Descrição de chapéu Eleições 2018

USP tem tarde de manifestações pró e anti-Bolsonaro um dia após eleição dele

Ato de 20 pessoas em apoio ao novo presidente foi rebatido por outro, com mil, em defesa da democracia

Joelmir Tavares Danilo Verpa
São Paulo

Dois grupos, um a favor de Jair Bolsonaro (PSL) e outro contrário, fizeram marchas dentro do campus da USP na tarde desta segunda-feira (29), promovendo uma disputa “ele sim” versus “ele não” entre os prédios da universidade, no Butantã (zona oeste).

O ato em apoio ao presidente eleito reuniu cerca de 20 pessoas —a maioria não estuda na USP. Organizado em resposta, um protesto “contra o fascismo” e pela democracia atraiu em torno de mil pessoas, segundo estimativa da guarda universitária.

​O evento “Marcha do Chola Mais”, marcado pelo Facebook para “cantar e comemorar” a vitória de Bolsonaro, recebeu mais de 2.800 confirmações de presença até a tarde desta segunda.

A previsão de que uma multidão comparecesse alarmou a direção e alunos da universidade, que temiam conflitos. A Polícia Militar acompanhou a manifestação, que no fim foi bem menor que o esperado.

Ao longo das últimas horas, se espalharam na internet suspeitas de possíveis ataques a estudantes contrários a Bolsonaro, além de ameaças de invasão ao prédio da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).

A diretora da faculdade pediu ao reitor da USP,  Vahan Agopyan, providências para proteger os alunos e funcionários —inicialmente, a convocação no Facebook falava em encerrar a marcha na FFLCH. A socióloga Maria Arminda do Nascimento Arruda divulgou vídeo para tranquilizar a comunidade.

Diante do clima de pânico e do risco de confronto, a reitoria pediu reforço policial.

O número de pessoas na partida do ato pró-Bolsonaro, em frente à Poli-USP (Escola Politécnica), foi o mesmo que chegou ao encerramento, depois de aproximadamente 30 minutos de passeata, perto de uma das portarias do campus. Estudantes ouvidos pela reportagem falaram que, dos 20 participantes, a maioria era de fora.

Diretora da Poli, a Liedi Bernucci disse à Folha que reconhecia apenas dois alunos da faculdade entre os manifestantes. "O reitor está muito preocupado. Qualquer episódio de violência aqui seria um desgaste para a universidade, para a imagem da escola", afirmou Liedi enquanto acompanhava a concentração do ato.

Os seguidores do capitão reformado criticavam o que chamam de doutrinação de esquerda nas universidades públicas e de perseguição a militantes de direita. Queriam “mostrar que a USP não é hegemônica da esquerda, dos comunistas”.

Um dos organizadores foi o deputado estadual eleito pelo PSL em São Paulo Douglas Garcia, 24, que não estuda na instituição. Cofundador do movimento Direita São Paulo, ele discursou no fim do ato e criticou o que classifica como uso de recursos públicos para difundir ideologias políticas.

De acordo com Garcia, o ato foi organizado a pedido de alunos da USP que se sentem intimidados a se declarar de direita no ambiente universitário. O evento na rede social foi criado pela página USP Livre, uma organização de estudantes identificados com o liberalismo econômico e o conservadorismo.

O parlamentar eleito disse que uma de suas primeiras ações no mandato estadual será propor uma CPI para investigar "a participação de movimentos de esquerda na universidade, contrários aos objetivos que a faculdade tem”.​

"A gente tem hoje dentro das universidades, infelizmente, um ambiente ditatorial, hostil, onde só a esquerda pode falar", afirmou Garcia, antes de fazer uma defesa do Escola sem Partido. "Com Bolsonaro na Presidência, temos 100% de chance de esse projeto ser sancionado".

Dez carros da PM, seis motos e pelo menos 15 agentes a pé acompanharam o trajeto da marcha. A corporação combinou com os organizadores que a passeata deixaria de passar em frente à FFLCH, como anunciaram antes na internet. Os dois atos não se cruzaram.

Estudantes responderam à passagem com risos à passagem do grupo, que agitava uma bandeira do Brasil e outra com a foto de Bolsonaro. Um dos participantes empunhava um "pixuleko" do ex-presidente Lula (PT), outro batia um tambor. Apesar das provocações, não houve hostilidade grave.

Os apoiadores do futuro presidente entoavam coros enquanto andavam: "Eu quero a minha Taurus" (referência à marca de armas de fogo), "Haddad, ladrão, perdeu a eleição", "Ei, Manuela, vai pra Venezuela" (numa provocação à vice da chapa do petista, Manuela D'Ávila), "Xô, satanás, PT nunca mais", "Lula, ladrão, vai mofar na prisão".

No meio da caminhada, um rapaz com celular em punho, gritou: "Ô, galera, tem mais de 800 pessoas assistindo!". Os colegas comemoraram a audiência da transmissão ao vivo na internet.

Enquanto isso, na FFLCH —historicamente associada a causas progressistas e de esquerda—, alunos fizeram de última hora uma assembleia. Eles decidiram também sair pelo campus como sinal de resistência a Bolsonaro, segundo participantes.

Um incidente ocorreu quando um dos participantes do ato de apoio ao futuro presidente, já encerrado àquela altura, se aproximou de um grupo de antifascistas que compunham o movimento iniciado na FFLCH. De camiseta amarela com a bandeira do Brasil, ele levou um chute ao passar no meio dos rivais, na intenção de provocá-los.

O rapaz e uma jovem usando uma touca que só deixava os olhos à mostra discutiram. Os dois trocaram empurrões. O manifestante foi retirado por um funcionário da segurança da USP e depois se afastou voluntariamente.

"A USP foi um polo de resistência durante a ditadura. Os militantes de esquerda da universidade foram mortos, desapareceram", lembrou Juliana Godoy, 19, aluna de ciências sociais e integrante do diretório central dos estudantes.

De acordo com ela, atos como o desta segunda são uma forma de se contrapor a ameaças à liberdade democrática representadas por Bolsonaro. O diretório ajudou a articular a passeata, que foi encerrada na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo).

Dentro do prédio, a multidão cantou refrões (“ele não, ele nunca, ele jamais”) e aplaudiu quando foi estendida uma faixa com os dizeres “não vão nos calar”. Um pano vermelho pendurado ao lado estampava em letras grandes a palavra "resistir".

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