Seguidores dizem ter sofrido abuso sexual por médium no Paraná

Maury da Cruz responde a denúncia na Justiça; ele nega todas as acusações

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Curitiba

"Querendo ou não, com a sociedade machista como a nossa, quando o negócio é com homem a gente não é de contar."

João (nome fictício), 37, é uma das dezenas de pessoas que afirmaram ao Ministério Público Estadual do Paraná que foram abusadas sexualmente pelo médium Maury Rodrigues da Cruz, presidente da SBEE (Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas).

O médium Maury Rodrigues da Cruz, diretor da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas (SBEE)
O médium Maury Rodrigues da Cruz, diretor da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas (SBEE) - Reprodução

À Folha João diz que os abusos tiveram início quando começou a frequentar o centro, em Curitiba (PR), há cerca de 12 anos. Segundo ele, os episódios se estenderam de forma intermitente por seis anos.

Ele afirma que não foi a público antes porque, por muito tempo, colocou em dúvida sua própria avaliação dos fatos.

Maury, que nega a acusação, foi denunciado em agosto por abuso sexual mediante fraude e estelionato. A denúncia foi aceita, e a ação corre sob sigilo. Quatro supostas vítimas processam ele. Seus advogados afirmam que mais de 40 pessoas só puderam se envolver na ação como testemunhas, já que o prazo de seis meses para representar contra ele havia prescrito.

A história veio à tona em fevereiro, quando Giulio Ferreira, 38, divulgou no YouTube o primeiro vídeo relatando os abusos que teriam sido cometidos. Ele começou a frequentar o centro aos 15 anos.

Os relatos são similares. Os abusos ocorreriam durante as sessões de "ectoplasmia" que adentravam a madrugada, o médium teria preferência por homens jovens, às vezes menores de idade, e usaria a fé dos seguidores para cometer os crimes.

A "ectoplasmia" acontecia depois do atendimento ao público na SBEE. Nessas ocasiões, algumas pessoas se reuniam em torno do médium para captar seu ectoplasma —espécie de energia, de acordo com os seguidores. Segundo os relatos, Maury chamava alguns jovens separadamente e cometia os abusos.

Nessas sessões, ainda segundo as denúncias, o líder espiritual fingia gemer de dor, pedia que seu ventre --onde dizia que a dor era mais forte—​ fosse tocado, forçava a cabeça dos jovens contra seus genitais e os obrigava a beijá-lo.

Segundo os relatos, ele simulava incorporar espíritos como o do médico Leocádio José Correia, que convenciam os seguidores a fazer o que desejasse. "Leocádio dizia: 'não se avexe, meu filho, faça o que você tem vontade', no mesmo dia em que abriu a calça e pediu para tocar o baixo ventre", diz um dos seguidores em declaração escrita.

"Em outra ocasião pediu para eu sentar ao seu lado e abraçá-lo, em outra me forçou a deitar na cama junto a ele e tentava puxar minha cabeça para me beijar (...) E sempre usando o nome do espírito de Leocádio: 'Ele está passando muito mal, você precisa abraçá-lo e fazer o que é preciso'."

O engenheiro Fernando Frazão, 38, diz ter sido vítima de abuso sexual no ano passado. Segundo ele, o médium tentou beijá-lo diversas vezes, explorando sua fé. "Ele vai construindo a vaidade em você, te colocando como especial, vem o espírito para conversar..."

"Quando você está lá dentro, as pessoas estão tão [envolvidas] naquilo que, se você falar, vai ser rechaçado."
 

​Sanir Bergamo Furtado, 61, é mãe de Michel Bergamo, 40, autor de uma carta aberta, e que conta os abusos que teria sofrido quando adolescente. Ela diz que o filho não falou antes porque tinha medo de ser perseguido pelos espíritos.

"Eu acreditava que estava protegendo meus filhos de um mal maior", afirma. "Meu filho faz tratamento com psicólogo até hoje. Não é uma denúncia vazia, queria que as pessoas soubessem da minha dor."

O economista Luiz Vencato, 59, por sua vez, acusa Maury de estelionato. Ele diz que, entre outras doações, investiu cerca de R$ 2 milhões em 2009 para construir a sede da SBEE.

Não conseguirão me atacar moralmente, diz médium em vídeo

Frente às acusações disseminadas na internet, o líder espiritual moveu dois processos por calúnia e difamação.

Em 2013, ele já havia processado uma frequentadora da sociedade por calúnia. Ela havia afirmado que jovens que participavam da "ectoplasmia" eram submetidos a "condutas impróprias".

Quando as primeiras acusações contra Maury da Cruz vieram à tona, no início do ano, o médium gravou um vídeo em que defendeu sua inocência e sugeriu que haveria interesses em influenciar a SBEE por trás da denúncia.

"Minha vida é aberta, tenho uma história de dignidade. Nunca ninguém vai conseguir me atacar moralmente", diz na gravação. "Admiro muito que algumas pessoas ainda pensem que eu abaixaria a cabeça para que eles possam, por exemplo, ter influências ou manipular" a entidade.

No vídeo, diz que organizou a SBEE "tijolo a tijolo" e que, "enquanto for encarnado", dirigirá a instituição. "Acredito que os irmãos me conhecem. Não preciso me defender, mas tomarei todas as medidas necessárias judiciais para que essas pessoas possam responder essas agressões e violações do direito", afirma.

Procurada pela Folha, a defesa do médium não prestou mais informações, alegando segredo de Justiça.
Antes do oferecimento da denúncia, seus advogados já haviam movido dois processos por calúnia e difamação. A defesa também não quis comentá-los.

Vinte e cinco médiuns da SBEE assinaram nota afirmando que a acusação é inverossímil. "Não se pode acreditar porque seria necessário o concurso e a cumplicidade de todos os participantes dos trabalhos, inclusive do espírito Leocádio", diz o texto.

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