Descrição de chapéu Obituário Youssef Mataloun (1923 - 2018)

Mortes: Judeu e egípcio, ficou sem pátria até chegar ao Brasil

Mataloun teve de deixar seu país temendo perseguição religiosa nos anos 1950

Fernanda Canofre
São Paulo

Quando o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser nacionalizou o Canal de Suez, colocou seu país em disputa com Israel. A ascensão do nacionalismo no Egito, no fim dos anos 1950, provocou uma diáspora que atingiu a comunidade judaica do país. 

Foi nessa leva que Youssef "Joe" Mataloun e a esposa Anna partiram. Os irmãos dele já haviam conseguido vistos em Israel e nos Estados Unidos, mas Youssef ficou sem pátria - como diziam seus papéis. Lembrou-se então de alguns primos em São Paulo, e achou um destino. 

Durante 15 dias o casal viajou de navio. Pararam na Europa para ver amigos, desembarcaram na Bahia e, por fim, no Porto de Santos, onde seguiram viagem para a capital. O começo foi difícil, os dois falavam apenas árabe e francês e conheciam poucas pessoas. Na sinagoga, porém, encontraram uma comunidade. 

Do Cairo de sua época, uma cidade parecida com as capitais europeias, com cafés, shows em cabaré e vida nas praias, ficaram apenas as lembranças. A memória era reavivada quando Anna cozinhava ou colocavam uma música de Dalida ou viam um filme. O filho do casal, Sérgio, conheceu a terra dos pais apenas pelas histórias e fotografias que eles guardavam.

O Brasil virou a terra de Youssef. Durante a semana, ele trabalhava no setor administrativo de uma empresa, nos dias de folga, se dedicava a longas noites de jogos de carta com a mulher e os amigos e às partidas de tênis. 

Foi numa noite assim que, já viúvo, conheceu a segunda companheira, Sami, dez anos mais nova. Juntos, os dois visitaram Israel e Youssef pisou na terra dos ancestrais pela primeira e única vez. Ela morreu alguns anos depois.

“Meu pai era simples, tranquilo, gostava muito da vida. Andava na rua, gostava de conversar sobre política, religião, economia”, conta Sérgio. 

No último dia 14, por complicações de uma pneumonia, o coração de Youssef parou de bater. Deixou o filho, dois netos, Gabriel e Rodrigo, e o enteado, também chamado Sérgio. 

Terminou seus 95 anos de vida no país que o acolheu e com o nome com uma letra a mais: o “u” em Mataloun fora um erro do escrivão que ele nunca se importou em corrigir. 


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