Confronto entre policiais de SP e MG envolvia negócio ilegal e dinheiro falsificado

Suspeita é que agentes receberam R$ 1.500 para fazer 'escolta VIP' de empresários

Rogério Pagnan Flávia Faria
São Paulo

O confronto entre policiais civis de São Paulo e de Minas Gerais que deixou um morto e dois feridos em Juiz de Fora (MG) pode ter ocorrido quando os agentes paulistas descobriram que estavam recebendo notas falsas em um negócio ilegal —lavagem de dinheiro— que envolvia cerca de R$ 14 milhões.

A avaliação está em documento da Justiça mineira produzido em audiência realizada no domingo (21). Na ocasião, foi convertida para prisão preventiva o flagrante de quatro policiais civis paulistas (dois deles são delegados) e de dois empresários envolvidos diretamente no caso.

O confronto, ainda com motivos não esclarecidos, ocorreu na tarde da última sexta-feira (19) em um prédio anexo a um hospital. Durante a ação, um policial mineiro de 39 anos foi morto, e dois empresários foram baleados. Segundo investigações preliminares, os policiais civis de São Paulo estariam na cidade para realizar uma “escolta vip” para um doleiro e dois empresários. 

Cada policial, segundo apuração, receberia R$ 1.500 para fazer esse trabalho. Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, alguns dos agentes envolvidos estavam em horário de serviço durante as ações. 

De acordo com a Justiça mineira, há indícios de que os policiais tinham conhecimento da ilegalidade da transação feita entre os empresários. Eles estão presos por lavagem de dinheiro, mas podem ser indiciados também por estelionato, prevaricação, sonegação fiscal e organização criminosa, a depender da conclusão das investigações. 

Após a troca de tiros, foram apreendidas as malas com o dinheiro que seria negociado. A principal suspeita é que as notas falsas de real pertençam ao empresário mineiro Antônio Vilela. Em 2009 e 2015, ele já havia sido preso por tentar negociar dólares e pedras preciosas com notas falsas.

A polícia suspeita que os paulistas teriam ido a Juiz de Fora para negociar dólares, mas nenhuma quantia da moeda americana foi apreendida. 

Escolta

Alvo da escolta, o doleiro Flávio de Souza Guimarães saiu de São Paulo em direção a Minas em um avião particular para realizar um "negócio milionário". No voo, estava acompanhado de um delegado da polícia de SP, dos empresários Roberto Uyvare Júnior e Jerônimo da Silva Leal Júnior e de seu advogado.

Uyvare Júnior, segundo a Justiça mineira, possui empresas na França, na Espanha e no Brasil. Já Leal Júnior seria dono de uma empresa de segurança em São Paulo.

Leal Júnior é irmão de um investigador, um dos quatro policiais presos após o confronto. Ainda segundo a Justiça mineira, esse investigador foi de carro a Minas na companhia de outros sete policiais, entre eles o delegado Bruno Martins Magalhães Alves, para escoltar o doleiro.

Os policiais de São Paulo, segundo a Justiça, estariam "fortemente armados", com pistolas 380, .40 e 45. Também teriam de rádios comunicadores e coletes a prova de balas. Eles usaram dois carros alugados e se hospedaram, na madrugada de sexta-feira, em um hotel próximo ao hospital.

No lobby do hotel, o doleiro Flávio, o empresário Uyvare Júnior e o advogado Mario Garcia Júnior, passaram a negociar com Antônio Vilela, esse oriundo de uma outra cidade mineira e que estava com um homem não identificado.

Em seguida, parte dos policiais civis paulistas seguiu para o estacionamento do hospital, onde trocou tiros com policiais civis mineiros que faziam a escolta de Vilela, que também saiu ferido.

“Ao que se presume, o chamado de ‘desacerto’ [entre as partes] ocorreu depois que os ‘negociantes’ de São Paulo detectaram a falsidade [das notas em reais], reforçando o argumento de que precisavam mesmo de segurança e proteção”, diz documento da Justiça mineira. 

Depoimentos indicam que a bala que matou o policial mineiro Rodrigo Francisco teria partido do empresário Jerônimo Júnior, mas a Justiça ainda aguarda perícia.

No momento do confronto, segundo a investigação, cinco policiais já estavam no caminho de volta a São Paulo e, dessa forma, não teriam participado da troca de tiros, apenas da escolta inicial. Suas prisões não foram decretadas, mas eles são alvo de investigação.

Ferido com um tiro no pé, Vilela teve alta do hospital na noite de domingo e está preso no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional de Juiz de Fora, por lavagem de dinheiro.

Já o empresário paulista Jerônimo da Silva Leal Júnior, ferido no abdômen, foi levado a um hospital da região, onde está internado em estado grave. Ele está sob escolta policial por suspeita de homicídio.

O doleiro Guimarães e o empresário Uyvare teriam fugido do local do tiroteio e voltado a São Paulo.

Guimarães prestou depoimento nesta segunda (22) à Polícia Civil da capital paulista. Ele negou ter levado dólares na viagem e afirmou que foi até Minas negociar um empréstimo para sua empresa. 

O doleiro também disse que contratava os serviços da empresa de segurança de Jerônimo da Silva Leal Júnior rotineiramente.

Segundo nota da Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP, delegados da capital e da Corregedoria estão em Juiz de Fora para apurar as circunstâncias do caso e verificar o que os agentes faziam na cidade fora do horário de trabalho. “Comprovados desvios de conduta, os policiais envolvidos responderão administrativa e criminalmente, de acordo com os atos praticado por cada um", diz, em nota, a pasta do governo Márcio França (PSB), candidato à reeleição.

Colaborou Agora

 

Entenda o caso

Escolta Nove policiais civis de São Paulo, entre eles dois delegados, foram contratados para escoltar três empresários paulistas durante negociação em Juiz de Fora (MG). Eles receberiam R$ 1.500 pelo serviço

Negociação Na sexta (19), em um hotel da cidade mineira, os empresários paulistas iniciaram uma negociação com o mineiro Antonio Vilela. A suspeita é que os paulistas tinham ido negociar dólares

Pagamento Mais tarde, Vilela, os empresários e quatro policiais paulistas foram até o estacionamento de um hospital, onde uma transação envolvendo R$ 14 milhões seria finalizada. Lá também estavam quatro policiais mineiros, que, suspeita-se, fariam a escolta de Vilela

Notas falsas Segundo a investigação, os paulistas teriam descoberto que notas de real usadas no pagamento eram falsas. Isso teria dado início ao tiroteio

Feridos Três pessoas foram baleadas: o mineiro Vilela, que já teve alta do hospital; o empresário paulista Jerônimo Jr., que está internado em estado grave; e o policial mineiro Rodrigo Francisco, que morreu no local

Retorno Cinco dos nove policiais civis retornaram a São Paulo antes da ação que resultou no tiroteio. Eles não foram presos, mas estão sendo investigados, já que a transação de dinheiro era ilegal

Presos Foram presos os quatro policiais paulistas que estavam presentes no tiroteio, Vilela e o empresário Jerônimo Jr., que está internado sob custódia policial

Investigados O doleiro paulista Flávio Guimarães está em liberdade, mas não pode deixar o país. Os quatro policiais mineiros e o empresário paulista Roberto Uyvare Jr. também são investigados

Apreensão As malas com R$ 14 mi em dinheiro, que seriam de Vilela, foram apreendidas pela polícia de MG. Não foram encontrados dólares

Quem está preso

  • Jorge Alexandre Barbosa de Miranda, investigador da Polícia Civil de SP, por lavagem de dinheiro 
  • Caio Augusto Freitas Ferreira de Lira, investigador da Polícia Civil de SP, por lavagem de dinheiro  
  • Bruno Martins Magalhães Alves, delegado da Polícia Civil de SP, por lavagem de dinheiro 
  • Rodrigo Castro Salgado da Costa, delegado da Polícia Civil de SP, por lavagem de dinheiro 
  • Antônio Vilela, empresário mineiro, por estelionato
  • Jerônimo Jr, empresário paulista, pelo homicídio do agente mineiro Francisco

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