Entenda o caso dos avós brasileiros condenados nos EUA em meio a disputa por criança

Condenado, casal está em prisão domiciliar enquanto aguarda divulgação da duração da sentença

Marcelo Freire
São Paulo | UOL

Em julho de 2013, a brasileira Marcelle Guimarães vivia nos Estados Unidos e viajou com o filho, de três anos, para o Brasil, com a permissão do pai, o americano Christopher Brann. O casal havia se separado um ano antes, e passava por um processo de divórcio envolvendo acusações de maus tratos e violência. Sem o consentimento de Brann, Marcelle decidiu não voltar para Houston (EUA), e permaneceu em Salvador, onde vive até hoje com o menino, agora com 9 anos.

A mudança da criança sem permissão do pai culminou, em fevereiro de 2018, na prisão e na condenação dos avós maternos do menino, os brasileiros Carlos e Jemima Guimarães, sob a acusação de colaborarem com a filha em um crime de sequestro internacional, violando os direitos parentais da lei americana.

Da esquerda à direita, Marcelle, Jemima e Carlos Guimarães
Da esquerda à direita, Marcelle, Jemima e Carlos Guimarães - Arquivo pessoal/Divulgação

Condenados em maio, Carlos e Jemima estão em prisão domiciliar em Houston enquanto aguardam a divulgação da duração da sentença. Eles foram julgados como cidadãos americanos —os avós têm dupla cidadania, assim como Marcelle— e podem pegar até três anos de cadeia.

Para o Itamaraty, a prisão dos avós fere a Convenção de Haia, de 1980. E, apesar de a localização da criança ser conhecida, o menino aparece na lista de desaparecidos da Interpol a pedido do FBI, a polícia federal americana.

Enquanto isso, os pais do menino, ambos com 39 anos, trocam acusações mútuas de comportamento violento, distúrbios psicológicos e continuam suas disputas de guarda nas Justiças do Brasil e dos EUA, que vivem um impasse jurídico para decidir sobre o destino da criança.

BRIGAS INCONTORNÁVEIS

Marcelle e Chris se conheceram em 2006 na Universidade Rice, em Houston, onde faziam mestrado. Os pais da brasileira já haviam morado na cidade anos antes, época em que Carlos, engenheiro, trabalhava na multinacional Dow Chemical.

Marcelle morava sozinha nos EUA quando começou a namorar Chris Brann. Eles se casaram em fevereiro de 2008 e o único filho do casal nasceu em setembro de 2009.

Segundo o relato de ambos, as brigas logo se tornariam incontornáveis. O casal se separou em 2012 e, no fim daquele ano, Marcelle pediu o divórcio e a guarda unilateral da criança. A Justiça do Texas concedeu guarda compartilhada.

Enquanto o processo corria, Marcelle fez uma solicitação para levar o filho em uma viagem ao Brasil, em julho de 2013, para o casamento do irmão dela. Chris e Marcelle acordaram, diante do tribunal, que ela retornaria aos EUA no dia 20 daquele mês.

Marcelle permaneceu em Salvador e entrou com um pedido na 2ª Vara de Infância e da Juventude, em Salvador, para obter a guarda unilateral do menino, ganhando a ação.

“A questão da Convenção de Haia foi decidida aqui no Brasil. A Justiça entendeu que havia risco, considerou a exceção e por isso estabeleceu que a criança deve ficar aqui. E a Convenção não estipula penalidades: o objetivo é resolver a situação do ponto de vista do interesse da criança”, diz Marcela Fragoso, advogada de Marcelle. 

“A regra da convenção é clara para regular esse tipo de caso. Você não pode reter a criança no exterior sem anuência do outro pai ou sem autorização judicial. E a convenção presume que o país que a criança residia —os EUA, no caso— é capaz de promover sua proteção”, afirma Sérgio Botinha , advogado de Chris Brann, no Brasil.

PRISÃO

O engenheiro Carlos Otávio Guimarães, 67, trabalhou por anos na multinacional Dow Chemical. Nos EUA obteve dupla cidadania junto com a mulher, a educadora Jemima Guimarães, 65. Eles retornaram ao Brasil anos depois —até a prisão nos EUA, Carlos era presidente da multinacional de commodities agrícola de origem britânica, no Brasil.

Jemima é dona de uma escola primária em Salvador, que é parte do processo contra os avós brasileiros. Isso porque Jemima matriculou o menino no ano letivo dessa escola três meses antes de seu desembarque em Salvador —o que, segundo a Promotoria americana, comprova a intenção da avó de contribuir para a retenção do neto no Brasil. Sua defesa nega.

Carlos, por sua vez, comprou e alterou passagens aéreas da filha no momento em que ela estava no Brasil em julho de 2013, o que configuraria sua contribuição para o crime, de acordo com a Promotoria.

O casal foi preso por policiais federais em 7 de fevereiro de 2018 ao desembarcar em Miami, na Flórida. Absolvidos do crime de conspiração, os dois foram condenados, em 25 de maio, pela acusação de sequestro internacional parental

Agora, aguardam a sentença em prisão domiciliar, em Houston. A pena pode ser de uma multa em dinheiro a até três anos de prisão —a divulgação da pena está prevista para dezembro.

VERSÕES

Marcelle acusa os advogados norte-americanos do ex-marido de terem relações suspeitas com o magistrado do Texas que julgava o caso de divórcio. 

“Eu não tinha ideia que ia ficar aqui, tinha até data para voltar. Eu tinha uma carreira lá, uma casa onde ele está morando hoje e que foi fruto do meu esforço. Aqui no Brasil, resolvi consultar advogados e tentar entender o que estava acontecendo. Pensei no risco que meu filho teria se voltasse para lá, então fui buscar uma saída aqui, dentro da lei”, conta.

Ela diz que Brann e a Justiça norte-americana estão usando a prisão dos avós como “moeda de troca” para conseguir o retorno do menino ao país.

Assim como a mãe tem suas desconfianças com a Justiça americana, Chris também enxerga motivos para afirmar que está sendo prejudicado pelos tribunais do Brasil. “É absolutamente injusto. Ela [Marcelle] fez alegações sem evidências, que se contrapunham aos fatos investigados e provados falsos no Texas. Apesar disso, o juiz [brasileiro] se recusou a ouvir minha versão.”

A comunicação entre ele e o filho ficou difícil após a prisão dos avós Carlos e Jemima Guimarães, em fevereiro. Segundo Brann, autoridades norte-americanas o aconselharam a, por sua própria segurança, não viajar mais para o Brasil.

Sem poder ver o filho, sua alternativa é conversar via Skype, direito que a Justiça brasileira lhe concede. Mas, de acordo com Brann, sua ex-mulher está impedindo essa comunicação.

“Ela está alienando ele de mim. Está usando seu próprio filho como munição contra um pai, uma ferramenta para machucar outra pessoa. Isso é abuso infantil”, diz ele. A mãe nega que esteja vetando a comunicação entre os dois.

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