Com incêndio em museu, Brasil tem sua maior perda histórica e científica

Local no Rio tinha maior dino carnívoro do país e um dos fósseis mais antigos das Américas

Bombeiro faz trabalho de rescaldo na entrada do Museu Nacional, onde fica o meteorito do Bendegó, após incêndio
Bombeiro faz trabalho de rescaldo na entrada do Museu Nacional, onde fica o meteorito do Bendegó, após incêndio - Clever Felix/Brazil Photo Press/Folhapress
São Carlos e Rio de Janeiro

Mais de 24 horas depois do maior desastre que já atingiu o patrimônio científico e histórico do Brasil, especialistas do Museu Nacional, ligado à UFRJ, ainda tentavam determinar a escala das perdas causadas pelo incêndio no Rio.

A vice-diretora do museu, Cristiana Serejo, disse que 90% do acervo em exposição se perdeu, incluindo o Maxakalisaurus topai, quadrúpede herbívoro que era o maior dinossauro já montado no Brasil. Ainda havia dúvidas, segundo ela, sobre a situação de Luzia, esqueleto  de 12 mil anos considerado um dos mais antigos das Américas.

Tanto o fóssil quanto uma reconstrução do rosto de Luzia estariam sob uma área com escombros. Técnicos do museu não conseguiram acessar o local. 

Do vasto acervo que a instituição tinha, as áreas correspondentes a arqueologia, paleontologia, antropologia e invertebrados (com cerca de 5 milhões de insetos) parecem total ou quase totalmente perdidas. O mesmo vale para laboratórios e salas de aula.

Mas, apesar da impressão inicial de destruição completa do prédio histórico, certas peças relevantes podem ter sobrevivido. A esperança de pesquisadores de áreas como arqueologia e paleontologia repousa, por enquanto, nos chamados armários compactadores, adquiridos recentemente, nos quais muitos itens estavam depositados. 

O fogo não foi intenso o suficiente para destruir essas estruturas, o que significa que os materiais guardados neles teriam alguma chance de resistir ao incêndio.

Só será possível ter uma ideia mais clara disso, no entanto, nos próximos dias, quando pequenos focos de incêndio que ainda afetam os escombros forem debelados. Também é preciso afastar o risco de desabamento, que impede tentativas mais intensas de resgate por ora.

“Por enquanto, a Defesa Civil retirou todo mundo de lá. Não sabemos se vamos conseguir entrar amanhã [dia 4]”, diz a arqueóloga Denise Maria Cavalcante Gomes. 

Também não se pode descartar a possibilidade de que o calor cause deformações ou outros tipos de dano a fósseis, fragmentos de cerâmica e materiais diversos, o que poderia inutilizá-los do ponto de vista científico, mesmo que não tenham sido tocados diretamente pelas chamas.

No entanto, a situação das peças que estavam fora dos compactadores tende a ser bem mais desesperadora. 

Gomes provavelmente perdeu material arqueológico (cerâmica e instrumentos de pedra), desenhos e cadernos de campo de escavações realizadas em locais como os sítios Aldeia e Carapanari, na região de Santarém (PA), que estavam em sua sala, sendo analisados para publicação em revistas especializadas. 

Trocando em miúdos: trata-se de informação científica inédita que agora desapareceu para sempre.

A perda desses novos dados sobre Santarém é particularmente dolorosa porque o município paraense é um dos locais-chave para uma pequena revolução na arqueologia brasileira. Nas últimas décadas, estudos ali e em outras regiões da Amazônia têm mostrado que, antes da chegada dos portugueses, havia populações densas, com sociedades complexas e hierarquizadas e grande sofisticação artística na região amazônica.

O museu preparava ainda para este ano uma renovação completa de sua mostra sobre a pré-história da Amazônia. 

“Infelizmente, o que estava fora da proteção, sendo descrito por alunos e pós-graduandos, provavelmente virou cinza”, diz Taissa Rodrigues, paleontóloga que fez seu mestrado e doutorado no Museu Nacional (de 2005 a 2011) e hoje é professora da Universidade Federal do Espírito Santo.

Dos muitos fósseis importantes que estavam no acervo, ela diz temer especialmente pelo Santanaraptor, um pequeno dinossauro carnívoro de 110 milhões de anos da chapada do Araripe (CE). Só existe um único fóssil conhecido da espécie, contendo tecidos moles (músculo e pele), uma raridade no que diz respeito a dinossauros do Brasil. 

Áreas do acervo que ficaram incólumes por estarem armazenadas numa nova instalação incluem as coleções de vertebrados e de botânica. Minérios e meteoritos também teriam resistido ao fogo, entre eles o Bendegó, pedregulho espacial descoberto no sertão da Bahia no século 18 e levado para o museu ainda durante o reinado de dom Pedro 2º. 

Segundo a assessoria de imprensa do Museu Nacional, parte menor do acervo não estava no prédio que pegou fogo e foi preservada.

No prédio anexo ao museu, estão armazenados 150 mil espécies de animais invertebrados do fundo do mar, como crustáceos e esponjas. O local, apesar de bem próximo ao museu, não foi atingido pelas chamas. 

Já na área conhecida como Horto Botânico, mais distante do palácio, há 550 mil amostras de plantas do herbário do museu.

Também ali se encontram 460 mil amostras de animais vertebrados. 

Funciona ainda no local a principal biblioteca do museu, intocada pelo fogo, que reúne 500 mil obras, das quais 1.560 títulos raros.

O fogo começou por volta das 19h30 de domingo (2), depois que o museu já havia encerrado a visitação. Os bombeiros controlaram o incêndio após seis horas, por volta das 2h de segunda (3). Parte do interior do edifício desabou.

A Polícia Federal fez perícia no local e vai investigar a causa do incêndio. Segundo o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, uma das suspeitas é que o incêndio tenha sido causado pela queda de um balão no teto do edifício, baseada em relatos de vigilantes. A polícia não tem indícios que corroborem essa hipótese até agora.

Uma outra possibilidade é que o incêndio tenha começado com um curto-circuito em um laboratório audiovisual da instituição, que passa por dificuldades financeiras por cortes em seu orçamento.
Nos últimos dez anos, pelo menos outro sete prédios com tesouros científicos e culturais sofreram incêndios, mas nenhum dessa magnitude.

Conheça abaixo alguns dos principais itens que faziam do museu um dos mais importantes da América Latina.

Outros incêndios em instituições históricas

2008 - Teatro Cultura Artística  

Foi dizimado por incêndio que durou quatro horas

2010 - Instituto Butantan 

Fogo atingiu o laboratório de repteis, destruindo um dos maiores acervos de cobras do mundo

2013 - Memorial da América Latina 

Incêndio destruiu o auditório Simón Bolívar, onde havia uma tapeçaria de 800 metros quadrados da artista Tomie Ohtake

2015 - Museu da Língua Portuguesa  

Chamas tomaram conta dos três andares e da cobertura da instituição

2016 - Cinemateca Brasileira  

Fogo destruiu 270 títulos de forma definitiva

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