Relações tendem a durar cada vez menos, diz chefe do Tinder na América Latina

Contato humano é insubstituível, mas diretor do aplicativo vê tipos diferentes de interações

Fotos em mural de jovens buscando match, são quatro linhas com dezenas de imagens
Mural com fotos de visitantes do Rock in Rio em busca de "matchs" - Cris Veronez/Folhapress
Gabriela Longman
UBERLÂNDIA

​Italiano de Gênova, Andrea Iorio foi salva-vidas, aprendeu árabe e morou em El Salvador, além de estudar economia e relações internacionais. Hoje comanda o Tinder América Latina e cerca de 30 pessoas a partir do Rio de Janeiro.

Convidado a discorrer sobre as competências dos novos profissionais do mundo digital pelo congresso Cities (Congresso Internacional de Tecnologia, Inovação, Empreendedorismo e Sustentabilidade), em Uberlândia, ele falou à Folha sobre a maré de mudanças em curso com a revolução digital.

 
Andrea Iorio, diretor do Tinder para a América Latina
Andrea Iorio, diretor do Tinder para a América Latina - Divulgação

Mais e mais, as plataformas de tecnologia passam a pautar a maneira como a sociedade se organiza. Museus e restaurantes planejam seus espaços pensando no Instagram, e a própria Folha publicou um ‘Tinder’ eleitoral em que o eleitor pode dar Match com seus candidatos. Como avalia essa tendência? Há uma mudança no ponto de contato. Se o ponto de contato originalmente era offline, cara a cara, hoje em dia ele é digital. As redes sociais vêm transformando o padrão de comportamento, e essas plataformas vêm para facilitar e complementar a experiência na vida real. O lado bom é que as chances de conexão entre pessoas, estabelecimentos, negócios aumentam exponencialmente. Mas tem o desafio permanente de não substituir a experiência humana e sim complementá-la positivamente.

Qual é a especificidade da América Latina, e mais especificamente do Brasil, nesse tipo de plataforma? A primeira coisa é que é a região que tem o tempo de uso médio nas plataformas sociais mais alto do mundo. O Brasil e a Argentina foram públicos pioneiros em plataformas como MSN Messenger ou, no caso específico do Brasil, no Orkut, e o que a gente está vendo é uma evolução, um desdobramento daquilo. Por tempo gasto na internet, o Brasil está pelo menos no top cinco. A gente tenta entender o que há por trás da demanda, destrinchar os fatores dessa abertura social pela via digital já que outras regiões e culturas mais tradicionais não têm a mesma receptividade.

Você lê estudos e tratados sobre o amor em tempos digitais? Leio muito, até para tentar melhorar a experiência do produto. Da teoria do Amor Líquido do [Zygmunt] Bauman até pesquisas mais detalhadas, vemos que a necessidade de estarmos conectados sempre existiu, mas, antigamente, a gente costumava ficar mais restrito. Sabemos, por exemplo, que a partir das plataformas digitais, o número de casamentos entre pessoas de círculos sociais diferentes —classe, religião, raça, gênero— tem aumentado. Por outro lado, na medida que as barreiras diminuem, as relações duram menos e sofrem o famoso ‘fear of missing out’ [medo de estar perdendo algo], uma espécie de constante insatisfação que faz as pessoas pularem mais de relacionamento, de emprego, em ciclos mais curtos. Meus avós Armando e Bruna nasceram em Savona e passaram a vida juntos. É algo que a gente vai ver cada vez menos. Não é melhor nem pior, mas diferente.

Os dados pessoais dos usuários ganharam valor e se transformaram em moeda de troca. Como avalia essa espécie de corrida do ouro atrás de big data? É um momento de transformações drásticas de alto impacto na população mundial. Eu resgato algo que o [teórico israelense] Yuval Harari aponta: as informações estão chegando primeiro em enormes quantidades; segundo, em tempo real; terceiro, vindo de fontes totalmente diferentes, inclusive dados bioquímicos do nosso corpo que o levam a dizer que seremos uma das últimas gerações de homo sapiens. É muito possível que daqui a pouco possamos programar um ser humano, replicar DNA e outros elementos, hackear nossos próprios códigos. Precisamos lidar com isso da forma mais humana possível.

Como vê a disputa entre as grandes empresas de tecnologia e o poder público, como os conflitos entre Google e o governo chinês, o Facebook e as eleições nos Estados Unidos? Quando você chega com uma tecnologia extremamente transformadora você acaba polarizando um pouco, provocando conflitos. Vejo que tudo que é transformador gera um impacto que, por um lado, é bem recebido, por outro pode incomodar o statu quo. Acredito que vai existir uma cooperação maior, porque os dois lados têm interesses comuns. Mas a capacidade de cooperar depende do grau de abertura.

Qual é o principal de desafio para entrada da inovação no Brasil? Enxergo o Brasil de forma mais positiva do que geralmente ouço. Os desafios ainda estão na injeção de capital por conta de questões macroeconômicas —variação cambial, déficit público. A maioria dos investimentos ainda está concentrada no setor primário e setores mais tradicionais. Talvez a ingestão de fundos ainda precise acontecer com maior confiança pelos investidores internacionais e um maior índice de priorização pelos investidores nacionais.

 
Como você foi parar nesse universo? Tenho um percurso fora do comum: estudei literatura, latim e grego antigo no colégio na Itália, de onde eu sou, fiz economia e mestrado em relações internacionais nos EUA. Mas já trabalhei de salva-vidas, fiz estágio na empresa do meu pai e fui para o Egito estudar árabe. Quis experimentar vários contextos, o que me ajudou muito a desenvolver flexibilidade cognitiva, que é uma das coisas que acho mais importantes nesse cenário. No Brasil, mesmo sem ter experiência, comecei a trabalhar no Groupon e faz quase cinco anos que estou à frente do Tinder.

Está no aplicativo? Sim. Sou usuário há algum tempo, com certo sucesso.

Dicas para não correr riscos em encontros com paqueras de aplicativo

- Procure a pessoa em outras redes sociais

- Evite sair com quem não posta fotos

- Verifique se existem amigos em comum entre vocês

- Marque encontros em lugares públicos

- Fale para amigos ou familiares aonde está indo

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