Adesão ao Mais Médicos cria buraco de 2.800 médicos em postos do Saúde da Família

Levantamento do Conasems mostra que migração atinge quatro em cada dez inscritos no programa

Natália Cancian
Brasília

Quatro em cada dez médicos inscritos em novo edital do Mais Médicos já atuavam em unidades de saúde e devem deixar vagas abertas para entrar no programa federal.

Essa “migração” preocupa municípios, para quem a situação deve deixar postos de saúde sem atendimento.

Os dados são de levantamento divulgado nesta quinta-feira (29) pelo Conasems, conselho que reúne secretários municipais de saúde.

Segundo o balanço, de 7.271 médicos que já tinham selecionado vagas no Mais Médicos até segunda-feira (26), 2.844 já pertenciam aos quadros do programa Estratégia Saúde da Família.

O conselho, porém, diz estimar que o número de médicos que já atuavam no SUS seja ainda maior e corresponda a até 3.500 inscritos. Em Roraima, por exemplo, de 43 vagas ofertadas, 36 foram preenchidas por médicos que já atuavam no SUS. ​A previsão é que os dados completos sejam divulgados na tarde desta quinta-feira.

Em São Paulo, 170 profissionais que eram do Saúde da Família migraram para o Mais Médicos. Em Minas Gerais, esse número já chega a 420, e na Bahia, a 325.

Para Mauro Junqueira, do Conasems, a situação preocupa e traz risco de desassistência. A previsão é que esses médicos deixem os postos até o dia 14 de dezembro, data limite para entrada no Mais Médicos. "É vestir um santo e desvestir outro", diz. 

O motivo para a migração está no salário pago no Mais Médicos (R$ 11.800) e em benefícios ofertados no programa, como ajuda de custo que varia de R$ 1.000 a R$ 3.000 por profissional. “Não temos condições de disputar com o programa”, afirma. "Ele foi interessante e nós aprovamos porque conseguiu fixar o médico nas unidades. Mas isso também está causando problema para as unidades."

Atualmente, a diferença entre o Estratégia Saúde da Família e o Mais Médicos está apenas na forma de contratação e no valor da bolsa ou salário --já que, após ingressarem no Mais Médicos, a maioria dos profissionais são integrados ao modelo do ESF, que tem como função acompanhar a situação de saúde de uma família e comunidade e investir em ações de cuidado e prevenção de doenças. 

No caso do Mais Médicos, porém, o recrutamento dos profissionais e pagamento é feito pelo Ministério da Saúde, com possibilidade de auxílio pago por prefeituras. Já no Programa Saúde da Família, a contratação e valor do salário é definido pelos municípios. 

Segundo Junqueira, o ministério repassa aos municípios cerca de R$ 7.500 por cada equipe de ESF. Já os gastos reais, diz, chegam a R$ 35 mil, daí o valor pago pelos municípios ser em geral menor que o do Mais Médicos.

Secretário municipal de saúde de Pacatuba (CE), Wilames Bezerra diz ter sido comunicado do desligamento de cinco médicos que atuavam no município. O motivo é a adesão ao Mais Médicos. "A argumentação deles é que havia mais vantagem no Mais Médicos pelo maior salário e pelos auxílios. Estou tentando repor agora com procura [de recém-formados] nas universidades", diz. 

'FORÇA-TAREFA'

Ao todo, 8.330 vagas abertas com a saída de cubanos do Mais Médicos ​​já têm médicos alocados. Dados de balanço divulgado pelo Ministério da Saúde mostram que, deste total, 4.675 são médicos que aderiram ao programa pela primeira vez.

Apesar dessa adesão, a "migração" de um programa federal a outro e relatos de desistência de médicos inscritos também têm gerado alerta entre secretários de saúde.

Em meio ao forte risco de desassistência, o Ministério da Saúde anunciou uma força-tarefa com ligações aos médicos inscritos para que eles assumam as vagas de forma imediata. Até esta terça, mais de mil médicos já haviam assumido as vagas.

No contato, a pasta também planeja pedir que aqueles que pretendem desistir das vagas comuniquem a decisão imediatamente às prefeituras, o que pode acelerar novo processo de seleção, informa.

Para Junqueira, uma solução para ocupar as vagas seria abrir um segundo edital para médicos formados no exterior. Ele afirma que cubanos que se casaram com brasileiros têm manifestado interesse em ocupar as vagas. 

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