municipal da cidade em 2004 e 2008, à época filiado ao PT.

Em 2016, pleiteou novamente o cargo, desta vez pelo MDB, mas sua candidatura não estava deferida até o dia da votação. Do PTB, Dr. Cássio venceu a disputa e hoje ocupa o posto.

Procurado pela Folha, o ex-prefeito não respondeu até o momento da publicação desta reportagem.

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