Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Cozinheira no RJ tem casa destruída em ação militar e agora quer deixar morro

Segundo ela, militares entraram no imóvel e destruíram móveis e eletrodomésticos

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Patrulha do Exército durante operação no morro da Chatuba, no complexo da Penha, na zona norte do Rio - Pilar Olivares/Reuters
São Paulo

A cozinheira Joelma Viana, 39, pôs sua casa à venda. Não quer mais morar no alto do morro da Chatuba, no complexo da Penha, no Rio, onde nasceu e cresceu.

Durante megaoperação coordenada pela intervenção federal, segundo ela, militares entraram no imóvel no dia 21 de agosto e destruíram móveis e eletrodomésticos —em ação testemunhada por vizinhos.

Na sala, conta, tinha um jogo de sofá que "está todo rasgado, não sei se foi com faca ou tesoura". Também "quebraram minha TV novinha, ainda estou pagando o carnê das Casas Bahia". E continua: a caixa de som, o rack, o guarda-roupa, a cama, a cômoda, o beliche. Tudo quebrado.

A operação, do Comando Militar do Leste do Exército, atingiu os complexos da Penha, Alemão e Maré —área com 26 comunidades e 550 mil habitantes— de 20 a 24 de agosto. Prendeu 86 pessoas e deixou oito mortos, sendo cinco civis e três militares.

Agora, Joelma calcula o prejuízo. Cozinheira, ganha R$ 1.400 por mês. O filho mais velho, de 20 anos, recebe um salário mínimo como entregador numa farmácia. "Vou ter que começar do zero, né? Reconstruir tudo de novo. Só sobrou roupa, geladeira e fogão."

A intervenção federal na segurança do Rio foi decretada em fevereiro pelo presidente Temer (MDB) e vale até 31 de dezembro. Na prática, polícias, bombeiros e sistema penitenciário estão sob comando federal. Um general do Exército foi nomeado interventor. 

A medida ocorre paralelamente à operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) decretada em julho de 2017, que dá poder de polícia às Forças Armadas no estado —também até o fim do ano. Desde que chegaram, os representantes federais intensificaram as operações em favelas. Foram mais de 300 ações.

Para Joelma, a atitude dos militares foi uma retaliação por um vídeo, gravado por seu filho com o celular, do momento em que suspeitos de pertencer ao tráfico aparecem com as mãos para o alto, se rendendo aos soldados.

"Estávamos falando com nossos patrões, daí meu filho gravou para mostrar pra eles por que não dava pra sair de casa aquele dia", afirma.

O vídeo viralizou, sendo divulgado inclusive por emissoras de televisão. "Eu nem sabia que tinha caído na rede, e os militares já chegaram falando 'esse vídeo foi gravado aqui, não foi?'", diz a cozinheira.

Segundo ela, os soldados estavam sem identificação na farda, olharam os celulares (dela, do filho e da filha, de 14 anos), revistaram a casa e a interrogaram por 30 minutos. Tiraram foto da sua identidade e a fizeram gravar um vídeo em que assumia a culpa por filmar o Exército.

"Aí comecei a passar mal, os vizinhos vieram me ajudar, e eles foram embora." Naquela noite, a família dormiu em uma casa vizinha. No dia seguinte, Joelma voltou, pegou roupas e documentos e foi trabalhar.

De tarde, recebeu uma mensagem da vizinha: "Jô, não queria te dizer isso, mas o Exército está dentro da sua casa quebrando tudo".

Horas depois, em desespero, viu o estrago. "Deixei tudo do jeito que estava e fui para outro lugar." A carioca decidiu voltar apenas uma semana depois, quando os agentes já tinham deixado a favela.

"Tenho medo. Toda vez que eles subirem o morro, minha vida vai ser um inferno", diz. "Vou sair daqui por sobrevivência, não sei o que pode vir a acontecer comigo." A cozinheira registrou a queixa na delegacia. "Eles não vão me calar, quero Justiça, o que fizeram comigo foi uma covardia."

Além de Joelma, outros dois relatos similares de invasão de domicílio em favelas da Penha estão sendo acompanhados pela Defensoria Pública do Rio. O órgão pretende ajuizar ação de reparação, provavelmente contra a União, a responsável pelas Forças Armadas, diz Pedro Strozenberg, ouvidor-geral da Defensoria.

Ele estava no conjunto de favelas para ouvir denúncias dos moradores durante a operação, junto com representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio.

Para Strozenberg, só duas situações autorizam agentes de segurança a entrar nas residências: ter um mandado de busca e apreensão específico ou um flagrante. Os casos ouvidos pelos defensores não tinham evidências de flagrante nem mandado e, portanto, "não há nenhum amparo jurídico" que os justifiquem, segundo avaliação do ouvidor.

A OAB também criticou as ações. "A invasão de residências e estabelecimentos comerciais sem mandado judicial e a destruição do patrimônio dessas pessoas atenta contra direitos e garantias individuais e coletivos."

Ainda segundo a OAB, houve outros abusos na megaoperação: remoção de corpos sem aguardar a perícia, revista de mulheres por homens das forças de segurança, revista de crianças, inclusive uniformizadas, e apreensão de celulares de várias pessoas, "algumas delas detidas por horas a fio enquanto seus telefones eram devassados por policiais e homens do Exército".

O Comando Militar do Leste afirmou, em nota, que "todas as denúncias estão sendo apuradas pelos órgãos competentes" e que "se forem constatados desvios, os envolvidos serão rigorosamente punidos".

O comando não comentou o caso de Joelma nem especificou quantas denúncias foram recebidas e quais podem ser as punições aplicadas.

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