Justiça rejeita denúncia contra PMs por morte de menino Ítalo, 10, em SP

Para magistrada, perícia mostra ação de legítima defesa de policial que atirou

Paulo Gomes Dhiego Maia
São Paulo

A Justiça de São Paulo rejeitou nesta quarta-feira (5) denúncia do Ministério Público que responsabilizava cinco policiais militares pela morte do menino Ítalo, 10. Em junho de 2016, a criança morreu ao ser atingida por um tiro na cabeça após uma perseguição policial no Morumbi, região nobre da zona oeste de São Paulo.

Todos os cinco policiais foram denunciados sob a acusação de fraude processual –dois deles também por homicídio.

Para a juíza Debora Faitarone, titular do 1º Tribunal do Júri de São Paulo, a denúncia da Promotoria está “divorciada da realidade e isolada nos autos”. O Ministério Público vai recorrer.

A magistrada sustenta que a perícia realizada pela Polícia Civil e a investigação em paralelo da Corregedoria da PM concluíram que a ação dos policiais envolvidos no caso foi legítima.

Naquele 2 de junho de 2016, Ítalo e um colega de 11 anos furtaram um carro de dentro de um condomínio e passaram a ser perseguidos por policiais. Os PMs envolvidos afirmaram que só atiraram em revide aos tiros que vinham de um dos ocupantes do carro, que, naquele momento, desconheciam se tratar de uma criança de 10 anos.

Um dos policiais disse ter visto um clarão vindo do interior do carro, um Daihatsu Terios, e que atirou em revide.

Corpo de Ítalo, menino de 10 anos morto pela PM
Corpo de Ítalo, menino de 10 anos morto pela PM - Reprodução

Segundo a juíza, Ítalo atirou duas vezes contra os policiais e se preparava para fazer um terceiro disparo quando os PMs revidaram ao ver um “clarão” no interior do carro roubado.

“Objetivando defender-se de uma possível agressão, empunhou sua pistola e viu um clarão, seguido de um estampido, oportunidade em que efetuou um único disparo”, afirmou Debora em relação à atitude do PM que, de moto, foi o responsável pelo tiro que matou Ítalo. “Abriu as portas do veículo Daihatsu e constatou que o condutor era uma criança [Ítalo] e que havia outra criança no banco traseiro”.

A juíza ainda demonstrou ironia em sua decisão contra o parecer do Ministério Público. “O promotor pretendia que o policial militar, quando emparelhou sua motocicleta com o veículo conduzido por Ítalo, permanecesse imóvel, como uma estátua de gesso, aguardando ser por ele atingido, para só depois atirar”, afirmou ela.

O laudo do veículo, porém, constatou apenas dano compatível com disparo de fora para dentro do carro. Não foi encontrado nenhum no sentido inverso, que apontasse que algum dos meninos tivesse atirado.

“A perícia, em momento algum disse que não houve tiro de dentro pra fora [do carro roubado]. Apenas concluiu que foram efetuados tiros de fora para dentro do veículo”. A juíza continua: “[Ítalo] não atiraria com o vidro fechado. E não atirando com o vidro fechado é impossível a perícia concluir que houve tiro de dentro para fora”, escreveu.

Segundo a Promotoria, houve ainda violação de dever por parte de um tenente na cena do crime ao ordenar que outro PM retirasse a arma que supostamente estava com Ítalo e a mantivesse sob seu poder —com o propósito ainda de induzir a perícia a erro.

A alteração da cena inclui, ainda de acordo com a denúncia, um disparo feito pelos policiais com a arma que disseram estar com Ítalo. “[Essa acusação] está desamparada de qualquer elemento probatório. É uma fantasia por parte do representante do Ministério Público. Nem mesmo o menor [amigo de Ítalo] afirmou isso em seus depoimentos”, afirmou a juíza.

A magistrada conclui ressaltando que aceitar a acusação contra os policiais, “além de grande injustiça, seria uma negação do estado aos direitos humanos dos policiais, os quais, mataram sim, mas em combate, em situação de legítima defesa própria, de terceiros e também no estrito cumprimento do dever legal”, disse.

O advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo classificou a decisão como "lamentável". ​ "Acaba legitimando e estimulando a violência policial", diz.

Segundo Alves, o processo criminal seria "fundamental para que todas as provas fossem analisadas, assim como as teses defensivas e acusatórias poderiam ser verificadas e discutidas".

Procurado, o Ministério Público de São Paulo informou que vai recorrer ao Tribunal de Justiça em segunda instância.

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