Candidatos ao Governo de SP reciclam propostas para saúde

Em geral, planos são genéricos e não especificam de onde sairão os recursos

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São Paulo

Sem apresentar propostas concretas para os gargalos do SUS no estado de São Paulo e sem levar em conta o cenário econômico, candidatos ao governo paulista fazem uma “reciclagem” de projetos anteriores para a saúde.

Paulo Skaf (MDB), por exemplo, promete criar o sistema integrado de saúde, plataforma que unificaria a oferta e demanda por serviços, mesmo plano apresentado em 2014.

João Doria (PSDB) reedita, para o âmbito estadual, o Corujão da Saúde, sua bandeira na Prefeitura de São Paulo e que prevê contratação de exames da iniciativa privada, para diminuir a fila de espera.

O programa mostrou-se paliativo e limitado. Após a fila ter sido declarada zerada, a demanda voltou a crescer.

Márcio França (PSB) reciclou proposta de ampliar o acesso a serviços essenciais de saúde, como a redes Hebe Camargo de Combate ao Câncer e a de reabilitação Lucy Montoro, que já constava no plano de governo de Geraldo Alckmin (PSDB), ou dele próprio, que era vice em 2014.

 
Luiz Marinho (PT) copiou proposta do Mais Especialidades, programa que o ex-ministro da Saúde Artur Chioro não conseguiu implantar na gestão de Dilma Rousseff (PT).

"Isso comprova que as promessas não são para valer. Os programas fazem um recorta e cola de eleições passadas, sem compromisso com um diagnóstico atual e com propostas viáveis”, afirma o professor de saúde preventiva da USP Mario Scheffer, que analisou as propostas dos candidatos a pedido da Folha.

Foram considerados programas oficialmente registrados no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo pelos quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto.

Com um orçamento para a saúde de cerca de R$ 26 milhões (12% do total de R$ 216,5 bilhões para os gastos estaduais), o Estado tem 60% da sua população dependendo exclusivamente do SUS.

Mesmo entre os 40% com planos de saúde, 31% buscaram atendimento público nos últimos dois anos, segundo pesquisa Datafolha.

Os candidatos também não levam em conta o cenário de queda nas receitas e o orçamento enxuto. “Olhar para isso deveria ser pré-requisito. As pessoas estão perdendo seus planos de saúde e indo para o SUS. É preciso pensar sério sobre como fazer mais o que se tem hoje”, diz a médica Ana Maria Malik, coordenadora do FGV-Saúde.

Todos os candidatos ao governo paulista prometem a expansão da atenção primária e apoiar os municípios para tal, mas não mencionam recursos e ações para que isso possa ser viabilizado.

Nenhum candidato propõe solução convincente e sustentável para a demora na atenção ambulatorial especializada (consultas, exames, procedimentos e cirurgias), principal gargalo do SUS paulista.

Já implantar tecnologia para melhorar informação e referenciamento de pacientes é unanimidade entre os quatro candidatos. Porém, também não apresentam quais recursos e meios serão usados para promover a integração em uma rede tão fragmentada, com diferentes níveis de atenção e dos múltiplos gestores de serviços.

“As propostas são genéricas, não mencionam metas ou custos. Corujão, mutirão são medidas paliativas, é como enxugar gelo”, afirma Scheffer.

Sobre o Corujão da Saúde, Doria diz que herdou uma fila de 485 mil pessoas à espera de exames de imagens e que a zerou em 83 dias. Mas a demanda voltou a crescer e hoje 45 mil aguardam agendamento.

“A queda reforça o sucesso do programa. Para evitar que novas filas se formem, é necessário investir em medicina preventiva, bem como a melhoria na informatização dos sistemas de histórico médico e de exames dos pacientes, evitando a repetição de exames”, disse Doria, em nota.

O candidato afirma que o “Corujão” estadual vai atacar as filas para exames e para as consultas com especialistas.

Já Marinho diz que o “Mais Especialidades” estará voltado prioritariamente para as áreas com maior estrangulamento e dificuldade de acesso, como ortopedia, oftalmologia e cardiologia.

“O paciente será atendido de forma integrada e de acordo com sua necessidade, superando os encaminhamentos burocráticos e o longo tempos de espera”, afirma.

Em relação à gestão, organização e regulação da saúde estadual, as propostas ou reproduzem o que já está previsto há 30 anos na legislação do SUS, como as regiões de saúde, ou trazem platitudes, sem detalhamento do que se trata a proposta e sem apontar recursos e meios para viabilização, segundo Scheffer.

“[A criação de regiões de saúde] Sim, é uma proposta antiga, que até hoje não foi feita. Não quero reinventar a roda, mas vou tirar as pedras para que a roda gire. Não dá certo porque não há comprometimento de verdade para fazer”, diz Skaf.

Ele também defende a proposta de criação de um sistema informatizado que regule a oferta e a demanda do SUS, da mesma forma que fazem as empresas aéreas.

“Minha proposta de 2014 continua válida e necessária. Detectei esse problema e, desde então, nada foi feito para saná-lo. Não é um investimento caro. Exige cerca de R$ 30 milhões”, diz o candidato.

O candidato Márcio França não respondeu aos questionamentos feitos pela Folha.

Segundo a advogada Lenir Santos, especialista em gestão e direito público, há no papel 438 regiões de saúde, mas só no Ceará e em Mato Grosso do Sul elas funcionaram dentro do que estava proposto na legislação. O Ministério da Saúde, porém, não renovou os contratos com esses estados.

Fila na frente na entrada da farmacia de alto custo do Hospital das Clinicas, em São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

Pela lei, essas regiões seriam financiadas pela União, estados e municípios. Cada uma delas deveria ser autossuficiente para cuidar da atenção básica, da média e alta complexidade, dos cuidados hospitalares, de saúde mental e, por fim, da urgência e emergência.

“Grande parte dessas regiões não consegue ter serviços suficientes. Falta interesse político da União e os estados, por sua vez, não transferem para os municípios o volume de recursos que deveriam. Mandam um tico de dinheiro para atenção básica", diz Lenir.

POSPOSTAS NÃO CONTEMPLAM CONTROLE DAS OSs​

Principal modalidade de gestão de hospitais e serviços de saúde no estado, as OSs (Organizações Sociais) não receberam atenção nos programas dos candidatos ao governo paulista.

Não há nos planos detalhes sobre a atuação, repasse de recursos e controle dessas organizações, que são alvos de uma CPI da Assembleia Legislativa de São Paulo desde fevereiro deste ano. A comissão investiga irregularidades em serviços prestados em hospitais e unidades de saúde estaduais.

Um relatório do Tribunal de Contas do Estado enviado à CPI aponta 23 problemas em serviços de saúde geridos pelas OSs, como o descumprimento de metas estabelecidas e médicos em número insuficiente e desrespeitando escalas de trabalho.

Segundo o TCE, essas entidades receberam mais de R$ 50 bilhões dos cofres públicos paulistas (estado e municípios) nos últimos cinco anos —R$ 38 bilhões somente do governo do estado.

“Essas organizações pegam um volume muito grande de recursos públicos. Têm um papel muito importante na rede estadual, mas é preciso mais transparência, mais controle desses recursos”, afirma Mario Scheffer.

À Folha, Skaf diz que as OSs são o futuro do atendimento em saúde e que pretende aumentar a quantidade de hospitais gerenciados por essas organizações e avançar nas formas de controle e a fiscalização desses contratos. Mas, de novo, não especifica de  forma isso ocorrerá.

Doria afirma que as OSs prestam serviços relevantes, mas que podem ser melhorados. “Isso não impede que a fiscalização seja intensificada tanto por parte daqueles que usam a rede como por parte do governo que tem o dever de garantir transparência em parceria com o próprio TCE.”

Já Marinho diz que fará uma revisão criteriosa dos contratos atuais e fortalecerá os mecanismos de controle, auditoria e fiscalização do uso dos recursos públicos.

“O Estado de São Paulo deve assumir o papel de coordenador e articulador de um sistema estadual, junto com os municípios, superando essa fragmentação que acontece hoje com a gestão feita por diferentes OSs, que não se submetem à regulação regional.”

Márcio França não respondeu aos questionamentos. 

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