Justiça suspende venda de prédio do Hospital Sorocabana, em SP

Governo do estado, que detém parte de terreno, não foi intimado sobre venda

Thaiza Pauluze
São Paulo

O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) suspendeu a compra do terreno e do prédio do antigo Hospital Sorocabana, na Lapa (zona oeste da capital paulista).

O espaço havia sido leiloado no dia 14 pela Justiça para quitar uma dívida trabalhista de R$ 25 mil, num processo questionado por moradores e que colocou em xeque o futuro da unidade de saúde que funciona atualmente no local.

No leilão, o Sorocabana foi arrematado em lance único, dado por uma mulher dona de um hospital em Cotia (Grande São Paulo), pelo valor mínimo de R$ 16,3 milhões.

Com valor venal de R$ 72,9 milhões, segundo a Secretaria Municipal da Fazenda, o terreno havia sido avaliado pelo tribunal em R$ 40,9 milhões —subtraídas a dívida de IPTU de R$ 14 milhões e as outras penhoras do imóvel

O processo de compra foi suspenso pela juíza Daniela Mori, da 89ª Vara do Trabalho de São Paulo. Em seu despacho, publicado na última sexta (24), a magistrada alegou que barrou a venda do imóvel porque o estado, que detém a posse parcial do terreno, não foi intimado sobre o processo.

O TRT disse que não sabia que o governo do estado detinha parte do terreno e que essa informação não constava na matrícula do imóvel. Com a anulação da compra, a juíza Daniela Mori mandou devolver o valor pago à arrematante. “A penhora sobre o bem está mantida, o que não impede que uma nova arrematação seja marcada para saldar os débitos trabalhistas”.

A área pertence ao Governo de São Paulo, e o espaço é administrado pela prefeitura desde 2012.

Hoje funcionam em três dos sete andares uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial) e uma Rede Hora Certa. Entre exames, consultas e cirurgias, o serviço tem capacidade para cerca de 15 mil pacientes por mês.

Antes de ser destinado ao serviço público municipal de saúde, o espaço abrigou o Hospital Sorocabana, um dos principais da zona oeste, que chegou a atender 20 mil pessoas por mês. Administrado por uma associação, ele foi fechado em 2010 após graves problemas financeiros.

O leilão do imóvel foi antecipado na última sexta-feira (24) pelo jornal O Estado de S. Paulo.  

A gestão Covas diz que não foi avisada do leilão com antecedência e que acionou a Procuradoria Geral do Município. Afirma, porém, que, como o governo estadual é o dono do terreno, a prefeitura ainda não sabe as medidas para manter o atendimento da AMA e da rede Hora Certa. Questionada, a gestão França se limitou a dizer que o Estado não tinha conhecimento da ação.

A compradora do antigo hospital, Conceição Castilho Ceballos, não respondeu qual será a destinação a ser dada. No auto de arrematação do espaço, não consta nenhuma contrapartida ou obrigação legal de que se mantenha um serviço de saúde no local.

O pagamento já foi efetuado à Justiça, de acordo com o tribunal. Mas, como o valor arrecadado é muito maior do que a dívida trabalhista em si, de R$ 25 mil, o restante dos recursos será usado para sanar outras cobranças de ex-funcionários aos antigos donos da Associação Beneficente dos Hospitais Sorocabana.

O hospital era administrado desde 1955 pela associação, após uma doação feita pelo governo estadual. À época, atendia funcionários da Fepasa (Ferrovia Paulista S/A) e, anos depois, passou a integrar o SUS (Sistema Único de Saúde).

Fechada em 2010, a unidade foi retomada judicialmente pelo estado depois de problemas financeiros e denúncias de desvios. Hoje, os equipamentos sem uso há anos estão deteriorados.

O resultado do leilão ainda pode ser questionado pelas partes interessadas, e "caso seja constatado algum vício insanável", a venda pode ser anulada, de acordo com o TRT.

Ao menos 13 conselhos e associações de moradores da região da Lapa já vinham pressionando há anos pela reabertura do antigo hospital, para atender procedimentos mais complexos de saúde. Eles se preparavam para uma audiência pública na Câmara Municipal nesta quinta (23) sobre esse tema, que acabou cancelada. Agora, contestam a venda do Sorocabana.

"Hoje os cerca de 305 mil habitantes do bairro não têm nenhum hospital público", diz Antônio Zagato, 34, coordenador do Conselho Participativo Municipal da Lapa. "O resultado de uma má administração de gestores privados de um equipamento público agora vai prejudicar toda a população que era atendida pelo hospital."

A gestão França disse que o governo estadual "mantém em pleno funcionamento o AME (Ambulatório Médico de Especialidades) da Lapa e o Hospital das Clínicas", no centro, a 6 km da região. Os dois, no entanto, não são parte da rede básica de atendimento, eles recebem os casos de maior complexidade.

Em janeiro de 2012, quando o estado cedeu o prédio do hospital para a prefeitura por 20 anos, o governador à época, Geraldo Alckmin (PSDB), que deixou o cargo em abril para concorrer à Presidência da República, disse que em três meses começaria a recuperação do antigo serviço hospitalar. 

"Este será um Hospital Geral, do SUS, para atender de forma gratuita, com qualidade, a região da Lapa e também a região oeste de São Paulo", afirmou o tucano. 

No total, o Sorocabana teria, segundo o governo, 250 leitos, 400 partes mensais e faria até 1.800 internações por mês. E deveria estar funcionando com total capacidade no início de 2013. Mas, sob a gestão de Gilberto Kassab (PSD), apenas o serviço ambulatorial foi iniciado.

Durante a gestão Fernando Haddad (PT), uma reforma começou a ser executada, mas logo foi interrompida. O ex-prefeito João Doria (PSDB) falou em obter empréstimo internacional de R$ 1 bilhão para obras na área de saúde, incluindo a da Sorocabana, mas a verba não saiu.

Segundo Rubens Alves, 63, nascido na região e conselheiro do Conselho Gestor de Saúde da Lapa, desde 2016 o governo municipal vinha falando em repassar o hospital à iniciativa privada, durante reuniões para discutir o tema. Em maio, a prefeitura recebeu uma manifestação de interesse privado para transferir a gestão do hospital.

"O Wilson Polara [ex-secretário de Saúde] propôs que o Sorocabana virasse uma PPP [Parceria Público Privada], mas a população presente na reunião foi enfaticamente contra", diz Alves.

Eles também contestam o valor do arremate. "O metro quadrado da região gira em torno de R$ 10 mil. Num lote de 14 mil metros quadrados, isso corresponde a no mínimo R$ 140 milhões", diz Zagato, que é arquiteto e urbanista.

A Folha não recebeu resposta dos representantes da associação até a publicação desta reportagem.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.