Arquivos e museus desprotegidos guardam acervos raros nos estados

Problemas incluem goteiras, infiltrações e falta de prevenção contra incêndio

Edifício erguido no século 16 onde funciona o Arquivo Público da Bahia tem infiltrações; local armazena documentos de mais de 400 anos
Edifício erguido no século 16 onde funciona o Arquivo Público da Bahia tem infiltrações; local armazena documentos de mais de 400 anos - Raul Spinassé/Folhapress
Salvador , Porto Alegre e Recife

O incêndio que devastou o Museu Nacional, no Rio, no domingo (2), acendeu o sinal de alerta para a situação de museus, bibliotecas e arquivos públicos nos demais estados.

Com acervos valiosos, que incluem de obras de arte a documentos raros do período colonial do Brasil, estes equipamentos enfrentam problemas estruturais como goteiras e infiltrações, além da ausência de sistemas de prevenção contra incêndios.

Em Salvador, documentos do período colonial —o mais antigo é de 1552— fazem do Arquivo Público da Bahia um dos mais valiosos do mundo. Sua importância, contudo, é oposta aos investimentos de sucessivas gestões do governo da Bahia nas últimas décadas.

Funcionando em um antigo mosteiro erguido no século 16, o arquivo ficou três anos —entre 2011 e 2013— sem energia elétrica por causa do risco iminente de um curto-circuito.

Mesmo após uma reforma que recuperou o telhado e o forro, permanecem problemas como infiltrações e papéis armazenados em condições inadequadas.

“São documentos de 400 anos que estão à mercê de intempéries, pragas, calor e umidade excessivas”, afirma o historiador Urano Andrade, que costuma frequentar o arquivo diariamente.

O sistema de prevenção de incêndio, que seria instalado por meio de uma parceria do governo da Bahia com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), não saiu do papel.

O convênio expirou em 2015 e os recursos tiveram que ser devolvidos. Restou apenas uma placa comemorativa na parede do arquivo.

Presidente da Fundação Pedro Calmon, responsável pelo Arquivo, Zulu Araújo, diz que o estado já licitou uma nova reforma na qual irá investir R$ 3 milhões na recuperação da estrutura física do casarão.

A situação não é muito diferente no Arquivo Público Municipal, que funciona no subsolo da sede do órgão responsável pelas políticas de cultura em Salvador.

Numa sala estreita, com fios de eletricidades expostos no teto e nos corredores —parte deles emendados com fita isolante—, estão documentos raros como registros do comércio de escravos, registros de nascimento e leis aprovadas no período colonial.

A Prefeitura de Salvador diz que captou recursos federais para construção de um novo Arquivo Histórico Municipal e deve licitar a obra este ano.

Prédios históricos também enfrentam problemas semelhantes na capital baiana.

Em 2013, o Solar Boa Vista, casarão de mais de 300 anos que foi morada do poeta Castro Alves, foi destruído por um incêndio. Cinco anos anos depois, o prédio segue em ruínas e tem sido ocupado por moradores de rua e usuários de drogas. Dono do imóvel, o governo baiano promete recuperá-lo e instalar no local a Central Estadual de Laudos, órgão da secretaria de Saúde.

Em Pernambuco, museus em Recife e Olinda enfrentam problemas estruturais. No Recife, o Mamam (Museu de Arte Moderna Aloísio 
Magalhães) passou por sua última requalificação elétrica em 2009 e enfrenta problemas de infiltração.

O equipamento cultural, que tem sua estrutura praticamente toda em madeira, possui sete salas de exposição e cerca de 1.100 obras de arte de nomes como João Câmara, Abelardo da Hora, Paulo Bruscky, Nelson Leirner e Francisco Brennand.

Em nota, a Secretaria de Cultura do Recife disse que o prédio passou por serviços de manutenção, instalação e reparos na rede elétrica em junho deste ano.

Em Olinda, o Museu de Arte Contemporânea (MAC), que tem um acervo de mais de 4.000 obras e uma biblioteca com cerca de 5.000 livros, está fechado desde 2016 por problemas estruturais —apenas uma das galerias está aberta ao público.

Além de problemas na estrutura, o museu também sofre com a insegurança da cidade. Em abril de 2017 ladrões entraram no espaço para roubar a pintura “Enterro”, de Cândido Portinari, que já havia sido furtada e recuperada em 2010.

De acordo com Fundarpe, órgão que cuida do patrimônio artístico de Pernambuco, há uma licitação em andamento para investir R$ 66,7 mil em reparos no museu.

No Rio Grande do Sul, o museu Júlio de Castilhos, um dos cinco mais antigos do Brasil, intercalou períodos entre portas fechadas e abertas nos últimos dois anos. Atualmente, nove salas estão disponíveis para visitação.

Além de enfrentar problemas com cupins, o museu não possui um plano de prevenção contra incêndio. Há um projeto para restauração em fase de análise, o que incluiria proteção contra incêndios, orçado em R$ 9 milhões.

Segundo a secretaria de cultura, a crise financeira do estado demandou uma “readequação nos postos de trabalho das empresas que prestam serviços aos museus”, mas a maioria das unidades está com visitação normal.

O único museu fechado é o Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul, na cidade de Taquara. O local, fechado em 2008, foi alvo de ação civil pública do Ministério Público Federal, que ordenou melhorias na sua estrutura para a preservação do acervo.

Na avaliação da professora Zita Possamai, coordenadora da pós-graduação em Museologia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), é preciso um plano de gerenciamento de riscos nos principais museus do país. “Há anos alertamos o que poderia acontecer com o Museu Nacional. Há descaso por parte do Estado e da sociedade.”

Fernanda Canofre, Paula Passos e João Pedro Pitombo
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