Palco da maior chacina de SP, rua vive dias de tiros, mortes e moradores assustados

Dois jovens foram mortos na sexta, em Osasco, onde oito foram assassinados em 2015

Rua Antônio Benedito Ferreira, em Osasco, epicentro da maior chacina do estado de São Paulo em 2015, voltou a ser palco de mortes Nelson Antoine/Folhapress

Marina Estarque
São Paulo

Antes de sair de casa, Euci Galhardo, 70, recita um salmo: "Mil cairão ao teu lado, e 10 mil à tua direita, mas não chegará a ti".

Na rua dela, à direita, caíram três estudantes, dois deles mortos a tiros, na última sexta-feira (7). À esquerda, a cerca de cinco minutos a pé, caíram 8 dos 17 assassinados na maior chacina do estado de São Paulo, em 2015.

A rua de Euci é a Antônio Benedito Ferreira, no bairro Munhoz Júnior, em Osasco, a mesma do bar do Juvenal, epicentro da chacina daquele dia 13 de agosto de 2015.

Na última sexta à noite, dois ataques a tiros deixaram quatro mortos em Osasco e Carapicuíba, na Grande São Paulo.

Na rua da dona de casa, três estudantes foram atingidos por tiros disparados por ocupantes de um carro prata. 

Um deles, Felipe Santos Soares, 21, morreu no local. Robson de Souza Gonçalves, 18, foi socorrido, mas não resistiu. Eles não tinham registro de passagem pela polícia. Os casos estão sendo investigados, e ninguém foi preso ainda.

Moradora da rua há 11 anos, Euci lamenta os episódios de violência. "Fico preocupada, a rua era tão boa antes", diz.

Na sexta, ela ouviu os tiros de casa e passou a noite em claro. "Agora rezo o salmo antes de sair e no caminho."

Como Euci, muitos moradores da rua estão assustados e evitam falar sobre os assassinatos. Eles fecham as portas às pressas ("Dá licença, deixei uma panela no fogo") ou dizem que estavam viajando e não sabem de nada. "Falar aqui é uma sentença de morte", diz um. "Quanto mais calado melhor", explica um outro.

Em um bar próximo, a dona conta que fechou as portas correndo ao ouvir os tiros e só reabriu no domingo.

Um dos estudantes foi baleado bem perto de seu comércio. "Foi no meio da rua, em um horário que tinha muita gente circulando. Podia ser com qualquer um, basta estar na hora errada no lugar errado", diz a proprietária, que pede para não ter seu nome divulgado.

A comerciante é irmã do dono do bar onde ocorreu a chacina em 2015. "Dá muito medo porque você não sabe de onde vem [o ataque], nem o motivo." Ela também perdeu um dos irmãos na noite de 2015.

"Você não se recupera nunca disso", conta, antes de encerrar abruptamente a conversa. "Já falamos bastante."

Sobre a chacina de 2015, um guarda municipal e três PMs foram condenados pelos crimes e estão presos.

No entanto, investigação interna da Polícia Militar de SP concluída em agosto diz não haver indícios suficientes para a corporação punir nenhum desses policiais condenados.

Ao lado do bar do Juvenal, a cabeleireira Simone Aparecida, 40, tem evitado sair depois das 19h. As filhas, de 20 e 22 anos, não conversam mais na rua, sentadas na calçada, como era comum ali. "Quando começamos a esquecer a chacina, voltou tudo de novo", diz. 

Apesar do histórico trágico, a rua não é muito diferente de outras da periferia de São Paulo. Os vizinhos se conhecem, e as pessoas andam calmamente pela via. O movimento de carros em geral é tranquilo. 

A maior parte da rua é ocupada por casas e pequenos comércios, muitos com telhado de zinco e tijolo aparente. Fitas verdes e amarelas foram penduradas nos muitos fios.

A escadaria onde morreu o estudante Felipe Santos Soares também é pintada com motivos da Copa do Mundo.

Uma taça e uma bandeira do Brasil desbotadas enfeitam o beco que, segundo moradores, é uma boca de fumo. Na esquina, de onde partiram os tiros, há uma caçamba de lixo, um fedor forte e uma pintura de Nossa Senhora de Fátima.

Ali, moradores relataram outros tiroteios no final de semana. A reportagem foi alertada por pessoas a sair do local: "Cai fora, cai fora", gritou um homem, fazendo um sinal de arma com os dedos.

Sentado na calçada ao lado da escadaria, um idoso disse não se importar com as mortes recentes. Ele ouviu os tiros de casa. "Foram mais de 30. Mas não tenho medo, não tenho nada a ver com isso", afirma.

Outra idosa, na casa vizinha, também diz que não se preocupa. "Não sou medrosa. Mas o povo está cismado, a rua ficou deserta." Apesar das mortes, muitos moradores acham que a rua não é mais perigosa do que outras da cidade.

Um motorista, de 40 anos, que se criou ali, diz que o local tem má fama. "Só ganhou destaque pela chacina de 2015, mas coisas assim acontecem em outros lugares do país."

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